Integração: Conexão entre os Ensinos de Gurdjieff e os Conceitos Junguianos

Nos últimos artigos discutimos as diferenças e semelhanças que permitem a integração das abordagens de Carl Jung e de George Gurdjieff. As semelhanças entre ambas as abordagens nos fornecem pontes de comunicação entre os dois ensinamentos. Enquanto podemos usar suas diferenças como complementos necessários entre os dois métodos.

Contudo, podemos nos perguntar: Como uma pessoa pode usar as abordagens, técnicas, ensinamentos e teorias de Carl Jung e de George Gurdjieff como aliados em seu caminho de desenvolvimento pessoal?

Trabalhando a integração da falsa personalidade

Gurdjieff faz uma distinção entre essência, personalidade e a falsa personalidade em seus ensinamentos. A essência é a parte mais profunda e verdadeira do ser humano, composta por qualidades inatas e potenciais que são constantes ao longo da vida. Já a personalidade é a parte externa e mutável do ser humano, formada por influências sociais, culturais e ambientais.

A personalidade se apresenta como uma máscara ou um conjunto de comportamentos adotados para adaptação ao mundo exterior. No entanto, a essência deveria direcioná-la como um desdobramento exterior dela própria.

De acordo com Gurdjieff, traumas e experiências negativas podem distorcer a personalidade, levando a comportamentos destrutivos, padrões de pensamento disfuncionais e desconexão com a essência. Dessa forma, a personalidade se torna algo falso e distante da essência. Portanto, antes de mergulhar em uma jornada espiritual, Gurdjieff sugere que seja necessário tratar esses traumas e distorções da personalidade para que a essência possa se manifestar de forma mais plena e autêntica.

O exemplo abaixo pode ajudar a compreender essas questões em uma situação prática

Um exemplo de integração na vida real

Imagine uma pessoa que enfrenta dificuldades em sua vida profissional, sentindo-se presa em um trabalho sem sentido e sem propósito. Ela está insatisfeita e sente que precisa de mudanças, mas não sabe exatamente o que fazer. Tal pessoa percebe que não conseguirá resolver seus dilemas por si só. Afinal, já tentou fazer isso por diversas vezes sem sucesso. Assim, percebe que precisa tentar algo diferente para obter resultados diferentes.

Essa pessoa pode então começar pelos estudos sobre os ensinamentos do Quarto Caminho. Dessa forma, a abordagem de Gurdjieff pode ajudá-la a encontrar um objetivo claro e significativo em sua vida. Não um simples objetivo mecânico. Algo que tenha sentido e propósito a fazer. Que lhe ensine a se conectar com sua essência. Contudo, algo que deve incluir também a sua vida profissional. Afinal, pelo Quarto Caminho aprendemos que toda e qualquer situação é uma oportunidade de crescimento através do desenvolvimento da consciência e da vontade.

Assim, ela pode começar a observar sua própria vida e suas reações, identificando padrões e vícios que a impedem de agir de forma consciente e direcionada. Com o tempo, ela pode desenvolver a habilidade de escolher seus pensamentos e ações de forma mais consciente e alinhada com seus valores e objetivos pessoais.

Conheça a si mesmo

No entanto, como Gurdjieff alertava, nossos traumas e questões pessoais estão presentes na manifestação da falsa personalidade. Afinal, são esses traumas que provocam o afastamento da essência da manifestação da verdadeira personalidade. Assim, conhecer a si mesmo em profundidade exige compreender essa dimensão sobre si. Exige também entender como suas experiências pessoais e culturais criaram cristalizações distorcidas sobre o caráter de sua personalidade.

Jung, Gurdjieff, arteterapia e as mandalas – outro elemento comum

Logo, será de grande ajuda para essa pessoa buscar aprofundamento em uma abordagem junguiana. Dessa forma poderá buscar a integração de diferentes aspectos de sua psique, como seus desejos, medos e expectativas. Ainda mais, isso permite que ela se conheça melhor e se torne mais equilibrada emocionalmente. Através da prática da autoanálise e da reflexão, ela pode desenvolver um relacionamento mais saudável e consciente consigo mesma. O que pode refletir em uma maior clareza em relação a seus objetivos profissionais, pessoais, seu relacionamento familiar e social.

