O companheirismo em um grupo de trabalho interior

Nós seres humanos somos seres sociais por natureza. Somos mamíferos e similares aos primatas. Gostando ou não precisamos do “bando”. O bando nos dá proteção, compartilha tarefas que permitem realizar obras fantásticas e complexas. O trabalho em equipe permitiu construir pirâmides, caçar animais mais fortes que o homem. Também é no bando que novas famílias são criadas.

No entanto, a medida que evoluímos nossa história humana, também evoluímos a complexidade de nossa psique. Porém, certos sentimentos básicos de acolhimento por um bando são funções psíquicas muito antigas e praticamente imutáveis.

Afinidade e união

Desta forma, o ser humano dito moderno continua criando novos laços de amizade. Estes laços partem do interesse comum do grupo. Por exemplo, a pessoa gosta de ler e busca um grupo de leitura. Outro gosta de andar de bicicleta e busca um grupo de pedal. Então, as pessoas formam grupos sempre de acordo com o interesse pessoal e afinidade a algum objetivo comum ao grupo.

O grupo vai perdendo ou ganhando força a medida em que enfraquece ou reforça o interesse comum. Sem esse interesse comum não há necessidade de existir o grupo.

Assim, vamos criando vários grupos para atender as nossas várias necessidades. Alguns grupos como os familiares são muito complexos porque formam laços de sangue. Gerar e criar filhos exige muita energia. Logo, a relação social desse grupo não pode ser algo fácil de romper. Então, violações de determinadas regras do grupo familiar são condenadas praticamente por unanimidade em todas as culturas. Desta forma, o arquétipo do bom pai e da amorosa mãe é algo universal. Assim como a disputa entre irmãos muito conhecida pela representação de Abel e Caim.

Grupos, liderança e poder

Devemos também sempre ter em mente que somos animais hierárquicos. Organizações complexas exigem liderança e submissão. Submissão aqui significa aceitar as regras, objetivos comuns e opiniões. Então, estamos falando de uma submissão voluntária e não de uma submissão impositiva. Estruturas hierárquicas podem ser muito rígidas e verticais, ou, podem ser leves e horizontais. No entanto, sempre vão existir regras explícitas e implícitas. Porém, devemos ter em mente que regras e hierarquia devem ser somente necessárias para poder realizar os objetivos do grupo.

É necessário sempre manter a vigilância de não deixar que egos inflados tornem o grupo um local de demonstração de poder e influência sobre outros.

Grupos de desenvolvimento pessoal

É muito comum uma pessoa não encontrar acolhimento para seu desenvolvimento psíquico e espiritual dentro de sua família. É mais comum que parceiros não percorram a mesma trajetória de desenvolvimento pessoal. Disso tudo surge a imagem da ´´`”ovelha negra” da família. Aquela pessoa que não se encaixa dentro do padrão familiar. Que necessita buscar conhecimento e acolhimento em outros círculos, em outros grupos. Isso tudo pode trazer uma certa frustração devido a uma necessidade de compartilhar nossa jornada com quem gostamos. A medida que vamos evoluindo em um conhecimento Interior, vamos fazendo descobertas e descobrindo curas para antigas feridas. É normal que se queira dividir esses bons sentimentos. Querer desejar que as pessoas de nossa família também tenham tais experiências. Afinal, não é fácil se afastar do bando e procurar seu próprio caminho.

Assim, um grupo de desenvolvimento pessoal faz as vezes de uma nova família. O grupo é importante não só para esse acolhimento emocional, mas, também para poder ajudar a compartilhar o que vivenciamos. Este compartilhar também é importante como uma verificação lateral. Uma maneira de validar se o que estamos experimentando é algo verdadeiro ou somente mais ilusões de nossa mente.

trabalhar para você, trabalhar para os outros e trabalhar para o Trabalho

No trabalho interior se diz que existem três linhas a serem percorridas. A primeira linha é aprender a aplicar o que aprendemos no Trabalho em si. É trabalhar sobre si. A segunda linha de trabalho é aprender a trabalhar com e para os outros. É sobre criar conexões com quem também está sob as influências do Trabalho, ou seja, que também está trabalhando sobre si. A terceira linha de trabalho é trabalhar para o Trabalho, ou seja, tornar-se um veículo da vontade do Trabalho.

