Kundabuffer, Kundalini e ilusão.

A energia da Kundalini tem sido algo erroneamente interpretado por muitos praticantes espirituais. Torna-se mais perigoso ainda utilizá-la erroneamente em suas práticas. Mas então, o quê é esta energia da kundalini? Qual o entendimento que Gurdjieff traz sobre o uso desta energia? Para entender alguns destes conceitos é necessário também entender um pouco mais da cosmologia de Gurdjieff.

Assim é em baixo como é acima

Somos todos um reflexo da grandeza do Criador em menor escala. Sei que isto não pode ser verdadeiramente comprovado. No entanto, podemos usar esta história como um mito que nos conduz por uma possível experimentação. Para tanto, vamos explorar a cosmologia de Gurdjieff assim como ele descreve em seu livro Relatos de Belzebu para seu neto (Belzebub tales to his grandson em inglês. Referenciarei daqui para frente como BTGS como é feito pelos círculos de estudos de Gurdjieff).

Começamos assumindo que o Criador dos Mundos é perfeito. É assim perfeito tanto em Sua bondade quanto em Sua sabedoria. Isto é algo dito em uma larga escala de tradições. É um mito tão forte e tão velho que certamente está enraizado em nossa cultura e crenças. Assim também representado como Arquétipo do ponto 9 no Eneagrama. É o agir certo, conforme a compaixão infinita do Criador. É um ponto único que fecha um círculo percorrendo uma figura simetricamente espelhada. Logo, este é o ponto de dobradura do lado esquerdo e do lado direito do Eneagrama. Força 3 neutralizante presente entre estes dois processos.

Eneagrama
O Ponto 9 é um ponto central de simetria do Enegrama, representando hamonia e neutralidade

No entanto, não somos o Criador. Enfim, somos uma cópia com certas características, porém, longe de possuir Sua grandeza. Porém, desta crença nasce uma ilusão primordial de que sabemos quem somos, que já temos um eu, que já estamos prontos, estamos realizados e não há mais o que precisa ser feito. Afinal, se sentimos completos na harmonia divina, nada nos falta. Em outras palavras, perfeição é ser completo, sem imperfeições, por assim feito – “per feito”.

Não há nada a ser feito em algo per-feito

Esta ilusão é a raiz fundamental de todo o sonambulismo da humanidade. Assim, a humanidade confunde seu potencial, sua essência, com o que é de verdade. Logo acredita que ” já é”, e, adormece em sono profundo. Por consequência, tem preguiça de tornar-se, de despertar e vir a ser o que já sabe que tem como potência, no entanto, não o é. Em suma, a ilusão surge ocultando o que somos, fingindo que “já somos”. Logo, impede de que o ser humano veja o que ele verdadeiramente é e onde se encaixa nesta escala cosmológica.

Dessa forma, torna Importante entender esse arquétipo do ponto 9. Afinal, todos os demais comportamentos da humanidade são derivações desta ilusão.  Este é o arquétipo fundamental. ”  Adam Kadmon, o homem primordial que vive no paraíso. “O homem celestial, como a imagem perfeita do Logos, não é nem homem nem mulher, mas uma inteligência incorpórea puramente uma ideia. Enquanto o homem terreno, que foi criado por Deus mais tarde, é perceptível aos sentidos e participa das qualidades terrenas.”(Wiki)

Adam Kadmon, o homem primordial, perfeito e integrado em Deus
Adam Kadmon Diagrama ilustrado das Sefirot (Atributos Divinos).(De Ginsburg)

No entanto, o Criador também fez um homem de barro, que vive e sofre em um mundo orgânico e animal. Um homem ( entenda homem aqui como mulher também) que morre e vê seus entes queridos morrerem. Este ser, como vida orgânica, só tem uma função: transformar a energia da Terra para a Lua e sua filha. Sim, a Lua tem uma filha. Ser um elo de ligação energética no confins do universo criado para cumprir uma função cósmica. Somos o choque na oitava que faz o elo entre o Criador, o Sol e a filha da Lua (Anulios).

Diagrama da criação da Cosmologia de Gurdjieff

Na cosmologia de Gurdjieff, a lembrança prematura da presença de Adam Kadmon em Adão de barro, carne e sangue,  foi um acidente que quase causou a destruição do universo. 

“então poderia acontecer que eles entendessem prematuramente a causa real de seu surgimento e existência e causassem muitos problemas;  pode acontecer que, tendo compreendido a razão de seu surgimento, a saber, que por sua existência eles deveriam manter os fragmentos separados de seu planeta, e estando convencidos disso sua escravidão a circunstâncias totalmente estranhas a eles, eles protestariam contra a continuação de sua existência e  destruir-se por princípio.  “Então, meu rapaz, em vista disso o Altíssimo Comissário decidiu então, entre outras coisas, provisoriamente introjetar nos seres de três cérebros de tal propriedade especial que, em primeiro lugar, eles poderiam perceber a realidade de cabeça para baixo e, em segundo lugar, que cada repetição  a impressão de fora deve ser um fator contribuinte para evocar neles sensações de “prazer” e “satisfação”.

