Uma das particularidades de Gurdjieff é considerar que o ser humano não tem um cérebro e sim três. Além disso que temos vários outros centros que executam funções praticamente de forma autônoma e sem uma adequada relação harmônica entre eles. Para Gurdjieff somos mais do que máquinas. Somos máquinas desreguladas, desajustadas, onde um centro rouba a energia do outro e está por executar tarefas de outro centro sem a devida autoridade ou correta capacidade de atuar assim. É como se o secretário de um presidente decidisse em nome do presidente.
Centros e divisões
Gurdjieff foi um dos pioneiros em trazer para o ocidente a visão holística do oriente. Ainda hoje as tradições do oriente são muito mais integrativas quanto a inter relação entre partes e funções de um corpo. Por exemplo, na medicina chinesa se diz que o fígado possui funções muito além da simples produção de enzimas digestivas. Dessa forma a medicina Ayurvédica (indiana) também possui uma visão mais abrangente de que uma alergia vai além de uma irritação local na mucosa nasal e sim de todo um desequilíbrio energético que inclui o uso incorreto da respiração e das emoções.
Por outro lado, a medicina ocidental tornou-se especialista ao extremo. Não que isso seja de todo ruim. Isso permite por exemplo que possamos criar vacinas contra novos vírus. No entanto, essa especialização excessiva nos leva a perder o contato com o todo de nosso corpo.
Gurdjieff foi também um contemporâneo de Freud e Jung entre outros. Não há ligações claras entre a influência direta entre eles. Porém, Maurice Nicoll foi aluno de Jung e também de Gurdjieff. Algumas passagens e relatos de estudantes de Gurdjieff corroboram que ele estava atualizado quanto as teorias psicológicas modernas e assim fez por adaptar ao seu sistema. Hoje práticas integrativas e holísticas são muito difundidas, mesmo que ainda não seja compreendidas por muitos.
Cada sistema uma divisão
Não se deve entender a divisão dos centros de inteligência de Gurdjieff como algo absoluto e cientificamente exato. Cada sistema busca uma divisão para explicar determinados fenômenos e observações. Assim, podemos dizer que todo sistema é útil como um modelo e todo modelo é útil como uma representação da realidade até que não mais seja representativo.
Então, o modelo de Gurdjieff é útil para quem estuda, trabalha e busca aplicar os seus ensinamentos. Não necessariamente é o mais perfeito e correto. Porém, uma das virtudes de Gurdjieff é justamente de dar sentido útil e prático a todo seu ensinamento. Nesse sentido, o mais simples é o melhor, pois, permite que o aluno vá aprendendo pela auto-observação e validando por si os conceitos ensinados.
Mesmo sendo um modelo simples não se pode dizer que não seja complexo. Simplicidade para explicar o complexo é sinal de inteligência e criatividade. Outro fato é que hoje se consegue ver muitos paralelos sobre o que Gurdjieff disse dos três centros de inteligência com as atuais teorias e modelos da neurociência. A começar pela descrição de que temos três cérebros. A um século atrás este conceito provavelmente causava muito mais espanto que nos dias de hoje. A neurociência já prova com diversos ensaios e experimentos questões relativas ao cérebro reptiliano, límbico e neocórtex. Os estudos de teorias evolucionistas mostram como o cérebro primitivo reptiliano é extremamente autônomo em suas funções. O que inclui sua extensão pela medula e células nervosas.
Hoje em dia sabemos que em geral nossas células são muito mais autônomas que imaginávamos ser. O cérebro do mamífero ou sistema límbico é o responsável pelas emoções. Enquanto o lobo frontal é responsável pelo pensamento analítico, abstrato e criativo. Quem nunca leu ou viu nada sobre esse assunto pode começar por aqui.
No entanto, a neurociência, como ciência moderna, continua a ver o homem como um objeto sem um ser. Então, apesar de ser útil para entendermos como máquina, não ajuda muito no sentido de nos ensinar como operar essa máquina complexa e integrada. Nesse sentido,só é possível aprender a comandar essa máquina observando a mesma “por dentro”, vendo, sentindo, percebendo suas sutilezas. Dessa maneira, o “ver por dentro” é o primeiro passo. Para isso precisamos aprender a auto-observação. Auto-observar sem julgamento do que se vê, mantendo a atenção e presença ao que se observa. Esse é o grande instrumento mágico que permite conhecer por si o que antigos sábios tanto descrevem e o que cientistas modernos estudam observando os outros.
Os centros de Gurdjieff
Para Gurdjieff o ser humano é dividido em
- centro físico – localizado na região entre o umbigo e diafragma
- centro emocional – localizado na região do peito, ao longo do osso esterno
- centro mental – localizado na cabeça
- centro locomotor – localizado ao longo da espinha dorsal
- centro sexual – localizado na região dos órgãos sexuais
Além desses cinco centros, existem mais dois centros superiores
- Centro emocional superior – que possui a capacidade de compaixão e exercer a consideração exterior
- Centro mental superior – que possui a capacidade de compreender a razão objetiva onde a dualidade coexiste e se integra em algo único
Cada centro desempenha uma função específica, servindo de transformador de energia mais grossas para energias mais sutis. Assim, um centro está ligado em harmonia com os demais centros. No entanto, o corpo e seus centros somente funcionam de forma autônoma até um determinado nível. É o nível necessário para manter a máquina humana viva e a psique humana em suas funções mínimas. Somente um mínimo de energia é gerado de forma autônoma para os centros superiores emocional e mental. Assim, para desenvolver a essência, a pessoa deve aprender a desenvolver e ajustar sua máquina. Em suma, ser capaz de gerar energia suficiente para os centros superiores. Essa energia que chega aos centros superiores vem de duas fontes
- Sacrifício voluntário – aprender a parar de sofrer de forma desnecessária e assim poupar energia.
- Digestão das impressões – aprender a receber impressões mais sutis e a digerir as impressões recebidas ao longo do dia e assim acumular essa energia de maneira a alimentar sua essência e não mais a personalidade
Outra particularidade do modelo de Gurdjieff é que os centros mental, emocional físico e motor trabalham com polaridades. De outro jeito, trabalham com associação a eventos negativos e positivos. Somente os centros superiores estão isentos da polaridade e trabalham por assim dizer com o verdadeiro positivo.
As polaridades dos centros são:
- O centro instintivo motor se associa com a dor e prazer.
- O centro emocional se associa com “eu gosto” e “eu não gosto”
- O centro mental se associa com “afirmação” e “negação” (falso/verdade, bom/ruim..)
Outro ponto importante é que cada um dos três cérebros também possuem três centros. Então a mente possui uma mente física, emoções da mente e mente da mente. Isso vale aos dois centros. Por vezes, estudantes desse método se perdem com esse aumento de complexidade. No entanto, a compreensão vai acontecendo na medida que a prática acontece. O tempo e prática permite que sutilezas sejam observadas. Com isso vamos aprendendo mais sobre o como somos complexos e o tanto que agimos automaticamente. Então, não se prenda em muitos detalhes inicialmente. Anote o que observa e compartilhe com seus colegas de tarefa. O trabalho em grupo é um excelente meio de acelerar o entendimento pessoal sobre os três centros.
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