Centros, acumuladores e energia

Quem estuda o Quarto Caminho pelas escolas mais tradicionais é desafiado a observar seus centros ou “cérebros”. No entanto, os centros ou “cérebros” não atuam de forma independente. Tudo que afeta um centro também afetará os outros dois centros. Dessa forma, devemos entender o papel ou função de cada centro dentro do processo de transformação.

O centro intelectual está localizado na cabeça sendo o principal suporte para as transformações da primeira força fundamental. Em outras palavras, é na cabeça que as funções de recepção, concentração e compreensão atuam em contato com a força afirmativa, positiva, ativa.

O cérebro que atua como principal suporte para a transformação da segunda força fundamental é a coluna espinhal. O cerebelo e todas as ligações com as terminações nervosas que percorrem a medula de nossa coluna. É ali que as forças negativas, receptivas ou passivas atuam no nível orgânico.

O cérebro que atua como principal suporte para a transformação da terceira força fundamental encontra-se no plexo solar. É responsável pelas funções de reconciliação , neutralização ou a força de relação. Este não é um centro específico. Está dividido em várias partes com funções específicas para cada uma delas. No entanto, suas localizações são próximas suficientes para considerar como o grande centro do plexo solar. Isso corresponde de maneira aproximada ao sistema nervoso simpático ou sistema neuro-hormonal. Em suma, é o centro responsável pela afeição e estado emocional.

A energia primordial chega até nós pela ingestão de nossos alimentos. Então é separada para o propósito de assimilação em seus constituintes básicos. De outra forma, recebemos os elementos ativos, passivos e neutros. Essas energias são então distribuídas entre os três níveis: o orgânico, emocional superior e intelectual superior.

Porém, a grande maioria da humanidade vive quase exclusivamente no nível orgânico. Isso ocorre pela falta de interconexão entre os centros e pela ausência de conexão entre o nível orgânico e os níveis superiores. Portanto, somente um pequeno reflexo de sua verdadeira vida emocional e intelectual lhe é disponível. 

Apenas sua parte orgânica, ou seja, seu corpo planetário (com seus níveis físico, emocional e mental) é capaz de receber a parcela da energia vital a que tem direito.

Logo, tudo é assimilado pelo centro motor, o centro instintivo e o nível inferior do centro sexual.  O resto da energia, correspondendo principalmente à força afirmativa e à força reconciliadora, é perdida.  Assim será  enquanto não se produz um esforço especial de presença que permite receber e assimilar tais energias. 

Quando aprendemos a receber e assimilar essas energias é que começamos a elaboração dos dois corpos superiores. 

A vida comum é mantida por seus quatro centros inferiores e  funções. Dessa forma, permanece dentro de uma ordem puramente planetária e não oferece nenhuma esperança de conduzi-lo além dela.  Sendo assim, o homem nada mais é do que um animal superior enquanto suas possibilidades de outra ordem permanecerem subdesenvolvidas.  Um animal superior, porém, ainda um animal. Um animal preso no nível planetário.

A única coisa que distingue o ser humano de um animal é a existência dessas possibilidades nele. Todavia, tal distinção somente existe se o atraso em seu desenvolvimento ainda não lhe atrofiou a ponto de não haver mais possibilidade de evolução. Em suma, os centros são como uma musculatura que precisa de alimentos e exercícios para se desenvolver.

Os centros utilizam uma energia que deriva da força vital universal e que corresponde à qualidade da “substância” de que são feitos. De outra maneira, deriva de sua frequência de vibração.  Todavia, os centros não estão conectados diretamente a esta fonte de energia. Os centros precisam receber os diferentes tipos de “alimentos” ou elementos que entram no organismo.  Esses elementos entrantes, referenciados em materialidade e qualidade, não podem ser utilizados diretamente. Porém, podem ser absorvidos, graças a um trabalho de assimilação peculiar a cada um deles. 

Assim participam do indivíduo para a manutenção e construção da correspondente “substância”.  O restante  passa pelo organismo sem impedimentos e, portanto, é eliminado.  De acordo com as idéias de Gurdjieff, esses “alimentos” são de três tipos: a comida comum com a qual estamos bastante familiarizados, a atmosfera que respiramos (da qual o ar é apenas o elemento mais concreto) e as impressões que recebemos.  

Partes desses elementos são absorvidas automaticamente por meio dos mecanismos que constituem o organismo. Isso é o que corresponde ao nível natural de desenvolvimento do homem. Ou seja, o desenvolvimento mecânico e automático. Contudo, uma parte totalmente diferente desses mesmos elementos torna-se assimilável somente quando o suporte das “substâncias” correspondentes, juntamente com os modos apropriados de “nutrição”, são desenvolvidos pelo trabalho em si mesmo.

