Os centros e suas funções

Nossa personalidade pode ser entendida como um conjunto de interações entre os cinco centros de nossa máquina. Cabe a personalidade manter uma linha central e uma coesão de uma “história”. Afinal, é isso que nos fornece uma identidade. Você acorda e sua memória te lembra o que você fez e o que tem de fazer. Assim, você continua com raiva de alguém ou gostando de pudim. Não devemos descartar a grande utilidade de nossa personalidade. É o ponto mais concreto que conseguimos acessar. De certa maneira ela fornece de forma clara onde estamos, onde nos encontramos. Ela nos fornece um ponto importante de referência. 

Não me recordo de Gurdjieff usar o termo ego para descrever as funções da psique humana. Das vezes que ele usa o ego é para referir ao egoísmo. Ou seja, o ato de pensar no próprio umbigo como centro do universo. No entanto, ele utiliza o termo personalidade para referir sobre o que somos. Para ele existe uma falsa personalidade que é expressão do que nos foi imposto pela cultura e educação. Por outro lado existe uma personalidade verdadeira que nos fornece a expressão de nossa alma. Ou seja, expressa aquilo que somos de verdade. Isso não significa que tal personalidade por ser verdadeira não tenha dilemas. Ao contrário, possui muitos dilemas e questões a serem resolvidas.

De outra maneira, a falsa personalidade é somente a expressão caótica e sem coordenação dos centros de inteligência. Sua capacidade de integrar e coordenar os centros é somente o suficiente para nos manter vivos. Não há permanencia da vontade, atenção e autocrítica honesta.

Precisamos lembrar mais uma vez dos centros que compõem o ser humano. São eles: 

  1. centro mental responsável pelas funções de ideias e pensamentos
  2. centro emocional responsável pelas funções de emoção e sentimentos
  3. centro motor responsável pelas funções de mover, percepção espacial e funções externas do corpo
  4. centro instintivo responsável pelas funções de manutenção e regulação automáticas da vida orgânica e das funções internas ao corpo

O centro de número 5 está ligado ao centro sexual. Esse centro tanto nos liga às funções instintivas inferiores quanto às funções de participação e criação. 

Além desses cinco centros, devemos ainda citar os centros emocional e intelectual superior. O centro emocional superior conecta-se com o estado do ser presente em uma pessoa. Os sentimentos superiores são fruto do desenvolvimento das faculdades de auto-consciência, atenção e vontade. O centro intelectual superior expressa a razão objetiva. 

A falsa personalidade não tem a mínima condição de compreender a ação dos centros superiores. No entanto, é justamente nessa personalidade (nesse sentido de ser, nessa identificação do que sou) que nos encontramos. Assim, a possibilidade de evolução só é revelada por impulsos de consciência e pela intuição intelectual. 

No entanto, por mais que tenhamos a consciência objetiva como a grande meta, não podemos alcançá-la pelo simples esforço intelectual. Ela somente pode ser obtida através da conquista da autoconsciência. O intelecto e pensamento racional não podem nos levar à consciência objetiva, ou seja, ao Grande Conhecimento.

Os centros inferiores estão o tempo todo a mudar seus estados de presença. Ou seja, alternam-se entre sono, vigília e lampejos de autoconsciência. Suas ações são automáticas e praticamente escapam de nossa atenção. Normalmente podemos somente reter alguns fragmentos de informações sobre nós mesmos. A falsa personalidade está ali presente tentando manter coesa um emaranhado de desencontros e conflitos.

Dessa forma, passamos boa parte de nossa vida dormindo ou em estado de vigília. No estado de vigília, o centro intelectual pode ao menos estabelecer alguma coordenação entre os demais centros. E isso é ótimo, pois nos permite funcionar. Todavia, recebemos muitas informações incompletas, ilusórias, teorias erradas, deduções falhas e falsas conclusões. Contudo, não podemos simplesmente aceitar o que recebemos de informação como verdade. Nosso cérebro é uma caixa de ilusões.

Parece confuso mas não podemos acreditar em nós mesmos. Não em nossos pensamentos que estão presos nesse emaranhado de ilusões. Por fim, é justamente isso que nos impede de perceber os raros momentos que encontramos nosso estado de autoconsciência. De outra maneira, a consciência e a qualidade da informação que recebemos das funções estão ligadas a qualidade de nossa presença.

Porém, funções podem existir sem presença e presença pode existir sem as funções. Não é difícil perceber que funções podem existir sem presença. Basta notar que respiramos e não estamos prestando atenção. Contudo, o estado de presença, sem função, somente pode ser atingido com esforço e longo treinamento.

O fato é que não é fácil observar a ação dos centros. No entanto, podemos observar mais facilmente suas funções. Então, o estudo de si deve começar justamente por observar como nossas funções respondem às demandas da vida. Ou seja, é muito mais fácil observar como as funções de pensamento, emoção e como o corpo reage internamente e externamente do que observar os centros em si. Os centros vão se revelando à medida que nosso autoconhecimento aprofunda.

O centro motor, instintivo e sexual formam uma interligação entre si. Assim, podemos simplificar a ação dos cinco centros em três funções: pensamento, emoção e instinto. Com isso temos os “três cérebros” que se conectam com as três grandes forças criativas do universo. E é por isso que temos a possibilidade de evoluir. 

É mais difícil notar de onde saiu o pensamento, a emoção ou a ação instintiva. Assim como é difícil separar completamente uma função da outra. Mas isso não é o mais relevante inicialmente. O que mais interessa é capturar essas associações. Tais associações de pensamento-emoção-reação instinto revelam a nossa mecanicidade e a incapacidade de ser livre para agir. Ao mesmo tempo, são esses choques de realidade que nos impulsionam para a evolução. Afinal, a nossa verdade interior é revelada. Sem ilusões e fantasias.

Mais uma vez reforço a necessidade de que o auto estudo seja realizado sem julgamentos e dentro do correto entendimento do trabalho. Tudo tem o seu tempo. Devemos ter paciência e compreender que não temos controle sobre o processo além de fazer a nossa própria parte. Paciência, perseverança, não julgamento, fé, esperança e compaixão são virtudes que precisam ser cultivadas ao longo do processo.

Na semana que vem continuamos o estudo sobre os centros e suas funções

Uma ótima semana de estudos para vocês

Lauro Borges

Esse é o quinto artigo de uma nova série sobre trechos, notas e comentários sobre o livro Toward Awakening: An Approach to the Teaching Left By Gurdjieff” de Jean Vaysse.

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