Gurdjieff – BTGS

Kundabuffer e a kundalini

Deixe-me explicar o que Gurdjieff diz sobre isto em seu livro. Para corrigir este erro evolucionário, foi necessário incluir no ser humano um órgão chamado kundabuffer ( Kundalini e amortecedores). Assim tais “amortecedores de desconforto” não mais permitem ver quem somos. Desta forma, não mais vemos nossas incoerências. Por outro lado, deveríamos agir pelo centro certo, falar o que sentimos, agir o que sentimos, pensar o que sentimos. Assim, não há incoerência. Neste sentido, toda dualidade e choques relacionados ao conflito da dualidade devem ser forçosamente elaborados dentro do Ser. Sem a presença do Kundabuffer não havia escolha em não trabalhar seu Ser interior. No entanto, a consequência disso é que o ser humano evolui.

E por evoluir muito rápido, pode não compreender sua responsabilidade cósmica. E assim não cumprir seu papel junto a vida orgânica. Em outras palavras, isto poderia levar a uma “evasão massiva”. Por outro lado isto quebraria a cadeia de transformação energética entre o Absoluto e a filha de nossa Lua. Desta forma, não só o Sistema Solar estaria em risco, mas toda a criação.

Kundalini, a serpente enrolada que sobre da terra até os céus

Então, o órgão Kundabuffer foi posto para corrigir este erro. No entanto, por piedade de um grande arcanjo foi mais tarde removido. Todavia, a lembrança da presença deste órgão ainda está ativa na memória do ser humano. Juntamente com a remoção deste órgão, foi dado ao ser humano uma possibilidade de saída de seu destino fatal. Tal saída é pelo trabalho interior. A execução do trabalho interior gera o pagamento apropriado às Leis da transformação e manutenção. Entretanto, este pagamento é feito pelo esforço e sofrimento voluntário. Somente assim o fluxo de energia pode ser mantido. 

Kundalini e a ilusão

O termo Kundabuffer é usado por Belzebu em seus Contos para se referir a um órgão colocado nos homens. Na base de suas espinhas, pelo Arcanjo Loosisos.  A função do órgão é impedir que os homens vejam a realidade de sua situação. As Leis da manutenção do Universo temiam que o ser humano soubesse o que ele é: Parte da vida orgânica na Terra. Ou seja, seu único propósito é alimentar a Lua. Contudo isto poderia levar um extermínio voluntário. 

Desta forma, o Kundabuffer permite aos seres ver a realidade de cabeça para baixo e colocar a satisfação de seu próprio prazer antes de tudo.  Seus efeitos continuam a se manifestar, embora o órgão tenha sido removido. Desta forma, os homens não podem aperfeiçoar seu ser. Isto porque a ilusão tomou conta da realidade. Neste sentido, a remoção do órgão Kundabuffer não eliminou os danos causados pela sua introdução.

lady in mirror skull | All is vanity, Illusions, Optical illusions
Não confie em ninguém, é tudo ilusão – Vaidades

A palavra parece combinar as funções de buffers(amortecedor em inglês) e kundalini, conforme definido por Gurdjieff.  Da mesma forma, na literatura ocultista ‘Kundalini’ é erroneamente definido como uma força sexual. Contudo, Kundalini é na verdade a força da imaginação. Além disso, pode atuar em qualquer centro para substituir a função real.  Acima de tudo, é o resultado de uma sugestão hipnótica, permitindo que a pessoa sonhe que está acordada (Wellbeloved).

Kundalini e os restos do orgão Kundabuffer

Como dito, a retirada do órgão kundabuffer não foi suficiente para eliminar seus restos. Porém, a atividade do trabalho interior é o que permite o desenvolvimento amplo da psicologia humana. Realizando o entendimento do Ser, promovendo o desenvolvimento justo e correto. No entanto, ainda estamos influenciados pela lei da transformação. Igualmente, tudo tende ao caos e dissolução. Com isto, de tempos em tempos, a humanidade degrada o entendimento acumulado sobre a sua realidade e a necessidade de trabalhar sobre si. Por consequência, vemos o deterioramento das sociedades e do trabalho interior. Grandes sociedades sucumbem ao peso de suas ilusões.

Da mesma forma, as pessoas que se dispõem a trabalhar sobre si, perdem suas intenções. Logo, deixam de estar em uma linha reta no caminho e passam a divagar, a se perder no caminho. Por outro lado, o fenômeno de dissolução leva também a novas criações. Leva a criação da diversidade cultural. E a consequência é que o trabalho Esotérico forçosamente se adapta. Ao passo que cria novas linguagens, para poder comunicar com aqueles que buscam a verdade.

Kundalini, energia, ilusão e mitos

Deixo a vocês como interpretar o arquétipo desta cosmologia. Pode ser que seja simplesmente uma invenção mitológica objetivando convencer sobre a necessidade de progresso moral. No entanto, pode ser um reflexo de uma realidade objetiva. Reflexo relacionado a jornada de nossa alma. Assim, cabe ao leitor ponderar e buscar seu entendimento. Talvez ambas realidades existam.

A Criação de Adão de Michelangelo | Tela para Quadro na Santhatela
Ai que preguiça de levantar esse dedo…

Igualmente, é fato que não podemos abarcar toda a realidade absoluta em nossa cognição. Nesse sentido, é necessário ter símbolos, mitos, alegorias e ritos que façam a intermediação entre o Absoluto incogitável e nossa capacidade de compreensão da realidade. Além disso, este meio faz o papel da força neutra, harmonizador, se nos colocamos passivos. Assim, recebemos do Absoluto sua força ativa. Este é o limite da mente humana. Somos tríade. Não podemos alçar mais que o entendimento triuno. Então, se isto é pura verdade ou um meio de nós levar a verdade, cabe ao buscador interpretar dentro de suas capacidades e coragem em explorar os limites da consciência humana.

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