Consciência Objetiva e autoconsciência – o objetivo da consciência

Chegamos finalmente ao estado de autoconsciência após termos explorado os estágios do sono e da vigília. O estado de autoconsciência é um estado objetivo para consigo mesmo. Em outras palavras, é um estado onde não mais confundimos os nossos sonhos com a realidade. A questão é o quanto conseguimos nos ater a este estado. Afinal, não é fácil se ater a realidade do que somos sem cair em julgamentos morais e emocionais sobre o que deveria ser ou o que deveríamos ter feito. No entanto, o estado de autoconsciência nos fornece o material objetivo sobre onde realmente nos encontramos. Somente assim podemos realizar o esforço objetivo da transformação verdadeira.

Autoconsciência e transformação

Nesse caso, autoconsciência não pode ser entendida como um simples conhecer a si. Na verdade, é sobre conhecer a si como você realmente é. Afinal, o conhecer a si vem antes de transformar a si. Logo, conhecer a si é saber o quanto e quando está preso em ilusões, sonhos, fantasias, melodramas, histórias repetitivas de um passado ou de imaginações. Também é entender quando não está nesse estado e sim diante de sua realidade verdadeira. 

No entanto, a enorme maioria das pessoas confundem o estado de autoconhecimento com o estado de identificação de seu centro emocional. O estado de identificação nos diz o que gostamos e o que não gostamos. De outro modo, o estado de autoconhecimento informa sobre isso de maneira não identificada. Então, isso não quer dizer que o que gostamos (ou desgostamos) não tenha valor emocional. Porém, o que nos desvia do caminho é quando estamos tão identificados com essas realidades internas que esquecemos de validar se tais realidades são verdadeiras dentro de um contexto maior.

O segundo corpo – o corpo autoconsciente

Portanto, esse estado é relacionado as verdadeiras possibilidades de crescimento psicológico e espiritual. E é nesse estado que se torna possível criar um suporte a transformação. Esse suporte é o que Gurdjieff chama de segundo corpo. Este corpo serve de suporte para as percepções e manifestações que são peculiares a este nível de vida. Assim como para as funções que lhe são únicas como o autêntico “sentimento de si mesmo”. Contudo, é impossível conseguir manter um contato permanente com esse estado sem um trabalho contínuo e uso de algumas técnicas. Somente assim se faz possível o contato prolongado com o centro emocional superior e com o correto estabelecimento das relações entre os demais centros inferiores e suas funções.

Ainda devemos adicionar outras três qualidades pertencentes a este estado: a autoconsciência permanente, atenção livre e vontade independente. É justamente a combinação dessas três qualidades que cria uma presença permanente de si. Além disso, é essa sensação que confere o estado de individualidade a uma pessoa. Ao mesmo tempo, fornece um diferente senso de responsabilidade para com si e para com o mundo. Algo impossível de se ater antes de obter sua própria individualidade. 

autoconsciência e explicando o inexplicável

Porém, esse é um estado onde nenhuma palavra ou explicação fornece uma descrição correta. Mesmo assim, há duas maneiras de se aproximar desse estado. A primeira maneira de entrar em contato com esse estado é pelo fruto de acidentes da vida. Recebemos “choques de realidade” que acontecem em determinados momentos de emergência, perigo ou grande perda. Um exemplo é quando um filho nasce, descobrimos que temos uma doença séria ou perdemos alguém que amamos muito.

A segunda maneira de entrar em contato com esse estado é quando ganhamos consciência de nosso estado interior. Isso acontece quando ganhamos alguns momentos de consciência intuída por uma necessidade de responder a uma grande questão da vida. Portanto, precisamos responder com o melhor de nosso conhecimento, entendimento e crença ao invés de responder a situações automaticamente por ideias morais adquiridas pela educação. É nesse estado que podemos sentir de forma imediata e completa tudo aquilo que é possível ser sentido. De outra forma, os amortecedores psicológicos que nos impedem de ver todo o conflito e dualidade interior são imediatamente retirados. Porém, ao invés de sucumbir a um conflito de dualidade, simplesmente entendemos e movemos para uma resolução. Ao fim, tudo é sobre a capacidade de ver o que se apresenta sem julgar emocionalmente e intelectualmente o que se vê.

