Psicologia e espiritualidade na perspectiva de Carl Jung e Gurdjieff

A psicologia e a espiritualidade são dois campos que muitas vezes se sobrepõem. Ambos buscam entender a natureza da mente humana e a busca pelo sentido da vida. Carl Jung e Gurdjieff foram dois dos mais influentes pensadores no século XX, que se destacaram por abordar essas questões de forma única. Neste artigo, vamos explorar as diferenças e semelhanças entre os conceitos de psicologia e espiritualidade de Carl Jung e Gurdjieff.

Carl “Alquimista” Jung x George “Místico” Gurdjieff

Carl Jung foi um psiquiatra suíço que fundou a escola de psicologia analítica. Ele acreditava que a psicologia tinha o potencial de ajudar as pessoas a encontrar significado e propósito em suas vidas. Gurdjieff, por outro lado, foi um filósofo e espiritualista armênio que fundou a escola de pensamento conhecida como O Trabalho. Ele enfatizou a necessidade de transcender a personalidade egocêntrica e alcançar um estado mais elevado de consciência.

Apesar de suas diferenças, Jung e Gurdjieff compartilhavam uma compreensão profunda da psique humana e sua relação com o mundo espiritual. Ambos acreditavam que a jornada espiritual era uma jornada interior, e que o autoconhecimento era fundamental para alcançar a iluminação.

Psicologia de Jung

Para Jung, o autoconhecimento era alcançado através da integração das diferentes partes da psique humana. Ele acreditava que a psique consistia em três partes principais: o ego, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. O ego é a parte consciente da psique que se identifica como “eu”. O inconsciente pessoal é composto de pensamentos, sentimentos e memórias que estão fora da consciência imediata do indivíduo. O inconsciente coletivo, por sua vez, é uma camada mais profunda da psique que contém memórias e arquétipos universais que todos os seres humanos compartilham.

Jung acreditava que a integração dessas três partes da psique era fundamental para alcançar a totalidade e a plenitude como ser humano. Assim, uma pessoa poderia entrar em contato com seu “Self” ou verdadeiro eu total e consciente. Ainda mais, alcançaria seu processo de individuação. Ele descreveu o processo de individuação como a jornada de autoconhecimento e integração que leva ao desenvolvimento pessoal e espiritual. A individuação é alcançada quando a pessoa se torna consciente de todas as partes da psique e as integra em uma personalidade mais completa.

Psicologia de Gurdjieff

Gurdjieff, por outro lado, enfatizou a necessidade de transcender a personalidade egocêntrica e alcançar um estado mais elevado de consciência. Ele acreditava que a maioria das pessoas vive em um estado de sono e ausência de presença, onde estão presas em padrões de pensamento e comportamento repetitivos e limitantes. Para Gurdjieff, a única maneira de acordar espiritualmente era através do trabalho consciente e árduo. Sendo necessário receber vários “choques” para que alguém pudesse acordar de seu estado de sono profundo.

Gurdjieff ensinou que o ser humano é composto de três centros principais: o intelectual, o emocional e o motor. Ele acreditava que esses centros precisavam estar harmonizados e integrados para que a pessoa pudesse transcender a personalidade egocêntrica. Além disso, ele não acreditava em um ego, pois, para ele somos formados por diversos “eus”. Contudo temos um “Chefe” falsamente empossado que se faz passar como um eu permanente.

Para evitar as armadilhas da falsa personalidade, O trabalho consciente não poderia ser feito sozinho e era necessário se juntar a um grupo de indivíduos com interesses espirituais semelhantes. Ele fundou a escola de pensamento conhecida como Quarto Caminho e o Trabalho, onde os indivíduos poderiam aprender as técnicas necessárias para transcender o egocentrismo imposto pelo “Chief feature”*  e alcançar um estado mais elevado de consciência.

* Chief feature pode ser traduzido como “traço dominante” ou “característica principal”. No contexto da filosofia de Gurdjieff, chief feature refere-se a um padrão comportamental negativo que domina a personalidade de um indivíduo e o impede de alcançar um estado mais elevado de consciência. Em outras palavras, é um traço negativo que se torna tão central na personalidade de alguém que acaba por controlar seus pensamentos, emoções e ações.

O que é comum em ambas as psicologias

Embora Jung e Gurdjieff abordassem a psicologia e a espiritualidade de maneira diferente, eles compartilhavam muitos conceitos semelhantes. Ambos acreditavam que a jornada espiritual era uma jornada interior e que o autoconhecimento era fundamental para alcançar a iluminação. Eles também acreditavam que a psique humana é complexa e que sua compreensão é essencial para a cura e o desenvolvimento pessoal.

Além disso, ambos acreditavam que muitas das doenças mentais descritas naquela época eram causadas por padrões repetitivos e inconscientes. O fato de uma pessoa agir contra sua própria vontade verdadeira e consciência é a origem de muitas dores pessoais, além de afetar aqueles ao nosso redor.

Outra semelhança importante entre Jung e Gurdjieff foi sua ênfase na importância da prática. Ambos acreditavam que a transformação pessoal não podia ser alcançada apenas através do estudo teórico, mas exigia um compromisso ativo com o trabalho interior.