Mas a quantidade específica de energia disponível para cada um dos centros em um determinado momento não é ilimitada. Somente temos acesso a reserva que conseguimos acumular.  Gurdjieff explica que temos reservatórios de energia e como isso pode ser usado. De acordo com essa descrição, tudo se passa como se existisse na máquina humana. Cada centro possui dois pequenos acumuladores para a energia funcional específica que ela utiliza.  Esses pequenos acumuladores estão conectados entre si e com o centro correspondente.  

Também existe no organismo um grande acumulador de energia vital, conectado com o ser, com o qual cada par de pequenos acumuladores está ligado.  Este grande acumulador é, em certo sentido, a reserva central de energia indiferenciada. É como um grande distribuidor que separa tudo em energias apropriadas de acordo com a necessidade de cada centro. Isso ocorre desde que seja alimentado corretamente. 

Quando um centro está funcionando – seja o centro intelectual, emocional, motor ou instintivo – ele extrai a energia de que precisa de um dos dois pequenos acumuladores.  Se esse trabalho continuar por tempo suficiente, a energia daquele acumulador finalmente se esgota. O trabalho fica mais lento e então se torna impossível.  Nesse momento, uma pausa, um breve descanso, às vezes um choque externo, ou um esforço adicional, possibilita uma conexão com o segundo pequeno acumulador.

O trabalho recomeça com nova energia e novas possibilidades, enquanto, entretanto, o primeiro acumulador é recarregado.  Se o trabalho continua, o segundo acumulador, por sua vez, se esgota: outra pausa, outro choque externo e a conexão com o primeiro acumulador é restabelecida.

Portanto, tudo depende da intensidade do trabalho e do ritmo do gasto de energia.  Se isso for medido corretamente e for adaptado ao ritmo da recarga pelo acumulador central, o trabalho começa novamente com as mesmas possibilidades de antes.  Se, por uma razão ou outra, a quantidade e o ritmo do gasto excedem os da recarga, a nova conexão é feita antes que a recarga termine. Com isso, o suprimento de energia se esgota mais rapidamente.  Um esgotamento segue o outro. Ao final, nenhum dos acumuladores tem mais energia para dar e o trabalho não pode continuar.  O homem se sente muito cansado e normalmente o trabalho tem que parar.

No entanto, em um caso de necessidade urgente e, desde que a importância do trabalho seja profundamente sentida, uma pessoa pode ir além desse cansaço e encontrar um novo suprimento de energia.  Isso acontece quando o centro é conectado ao grande acumulador.  O grande acumulador contém uma enorme quantidade de energia e, quando uma pessoa está conectada a ele, pode fazer esforços aparentemente sobre-humanos. 

Porém, se a demanda de energia for muito grande, ou seja, se o gasto for mais rápido e maior do que a recarga trazida pela comida, pelo ar e pelas impressões, o próprio grande acumulador se esgota e o organismo morre.  Mas isso acontece apenas em situações extremas. Afinal, para um organismo morrer de exaustão, seriam necessárias condições especiais.  Muito antes do perigo real disso acontecer, o organismo reage e por vários meios para de funcionar. A pessoa desmaia, adormece ou desenvolve alguma doença que o obriga a parar.

Na próxima semana continuaremos a explorar a relação dos centros, acumuladores e energia. No entanto, deixo a reflexão: será que minha máquina está regulada? Será que meus centros estão gastando mais do que precisam ? O quanto de emoções e pensamentos desnecessários eu tenho? O tanto que isso consome de minha energia ao fim do dia, semana, anos? E ao fim, tenho energia para fazer o que preciso ou foi tudo gasta pela máquina desregulada?

Uma ótima semana de estudos para todos vocês.

Lauro Borges

Esse artigo faz parte de uma série sobre trechos, notas e comentários sobre o livro Toward Awakening: An Approach to the Teaching Left By Gurdjieff” de Jean Vaysse.

4 comentários em “Centros, acumuladores e energia”

    • Sim. Faz parte dos exercícios. No entanto, a melhor maneira de economizar é parar de desperdiçar. Um dos 3 centros é sempre mais ativo que outro em nós. E esse centro acaba por atuar mais do que necessário. Excesso de pensamento, de emoção ou excesso de uso físico

      Responder
    • Pare de desperdiçar. Exemplo, tenho de fazer algo que não gosto. Enquanto não começo fico perdendo energia com diálogos internos. Energia é gasta e nenhum trabalho é feito. Não faço o que preciso e não aprendo nada. Só estou preso numa conversa interna que não leva a nada.

      Responder

Deixe uma resposta