É quando conseguimos realizar tal proeza que nos aproximamos da consciência objetiva. Isso é, uma consciência que não é “subjetiva”. Em outras palavras, não está a mudar o tempo todo fruto da conveniência das circunstâncias. Isso também não deve ser entendido como uma rigidez moral. Ao contrário, a consciência desse tipo traz serenidade para quem atingiu a unidade interna e se livrou das contradições internas. Ao mesmo tempo, isso traz sofrimento para aquele que tais contradições ainda existem. 

O remorso objetivo da consciência 

O que vem à luz pela consciência torna-se “remorso objetivo da consciência”.  Contudo, essa pode ser uma experiência insuportável se concedida repentinamente a uma pessoa comum. Uma pessoa totalmente feita de contradições. Assim, os amortecedores psicológicos possuem a função de reduzir esses choques e impedir um colapso psicológico entre duas forças em colisão. Então, não devemos tentar criar uma transformação interior mais rápida do que somos capazes de absorver. Devemos ter consciência de que o trabalho é longo e exige esforço contínuo para que a nossa vida se acostume a existir sem a necessidade de muitos amortecedores psicológicos. 

Quanto menos precisarmos desses amortecedores, maior a liberdade de uma pessoa em viver sua individualidade. Ao mesmo tempo, também haverá maior responsabilidade pelos seus atos. Afinal, um erro cai diretamente sobre o remorso de consciência. Em suma, fica cada vez mais difícil colocar a culpa nos outros ou em situações por seus próprios erros.

O último estágio da consciência.

O estado de consciência objetiva, ou quarto estado de consciência, é o último e mais avançado de todos os estados. Não adianta falar muito sobre esse estado, pois, se já é difícil descrever o terceiro estado fica impossível para o quarto estado. Todavia, é o estado onde o número de amortecedores é praticamente inexistente. Assim, uma pessoa pode ver o seu mundo interior e seu mundo exterior sem a necessidade de amortecedores. De outra forma, é uma experiência em que a “sensação de si” se move em direção a verdade. Portanto, sua experiência pessoal se junta ao objetivo do grande conhecimento universal. 

Não sabemos nada sobre o quarto estado. A única abordagem disponível para nós é pelo contato com a “intuição intelectual superior” em alguns momentos. Somente quem atingiu o terceiro estado de consciência pode ter alguns lampejos de entendimento sobre o quarto estado. Outra forma de vivenciar esse estado é pela condução de um mestre. Por vezes só a presença de tal mestre (ou mestra) já permite que um aluno vivencie essa possibilidade. Também é possível perceber tal estado através do uso de algumas drogas. 

Todavia, ambos os métodos são atalhos perigosos para a grande maioria das pessoas que não estão preparadas. Muita luz pode cegar quem não está preparado. Além do mais, existe um grande risco de se criar a dependência de repetir esses estados. O que afinal cria dependência a substância ou ao mestre. Portanto, o caminho mais seguro é sempre o mais longo. Dando um passo de cada vez.

Uma ótima semana de estudos para todos vocês.

Lauro Borges

Esse é o quarto artigo de uma nova série sobre trechos, notas e comentários sobre o livro Toward Awakening: An Approach to the Teaching Left By Gurdjieff” de Jean Vaysse.

4 comentários em “Consciência Objetiva e autoconsciência – o objetivo da consciência”

  1. Sera que pessoas que desenvolvem doenças psiquiátricas ao longo da vida, sem ter já nascido assim, podem ter tido lampejos de consciência e não conseguiu lidar pela falta de preparo e “enlouqueceu”? (Usando uma terminologia mais popular)

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    • Sim, isso pode acontecer. É uma frase antiga que se a luz divina fosse revelada estantâneamente ficariamos loucos. Gurdjieff diz que os amortecedores psicológicos não podem ser removidos de uma vez. Jung dizia que os sonhos trazem os conteúdos de forma controlada a medida que conseguimos ver e lidar com as situações

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    • É um bom exercício ir no hospital psiquiátrico ou falar com mendigos meio loucos de forma segura é claro

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  2. Eu acho engraçado quando leio sobre gente que já evoluiu porque não entendo nada. Mas eu tenho um alívio poxa alguém conseguiu vamos lá. Da minha parte observo meu antes e depois vou mudando para melhor sempre. Entretanto não parece muito com nada que leio mas a gente não vai deixar de ler e estudar porque como diz G. Não se deve perder a fé a esperança e inocência. Com vontade inquebrável a gente consegue sim. Vamos lá ?

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