Esse artigo fala sobre o Self, ou o desenvolvimento da verdadeira psicologia humana. É o sétimo artigo da série sobre consciência que você pode ver aqui. Muitas tradições referem ao ser humano como um ser ternário. Sendo assim, somos compostos de corpo, alma e espírito. Todo o ensinamento de Gurdjieff coloca ênfase sobre o desenvolvimento harmônico desses três elementos. Porém, devemos aprender a distinguir o que são funções e o que é o nosso Ser (ou self). Somente assim, nossas funções podem ser treinadas, ensinadas e harmonizadas. Da mesma forma, o nosso Ser deve tornar-se forte e flexível. Isso é necessário para que o Ser trabalhe integrado com as funções que nos compõem. Assim, permitindo que as funções operem em qualquer nível necessário.
Podemos usar aqui a parábola do carro, cocheiro, cavalo e mestre. O nosso Ser é o mestre enquanto carro, cavalo e cocheiro são as funções. Sendo assim, o autoconhecimento deve ser o conhecimento do próprio padrão de vontade. Em última análise, a consciência da própria individualidade. Os três elementos da natureza do homem envolvem sua maturação e sua transformação. Afinal, é importante reconhecer a necessidade de todas as partes para uma educação e integração no sentido mais amplo.
Afinal, o que é o Self?
O self é uma entidade composta que é a própria pessoa. Todavia, está sempre em evolução. Não é algo pré-formado. Então, seu desenvolvimento continua ao longo da vida. A menos que seja interrompido prematuramente. O self de uma pessoa é o produto da interação entre os mecanismos funcionais, o padrão de vontade e as influências ambientais que atuam desde o momento da concepção. Assim, a formação de si é um processo de amadurecimento. Tal como é fortemente influenciado pela formação educacional do ambiente. Portanto, é certo que o self passa por profundas mudanças durante a vida pregressa. Bennett propõe que o Self se compõe por quatro camadas conforme a figura abaixo.
O Self Material
No início, a criança em crescimento está quase totalmente empenhada em se adaptar à existência em um corpo material. Como também se adaptar aos outros objetos materiais. Seu desenvolvimento psíquico ocorre quase exclusivamente no âmbito do sistema sensório-motor. Com isso, ele adquire a capacidade de lidar com o mundo material e sua personalidade tem uma natureza correspondente. O “eu” material permanece ativo ao longo da vida. Porém, com o desenvolvimento normal, ele se torna um instrumento passivo das partes superiores do eu, deixando de ser dominante. O self material está principalmente associado à energia automática (grupo das energias vitais, energia automática E6).
Exercícios de ioga, Rolfing, presença, artes marciais, Qi Gong, Tai Chi, escola montessoriana são exemplos de educação e reeducação do self material. Muitas vezes perdemos a conexão com esse self ao longo da vida sedentária. Ocorre também que uma pessoa não tenha desenvolvido adequadamente essa camada. Apesar de ser uma camada básica, não devemos negligenciar a mesma. Ao contrário, por ser básico obtemos muitas respostas e resultados rápidos.
O Self Reacional
Entre 4 e 7 anos, o desenvolvimento das funções introduzem polaridades como prazer-dor, gosto-desgosto, sim-não, etc. Dessa forma a polaridade se associa ao padrão de vontade. Isso se desenvolve no self reacional que permanece dominante na maioria das crianças durante os anos de formação. Não obstante, em um grande número de casos, também continua a dominar ao longo de toda a vida. Essas pessoas são facilmente reconhecidas pela identificação com gostos e desgostos, seus “mau humor” e tendências a ver tudo preto ou branco. O self reacional oscila entre automatismo (E6) e sensibilidade (E5).
Todavia, a formação e o crescimento do self reacional é uma parte necessária do processo de maturação em homens e mulheres. Quando devidamente desenvolvido, é o ponto de contato sensível (E5) entre o mundo interno e externo. No entanto, não deve ser dominante em um adulto maduro. De fato, deve começar a ocupar um status passivo de 8 a 10 anos de idade.
Gurdjieff dizia “ame o que você odeia”. Esse é um exercício simples de confrontar paradigmas do self reacional. Buscar novas experiências sensoriais, comer coisas diferentes, ouvir música desconhecida são todos bons exercícios para ampliar a percepção sobre o self reacional. O exercício de autoobservação também é um excelente aliado para nos informar sobre nossas tendências reativas.
A dualidade do Ser
O menino ou a menina, sob condições favoráveis de vida familiar e procedimentos educacionais, desenvolve discriminação de valor a partir dos 7 anos de idade. Essa é a marca da formação do terceiro estágio do self. A discriminação é principalmente a capacidade de distinguir níveis de existência. A mente humana é capaz de
discriminação porque varia de energia sensível (E5) a consciente (E4). Dessa forma, liga dois dos três principais modos de existência: o vital e o cósmico.