Combinando as abordagens de Gurdjieff e Jung, tal pessoa pode encontrar um novo sentido e propósito em sua vida profissional e pessoal. Poderá assim com o tempo aprender a agir de forma mais consciente e alinhada com seus valores e objetivos pessoais. Poderá assim descobrir novas oportunidades e caminhos que antes não estavam claros para ela. Ainda mais, sentirá mais realizada e feliz em sua vida. Com mais clareza sobre seus desejos e vontades.

Integrando Abordagens: Complementaridade entre Gurdjieff e Jung

Vale salientar que tal complemento vai além de um simples apoio ao desenvolvimento de um iniciante em sua jornada de autoconhecimento.

A abordagem junguiana também pode ajudar a explorar a dimensão simbólica e mitológica presente nos ensinamentos de Gurdjieff. Isso se mostra extremamente útil para estudantes mais avançados que enfrentam dificuldades ao compreender os conceitos de Gurdjieff com facilidade.

Jung foi um grande estudioso dos mitos e símbolos presentes em diversas culturas. Ele observava a psique humana como um reflexo dessas imagens e arquétipos universais. Ao mesmo tempo, o trabalho de Gurdjieff tenta acessar e transformar esses arquétipos. Então, a abordagem junguiana pode fornecer ferramentas para uma melhor compreensão desses processos.

Além do mais, em certos momentos as teorias e modelos de Gurdjieff são muito abstratas e de difícil compreensão. Somente o vivenciar da experiência em si permite a evolução do entendimento. O uso das técnicas neo junguianas de uso da imaginação ativa permitem e facilitam muitas dessas vivências. Como exemplo, o conceito de Gurdjieff sobre energias superiores e inferiores podem ser vivenciadas de uma outra maneira com a experiência sobre os arquétipos.

Integrando Gurdjieff e Jung: Compreendendo os Vários Eus e o Grande Chefe

Outro aspecto importante que a teoria de Jung complementa os ensinamentos de Gurdjieff é em relação a figura do mestre. A figura do mestre é fundamental para a filosofia e o trabalho de George Gurdjieff. O mestre, neste contexto, é alguém que possui um profundo entendimento e experiência prática dos ensinamentos e é capaz de guiar os alunos em sua jornada de autoconhecimento e transformação.

A figura do mestre em Gurdjieff é responsável por transmitir ensinamentos e práticas, bem como criar situações e condições que desafiem e estimulem o crescimento e o desenvolvimento dos alunos. O mestre também é visto como um espelho e um exemplo para os alunos, oferecendo-lhes um modelo a ser seguido.

Por outro lado, Carl Jung desenvolveu em seu trabalho os conceitos de transferência e contratransferência. Conceitos esses fundamentais na relação terapêutica. A transferência ocorre quando a paciente projeta sentimentos, desejos e expectativas inconscientes em seu terapeuta. Geralmente tais projeções são baseadas em experiências passadas e relações significativas. A contratransferência é o fenômeno inverso, onde o terapeuta projeta sentimentos e expectativas inconscientes no paciente, influenciando sua percepção e interação com o paciente.

É possível traçar um paralelo entre os conceitos de transferência e contratransferência de Jung embora a figura do mestre em Gurdjieff possua algumas diferenças em sua natureza e objetivos. Afinal, ambos lidam com a dinâmica de relacionamentos entre professores e alunos ou terapeutas e pacientes. Dinâmica essa onde há uma troca de conhecimento e experiências emocionais.

Evitando as armadilhas do ego

No ensinamento de Gurdjieff, a relação mestre-aluno se fundamenta na confiança e no respeito mútuos, permitindo que o aluno se abra às lições e ao exemplo do mestre. Da mesma forma, na psicoterapia junguiana, a relação terapêutica precisa se basear em confiança e respeito para que a transferência e a contratransferência sejam exploradas e trabalhadas de maneira eficaz.