A relação entre as pessoas em um grupo de trabalho não deve ser a mesma de outros grupos sociais. Isso porque os outros se tornam nossos espelhos, aprendizes e mestres. Como espelhos os outros nos mostram nossas boas e más qualidades. Os outros, quando se colocam como aprendizes, fazem de você mestre que lhes ensina algo. Dessa forma, quando aprendemos algo com os outros, fazemos deles nossos mestres. O objetivo do grupo é permitir essa imensa troca. No entanto, se faz necessário entender a transição entre a primeira linha de trabalho (trabalho sobre si) e a segunda linha de tralho (trabalho com os outros).

Se uma pessoa somente trabalha sobre si, sozinha, sem a presença de um grupo, corre o grande risco de aumentar seu “auto-amor” e vaidade. Por isso conectar-se com os outros significa também abrir mão de seus julgamentos e amortecedores”. Como eu coloquei no início do texto, a tendência humana animal é sempre buscar afinidades. Assim, a pessoa busca conectar-se somente com outros que pensam igual a ele, possui o mesmos “amortecedores” e que tenha sua aprovação. Isso não força ninguém a transformar. Para transformar devemos desafiar nosso próprio status quo. Isto é feito a partir do contraste de nossas percepções de mundo. Essa é a força que percisamos para gerar o atrito interior necessário para derrubar nossos amortecedores psicológicos.

A egrégora do trabalho em grupo

Aquelas pessoas que temos de trabalhar juntas e que não gostamos inicialmente são as pessoas que passamos a gostar posteriormente. Porém, isso ´só acontece se ambos possuem o Trabalho interior como força de união, como força de interesse mútuo. Dessa forma, pela disciplina e valorização dos sentimentos pelo Trabalho, obtém-se um alargamento de nossa visão sobre a vida. É como se nossos acumuladores de energias ligadas ao Trabalho crescessem a medida que vamos vencendo nossa mecânicidade. O grupo tem essa capacidade de criar sua própria identidade e seu próprio acumulador. Algumas tradições chamam isso de egrégora.

O processo de desenvolvimento pessoal tem seus altos e baixos. Um grupo funciona de maneira a motivar e energizar quando estamos em “baixa”. Estar em baixa é quando estamos identificados com nossos pequenos “eus” e temos dificuldade de se conectar com o Trabalho. Quando estamos em “alta”, temos a chance de colaborar com o grupo, ajudando outros e, desta forma, atuar como veículo da terceira linha de trabalho (trabalhar para o trabalho).

Fácil é entender a dor dos outros…

Maurice Nicoll diz em seus comentários: “Então você vai entender por que se diz que a vida é uma força disruptiva e que o Trabalho é uma força unificadora.
Em relação à segunda linha de Trabalho (relacionar com outras pessoas), devemos lembrar que o Trabalho nos ensina que somos mecânicos. O que isso significa
que uma pessoa é mecânica? Isso significa que ele ou ela sempre atua em
a única maneira pela qual ele ou ela pode agir em um determinado momento. Nós
pensamos que as pessoas fazem coisas intencionalmente. Porém, não conseguimos ver que as pessoas fazem as coisas mecanicamente.

Uma pessoa, por exemplo, que diz uma mentira sob certas circunstâncias, não está fazendo isso deliberadamente, mas mecanicamente. Ou seja, sua máquina sempre em tal momento atua dessa forma, isto é, conta uma mentira. Naturalmente, odiamos pensar que somos máquinas. Temos a ilusão de que estamos sempre fazendo coisas conscientemente, deliberadamente, intencionalmente. Este não é o caso. Tudo o que dizemos, como nos comportamos, tudo o que pensamos,
tudo o que sentimos é mecânico.