Esta existência dupla é inerente à natureza humana e não há como escapar de suas implicações. O homem é, e sempre será, “meio emoção e meio deus”. Portanto, há uma diferença entre os dois eus anteriores pela adição da parte “superior” ou “consciente”. Além disso, de uma parte “inferior” ou sensível. A vontade, associada à estrutura superior, pode
reter seu próprio padrão. No entanto, eus anteriores são obscurecidos pelo efeito acidental das influências de condicionamento. Por isso, esse eu dividido é a casa da personalidade.
O Self Dividido
O self dividido começa a se formar assim que há uma consciência dos valores objetivos distintos dos valores subjetivos do Self Reacional. Cresce por volta do oitavo ano e torna-se dominante após a puberdade. Isso é observável nos jovens pelo comportamento confrontativo e ao mesmo tempo passivo. Há um grande risco do self dividido não desenvolver uma existência independente. Dessa forma, o menino ou menina permanece contaminado com “infantilismos”. Infelizmente, esta é uma ocorrência muito comum. Isso se dá principalmente pela ausência de influências educacionais ou influências distorcidas.
A formação do verdadeiro Eu
Um outro estágio de desenvolvimento deve começar na puberdade e estabelecer por volta dos 18 anos e 21 anos. Esta é a formação do verdadeiro eu. Esse eu possui uma natureza tripartida. E em seu centro está a “vontade natural” ou “eu” (self). Esta é uma das razões para o termo descritivo “verdadeiro self “. Assim, a sede da transformação psicocinética está nessa quarta “casa” do self . Logo, é onde a personalidade se transforma em individualidade.
O verdadeiro eu é diferente dos três primeiros pelo fato de que só pode se desenvolver por ação intencional consciente. Então, isso requer o exercício da discriminação presente no “Eu Dividido”. Nesta fase, um novo processo educacional deve ser adquirido. O verdadeiro eu deve, por sua própria natureza, ser ativo e assumir a liderança sobre os outros. Ele pode adquirir esse domínio apenas adquirindo a força que vem de atos de decisão.
Gurdjieff dizia que é necessário primeiro ter material para trabalhar antes de querer se transformar. Normalmente nesse estágio a pessoa tem seu “eu verdadeiro” soterrado pelos “eus reativos” e “eus divididos”. No entanto, é preciso viver a vida, sofrer a vida e ter as alegrias da vida para começar a compreender certas coisas. Gurdjieff alerta a necessidade de ser alguém simplesmente responsável na vida em primeiro lugar antes de tentar fazer qualquer coisa em si. O “self verdadeiro” está passivo, enquanto os demais selfs inferiores estão ativos. Logo, será necessário buscar uma segunda educação para aprender a se desenvolver. Todo o trabalho esotérico, de todas as escolas, sempre foi sobre essa segunda educação.
O Self transformado em individualidade
Não se deve supor que o “Eu Verdadeiro” seja a parte “boa” da pessoa e o “Eu Material, reacional e dividido” a parte “ruim”. Todas as quatro partes do eu são necessárias para o ser humano completo. Todas essas partes podem estar certas. Ao mesmo tempo, todas podem ser desenvolvidas incorretamente. O desenvolvimento errado do Eu Verdadeiro leva ao estabelecimento do egoísmo em seu centro. Dessa forma, o egoísmo pode ser considerado o principal inimigo da evolução do homem como indivíduo. Também é a principal fonte de perturbação nas sociedades humanas. Enquanto o egoísmo ocupa o ponto central da personalidade, a Individualidade se exclui. Então, permanece sem instrumento e, portanto, impotente.
Considerações finais
Uma pessoa dificilmente consegue alcançar automaticamente a plenitude de seu Ser somente pelos seus próprios méritos, educação recebida e influências do meio. No entanto, pode tornar-se um ser humano sadio com potencial de trabalhar sobre si. Porém, tudo fica mais difícil se a pessoa sofreu uma cristalização precoce de sua personalidade no nível do self reacional ou do self dividido. Será preciso uma descristalização quando isso ocorrer. Na verdade, a grande maioria das pessoas terá fragmentos cristalizados nessas duas camadas inferiores. Por isso, o trabalho psicoterapêutico é bastante útil para desbloquear essas cristalizações. Muitas vezes as pessoas buscam espiritualidade sem antes resolver essas questões. Nesses casos há um risco enorme de egoísmo e personalidade tomar conta do self verdadeiro.
Por fim, o trabalho consiste
- em permitir que o “eu material” seja o nosso corpo planetário livre das influências do “eu reacional”.
- que o “eu reacional” e o “eu dividido” (respostas mecânicas e personalidade) sejam trabalhadas e transformadas no nível do “eu verdadeiro”
- por fim que o “eu verdadeiro” cresça pela influências das forças superiores cósmicas
Fica uma sugestão de rever os três modelos de consciência discutidos nos últimos sete artigos. Há uma forte correlação entre o modelo de nível de ser de Gurdjieff, os níveis da espiral dinâmica e os níveis de energia funcional de Bennett. Somos uma máquina de transformar energias. E como dizia Gurdjieff, uma máquina desregulada e que utiliza as energias de seus centros de forma errada. Uma pessoa que perceba isso e entenda como sua máquina funciona estará verdadeiramente trabalhando sobre si.
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