Em ambos os casos, é importante que o mestre ou terapeuta esteja ciente de suas próprias projeções e emoções, evitando confundir seus sentimentos e expectativas com os de seus alunos ou pacientes. Dessa forma, eles podem ajudar os alunos ou pacientes a alcançar uma maior compreensão de si mesmos e a evoluir em seu caminho de autoconhecimento e crescimento pessoal.

Um terapeuta que conhece da filosofia de Gurdjieff compreenderá que seu trabalho é muito mais que uma prática de “curar um doente”. Ao mesmo tempo, uma pessoa que esteja em uma escola do Quarto Caminho deve entender dos mecanismos de transferência e contratransferência para não cair em grandes armadilhas de seu ego. Esteja essa pessoa na posição de aluno ou de mestre.

Os vários eus

Os conceitos junguianos podem ser úteis para facilitar o entendimento dos vários “eus” de Gurdjieff e fornecer um quadro teórico para aprofundar essa exploração. Gurdjieff propôs a ideia de que os seres humanos são compostos por muitos “eus” diferentes, em vez de possuir uma personalidade única e coesa. Segundo Gurdjieff, esses “eus” são fragmentos da personalidade, cada um com desejos, necessidades e objetivos distintos.

Esses “eus” podem entrar em conflito uns com os outros e criar uma sensação de inconsistência e desordem interna. O “Trabalho” de Gurdjieff visa unificar esses “eus” fragmentados em um “eu” mais integrado e harmonioso, o que ele chamava de “eu real” ou “eu verdadeiro”.

Conheça seus “eus” para uma melhor integração

Gurdjieff incentivava seus alunos a observar e nomear esses diferentes “eus” para aumentar a consciência de si mesmos e ajudar na integração. Dar nomes aos “eus” é uma maneira de identificar e distinguir os diferentes aspectos da personalidade e facilitar o processo de autoconhecimento e transformação.

Animus e Anima, na verdade nada é como se apresenta

Assim, podemos usar mais uma vez os conceitos de Jung para facilitar o entendimento e o trabalho interior pelos ensinamentos de Gurdjieff conforme proposto abaixo:

  1. Sombra: A sombra é o aspecto do inconsciente que contém tudo o que um indivíduo rejeita ou nega em si mesmo. A sombra pode incluir impulsos, desejos e emoções considerados inaceitáveis ou indesejáveis.
  2. Projeções: Jung descreveu o fenômeno das projeções como um processo pelo qual um indivíduo atribui características indesejáveis de si mesmo a outras pessoas.
  3. Anima e Animus: Anima e Animus são arquétipos junguianos que representam o feminino e o masculino no inconsciente de cada indivíduo, independentemente do gênero.
  4. Arquétipos e memórias: Os arquétipos são padrões universais e simbólicos presentes no inconsciente coletivo de Jung.

A sombra, projeções e arquétipos podem ser vistos como um dos nossos vários “eus” propostos por Gurdjieff. Assim, reconhecer e trabalhar com todos esses aspectos pode ajudar na identificação e integração dos vários “eus”.

O grande chefe

O grande chefe ou “chief feature”, como descrito por Gurdjieff, é um padrão de comportamento e pensamento profundamente enraizado que domina a personalidade de um indivíduo. É geralmente resultante de experiências passadas e traumas. Essa característica tem como objetivo proteger o ego e manter uma identidade estável. Contudo, muitas vezes age como uma barreira ao crescimento e desenvolvimento pessoal.

O conceito de “chief feature” pode ser relacionado aos vários “eus” de Gurdjieff e aos conceitos junguianos discutidos anteriormente. O “chief feature” pode ser visto como um dos “eus” dominantes que influencia e molda os outros aspectos da falsa personalidade. Assim, é crucial identificar e trabalhar com essa característica principal para alcançar a integração e autoconhecimento.