G. disse uma vez: “Vocês são todos diferentes tipos de máquinas – algumas são máquinas de escrever, algumas são máquinas de costura, alguns são máquinas de moer, e assim por diante. “Esta visão da natureza humana é desagradável e, no entanto, é uma verdade.”

…Mas entender a minha dor é diferente

Quando entendemos que somos seres mecânicos, dominados por necessidades biológicas, seguindo nossa programação pré concebida na infância, podemos começar a entender que a dor do outro não é em nada diferente da nossa própria dor. Claro que alguns tiveram uma má sorte ou eventos mais impactantes que outros. Porém, no tocante de nossos grandes dilemas e problemas, somos muito mais parecidos que diferentes.

O fato do grupo ser composto por pessoas que pelo menos buscam entender tal conceito é o que faz a diferença. Se você tentar dizer para sua família que eles são seres mecânicos, você não será compreendido. Da mesma forma, se você for excessivamente transparente com seus colegas de academia, você também não será compreendido. Um grupo de pessoas que trabalham sobre si vão compreender você, pois, eles compreendem isso neles mesmo.

Enfim, um bom grupo terá as certas qualidades como:

  • ser composto por pessoas que trabalham sobre si,
  • compreendem suas próprias dificuldades,
  • esforçam para compreender e tolerar o outro,
  • entendem o quão é difícil se expressar e se fazer entender
  • possuem o mútuo interesse em receber ajuda e em ajudar o ´próximo em sua jornada

Ainda nas palavras de Maurice Nicoll “não precisamos ser uma máquina se procuramos despertar do sono e da humanidade adormecida. Isso me interessou porque ´é uma reconciliação do conhecimento científico e das ideias espirituais sobre o Ser Humano . O Ser Humano é uma máquina, mas pode se tornar
algo além disso, se seguir o ensinamento vindo daqueles que não são máquinas. Isto é, seguindo o ensinamento vindo do Círculo Consciente da Humanidade. Assim, o aparente paradoxo é reconciliado e se torna um pensamento harmonioso em vez de um pensamento contraditório sobre os opostos. Se você disser: “Fulano é um máquina? “Vou responder-lhe:” A que homem se refere? ” seja um homem mecânico, ou um homem começando a despertar, ou mesmo um homem consciente. Se ele é um homem mecânico, ele é uma máquina. Se ele é um homem consciente, ele não é uma máquina porque se elevou acima de sua mecanicidade
e está em um nível superior.”

Estando em um grupo e o mundo exterior

O fato de pertencer a um grupo que permite expor sua mecanicidade, suas falhas e seus problemas é algo muito importante. É uma maneira de baixar a guarda e perceber o que realmente somos. Porém, devemos respeitar o mundo exterior do grupo. Não devemos julgar ou sentir superioridade em relação a quem não pertence a um grupo. O objetivo do grupo é crescer e elevar a consciência humana, em busca de suas qualidades superiores.

Dessa forma, o sentimento de hulmidade é sempre o mais importante dos sentimentos a serem trabalhados. A lembrança deve ser constante de que não importa o quanto já nos observamos e trabalhamos sobre si. Ainda estaremos sempre em uma longa jornada de aprendizagem. Não há razão em achar que as pessoas que não se dispõem em trabalhar sobre si são inferiores, superiores, maiores ou menores do que você. Por isso, dois conceitos são importantes. Primeiro que o grupo não pode escravizar seus membros. Cada um deve ter total liberdade de ir e vir, de participar livremente, de acordo com seu tempo e vontade. O segundo conceito é o do sofrimento voluntário. Quem escolhe trabalhar sobre si está escolhendo sofrer voluntariamente. Entender o conceito do sofrimento voluntário não é fácil. Necessita muito tempo de trabalho interior para realmente compreender esse conceito. No entanto, cada um deve se esforçar diariamente para compreender isso. O entendimento desse conceito está ligado diretamente a terceira linha de trabalho, ou seja, trabalhar para o Trabalho. No entanto, deixarei para aprofundar nesse conceito em outra oportunidade

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