Divergências entre esses dois mestres

As diferenças entre esses dois pensadores são principalmente de ênfase e abordagem. Jung se concentrou na integração das diferentes partes da psique humana, enquanto Gurdjieff enfatizou a transcendência do egocentrismo e da falsa personalidade. Além de buscar por um estado mais elevado de consciência. Enquanto Jung era um psicólogo clínico que trabalhava com pacientes individuais, Gurdjieff fundou uma escola espiritual que enfatizava a importância do trabalho em grupo.

Gurdjieff se concentrou na harmonização dos centros através do trabalho consciente e da prática constante de técnicas específicas, como a meditação, a respiração consciente e o movimento consciente. Por outro lado, Jung acreditava na integração das diferentes partes da psique humana, incluindo o ego, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo, para alcançar a saúde mental e a realização pessoal. Ele desenvolveu técnicas como a análise dos sonhos e a imaginação ativa para ajudar as pessoas a se tornarem mais conscientes de sua psique e integrar suas diferentes partes.

Gurdjieff – Transforme ou morra como um cão

Trabalho de Gurdjieff

Uma crença central na prática do Trabalho de Gurdjieff é que, para alcançar um estado mais elevado de consciência, é necessário transcender a falsa personalidade e conectar-se com uma energia superior. Para isso, é preciso realizar um trabalho consciente e buscar a harmonização dos três centros principais do ser humano. Gurdjieff acreditava que somos transformadores de energia, capazes de converter a energia mais densa em energia mais sutil. Aprender a reservar e utilizar essa energia sutil é fundamental para criar um estado de conexão cada vez mais perene com os centros emocionais e intelectuais superiores.

O centro intelectual representa nossa capacidade de pensamento, lógica e raciocínio. O centro emocional representa nossas emoções e sentimentos. E o centro motor representa nossa capacidade de agir, realizar e manifestar nossas intenções no mundo. Quando esses três centros estão em harmonia e equilíbrio, a pessoa é capaz de transcender a personalidade egocêntrica e conectar-se com uma energia mais elevada vinda de seus dois centros superiores emocional e intelectual.

Gurdjieff ensinou que a harmonização dos centros não era um processo fácil e exigia trabalho consciente e prática constante. Ele desenvolveu técnicas específicas para ajudar as pessoas a harmonizarem seus centros, incluindo a meditação, a respiração consciente e o movimento consciente. A prática dessas técnicas ajudaria a pessoa a se tornar mais consciente de seus pensamentos, emoções e ações, permitindo-lhes transcender a ilusão da falsa personalidade e alcançar um estado mais elevado de consciência.

Terapia analítica de Jung

Jung desenvolveu várias técnicas para ajudar as pessoas a integrar as diferentes partes de sua psique, incluindo a análise dos sonhos, a imaginação ativa e o uso de arquétipos. Ele acreditava que, ao se tornar mais consciente das diferentes partes de sua psique, a pessoa seria capaz de superar as limitações de seu ego e se conectar com uma energia mais elevada. Assim, sua terapia sugere menos confronto e mais integração entre a parte negada (sombras) e as partes reconhecidas (aspectos reconhecidos da personalidade e persona).

Vale ressaltar que o conceito de sombra é uma das ideias mais importantes e conhecidas da psicologia de Carl Jung. Jung acreditava que todos nós temos uma parte inconsciente de nós mesmos, que é reprimida, negada ou ignorada por nossa consciência, e que ele chamou de “sombra”. Essa sombra é composta de todas as partes da nossa personalidade que consideramos inaceitáveis ou inadequadas, como nossos impulsos violentos, inveja, preguiça, raiva e outros aspectos que não queremos reconhecer em nós mesmos.

Jung acreditava que a sombra era uma parte fundamental da psique humana e que negar ou reprimir esses aspectos negativos de nós mesmos poderia levar a problemas psicológicos, como ansiedade, depressão e dificuldades em nossos relacionamentos pessoais. Ele acreditava que, ao trazer à luz esses aspectos da nossa personalidade e integrá-los à nossa consciência, poderíamos encontrar uma maior paz interior e equilíbrio emocional.

O trabalho com a sombra é um processo complexo e pode ser feito através de diferentes abordagens terapêuticas, como a psicoterapia junguiana. Em geral, o objetivo é trazer esses aspectos sombrios da personalidade à luz, reconhecê-los, aceitá-los e trabalhar para integrá-los em nossa consciência e em nossa vida diária.

Jung – Está tudo na sua cabeça

Qual a melhor psicologia ?

Em resumo, tanto Carl Jung quanto Gurdjieff foram influentes pensadores que abordaram a psicologia e a espiritualidade de maneira única. Embora suas abordagens fossem diferentes, ambos compartilhavam uma compreensão profunda da natureza humana e da importância do autoconhecimento para alcançar a iluminação. No entanto, é importante lembrar que ambas as abordagens são complexas e exigem tempo, esforço e comprometimento para serem eficazes.

A escolha entre as duas abordagens dependerá das necessidades individuais de cada pessoa e de suas preferências pessoais. É sempre importante procurar um instrutor ou profissional qualificado para ajudá-lo a decidir qual abordagem pode ser mais adequada para você. Não obstante, os conceitos desses dois grandes mestres continuam a inspirar e guiar aqueles que buscam uma compreensão mais profunda de si mesmos e do mundo ao seu redor.

Continuarei a explorar semelhanças e diferenças desses dois grandes mestres no próximo artigo. Uma ótima semana de estudos para todos!

Lauro Borges

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