Uma melhor integração acontece quando se conhece seu “Chief Feature”

Os conceitos de Jung podem ser úteis para abordar o “chief feature” da seguinte maneira:

  1. Sombra: o “chief feature” pode estar associado à sombra, representando aspectos negados ou reprimidos da personalidade. Ao integrar a sombra, o indivíduo pode começar a reconhecer e trabalhar com o “chief feature” de forma mais eficaz.
  2. Projeções: O “chief feature” pode ser projetado nos outros, levando a conflitos interpessoais e dificuldades de relacionamento. Entender como as projeções funcionam pode ajudar a identificar e lidar com o “chief feature”.
  3. Anima e Animus: O “chief feature” pode estar relacionado à dinâmica entre Anima e Animus. Afinal, pode representar uma expressão desequilibrada do feminino ou do masculino na psique. Trabalhar com esses arquétipos pode contribuir para a harmonização do “chief feature”.
  4. Arquétipos: O “chief feature” pode estar ligada a um ou mais arquétipos específicos que se manifestam na personalidade do indivíduo. Reconhecer e explorar esses arquétipos pode oferecer insights valiosos sobre a origem e a dinâmica do “chief feature”.

Ao trabalhar com o “chief feature” dentro do contexto dos vários “eus” de Gurdjieff e dos conceitos de Jung, o indivíduo pode obter uma compreensão mais profunda de si mesmo e avançar em direção à integração e ao crescimento pessoal.

O Caminho Individualizado do Desenvolvimento Interior: Gurdjieff e Jung

Gurdjieff enfatizava que o caminho do desenvolvimento interior é uma jornada individual e única, sem regras fixas ou mapas precisos a serem seguidos. Ele acreditava que cada pessoa deve buscar o autoconhecimento e a autorrealização através de seus próprios esforços e experiências. Além disso, Gurdjieff destacou a importância de estar aberto a auxílios externos, como mestres, tradições espirituais e outros recursos que possam facilitar o processo de crescimento.

Essa abordagem pessoal e individualizada do desenvolvimento espiritual se alinha bem com a aplicação das técnicas e conceitos junguianos. Carl Jung também defendia a importância da jornada individual e do processo de individuação, onde cada pessoa busca alcançar a integração e a autorrealização por meio de suas próprias experiências e insights.

As técnicas junguianas, como a análise de sonhos, a exploração dos arquétipos e a integração da sombra, podem ser vistas como uma excelente alternativa e complemento ao caminho do desenvolvimento interior proposto por Gurdjieff. Ao trabalhar com os conceitos de Jung, os indivíduos podem aprofundar seu autoconhecimento e compreensão de si mesmos, facilitando a integração dos vários “eus” e o alinhamento com a essência.

No entanto, é importante lembrar que tanto Gurdjieff quanto Jung defendiam a ideia de que não há atalhos ou soluções universais para o desenvolvimento interior. O processo é altamente individual e requer dedicação, esforço pessoal e autodescoberta. Embora as técnicas junguianas possam ser úteis, cada pessoa deve encontrar seu próprio caminho e abordagem, adaptando-se às suas necessidades e circunstâncias específicas.

Em resumo, a aplicação das técnicas junguianas pode ser uma alternativa interessante e valiosa no caminho do desenvolvimento interior de acordo com os ensinamentos de Gurdjieff. No entanto, é crucial que cada indivíduo permaneça consciente de sua própria jornada e das particularidades de seu processo de crescimento, buscando sempre adaptar e ajustar suas abordagens conforme necessário.

1 comentário em “Integração: Conexão entre os Ensinos de Gurdjieff e os Conceitos Junguianos”

  1. Muito bom o texto. Acho que desenvolvimento espiritual e psicológico devem andar juntos, nesse sentido eu gosto muito do eneagrama de personalidades que me auxilia na identificação de padrões em meu comportamento auxiliando em minhas auto observações.

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