O aluno, o professor, o grupo e as escolas iniciáticas

Quando pensamos em desenvolvimento pessoal, não devemos pensar que isso é algo muito distinto de qualquer desenvolvimento de habilidades humanas. Como quando queremos aprender a tocar um instrumento, aprender uma nova língua ou se tornar um profissional em uma área de atuação. Assim, devemos compreender quais os elementos que fazem parte dessa equação: O aluno, o professo, o grupo, o ambiente e a matéria a ser estudada.

Em raras condições haverá um alinhamento perfeito entre todos esses elementos. Contudo, quando tal alinhamento ocorre, uma nova escola de sabedoria costuma surgir. Sozinho, cada um desses elementos pode pouco fazer. Juntos, esses elementos criam condições suficiente para vencer a mecanicidade dos hábitos e expressar novas realidades. Assim, podemos dizer que há dois tipos de grupos. O primeiro tenta manter a tradição o mais fiel possível a ensinada. Outro grupo explora essa tradição para além da ensinada, criando novas formas de expressão.

Cada elemento tem seu papel. Como se fosse um certo ingrediente químico para a elaboração de uma nova substância. Separadamente cada um representa um potencial, porém, limitado. Quando combinados em determinadas proporções, esses elementos criam algo além de seus próprios potenciais. Outra maneira de ver esses papeis é através dos arquétipos.

O aluno

O aluno representa vários arquétipos. A primeira condição de um aluno começa como neófito. Essa palavra tem o significado de uma pessoa que está em preparação para uma iniciação em uma profissão ou fé. Assim, todo aluno é em si um neófito. Alguém que está iniciando algo, um aprendiz de qualquer ofício, um novato, um principiante. É aquele que está em um local pela primeira vez. Dessa maneira, isso exige que o aluno se prepare para reconhecer sua condição. E qual é essa condição? A de que não domina o conhecimento que busca e por isso se coloca como um aluno.

Aqui já entra um dos grandes problemas identificados por Gurdjieff em relação ao desenvolvimento pessoal. O problema de que a grande maioria das pessoas já acreditam ter o que procuram interiormente. Assim, se o aluno busca um grupo para desenvolvimento do ser e já acredita que possui todas as faculdades que procura, esse aluno não se põe na condição humilde de neófito. Dessa maneira, não há nada para ensinar a tal pessoa. Ela já entra “sabendo” e logo irá querer corrigir tudo que vê exteriormente. Conduzirá tudo que lhe é dito da mesma maneira que conduz sua vida exterior. Cheia de si e de razão.

Todavia, em uma segunda educação para pessoas adultas, não se espera uma atitude ingênua e ignorante. Porém, é esperado que essa pessoa reconheça ao menos sua miséria interior que lhe direcionou a buscar ajuda. Contudo, também há outro aspecto relacionado ao arquétipo do neófito. É o arquétipo da pureza e inocência virginal. As grandes escolas de tradição iniciáticas reconhecem que todo pecado (ou seja, todo erro) é fruto da ignorância e não de uma mácula da essência de alguém. Pode ocorrer em alguns casos que esse aluno não enxerga em si essa pureza. Ao contrário, esse(a) pode ver justamente o oposto disso tudo. Mas isso é somente uma perspectiva de quem está identificado com uma vida exterior e por algum motivo percebeu certos aspectos sobre si que muito lhe desagrada.

Posteriormente o aluno se torna o aprendiz, o discípulo, o estudante. Todos são sinônimos, apesar de que as palavras invocam sentimentos e imagens diferentes em nossa mente. A condição de aluno não termina enquanto uma pessoa se dispõe a aprender mais e a se desenvolver mais. Assim como que na vida uma pessoa começa sendo aluno do pré primário, passa pela escola básica e fundamental, pode ir a um ensino superior, tornar-se mestre, doutor e pós doutor. Mas isso são somente títulos para a vida. Porém, cada vez que alguém se coloca nessa condição de humildade perante sua busca, ela(e) se torna mais uma vez um aluno.

Por último, o aluno deve minimamente saber o que procura. Imagine a cena de alguém indo a uma faculdade e pedindo para que lhe ensinem qualquer coisa. É necessário saber pelo menos qual sua área de interesse. Se é humanas, exatas, biologia etc. Também saber o grau básico de conhecimentos dessa pessoa. O mesmo ocorre para o desenvolvimento interior. Se você não te conhece de forma suficiente, talvez tenha de começar com o básico. Nesse caso, não adianta em nada buscar professores avançados. O básico pode ser muito bem obtido em cursos de autoconhecimento, grupos de desenvolvimento pessoal, práticas integrativas, ioga, danças e práticas que produzem consciência do corpo. Tudo que lhe der mais consciência do corpo, de suas emoções e pensamentos. Hoje também existem muitos livros e vídeos que podem ajudar com essa compreensão do básico.

O mestre

O professor ou mestre é alguém que necessariamente sabe mais que o outro que ele ensina. Existem uma série de conhecimentos tácitos que podem fazer alguém um mestre em sua atividade sem haver uma relação específica com o seu grau de instrução. Dificilmente um mestre terá toda a habilidade para dominar todo o conhecimento humano em todas as suas dimensões. Isso poderia ser um pouco mais possível em épocas de menor conhecimento humano e compreensão. Hoje em dia, se torna impossível desenvolver a espiritualidade sem minimamente compreender certos aspectos da psicologia moderna, filosofia e a filosofia da ciência, biologia, neurociência, religião, artes, história, astronomia e antigas tradições entre outros.

Assim, um mestre pode ser mais teórico e outro mais prático. Um pode ser mais especialista em um determinado aspecto da dimensão humana enquanto outro ser mais generalista. Dessa forma, um mestre pode ser alguém com muito conhecimento de uma área, mas carente em outra. Logo, não existe mestre perfeito que atenda todas as demandas e necessidades de um aluno.

Mesmo se alguém der a sorte de poder encontrar o mestre perfeito (para essa pessoa), devemos entender que o mestre nunca pode fazer o que é de responsabilidade do próprio aluno. Em outras palavras, você pode levar o cavalo até a água, mas não pode obrigá-lo a beber. Esse é um ditado muito antigo. Outro mestre disse que se deve ensinar a pescar e não adianta ficar dando peixe as pessoas. Eventualmente um mestre pode assumir algo de seu aluno. Isso pode acontecer até mesmo de uma forma espiritual avançada.

Só que normalmente isso não resolverá o problema do aluno no longo prazo. Por vezes irá atrasar ainda mais o estudante. Gurdjieff relata no livro do Relatos de Belzebu para seu neto que Belzebu trabalhou por um tempo com hipnoterapia.  O que aconteceu foi que se criava uma melhora temporária, porém, logo as pessoas voltavam aos seus problemas habituais. O mesmo acontece hoje com terapias onde o paciente simplesmente delega a responsabilidade de seu crescimento para o terapeuta. O fato é que não se cria uma relação aluno /mestre e sim uma relação paciente / médico. Essa última é uma relação passiva (do paciente) em relação ao outro. Isso é totalmente o contrário do que se espera da relação aluno/ mestre, onde o aluno deve ser ativo e responsável pelo seu crescimento. Isso não significa que o aluno não possa receber auxílios em sua jornada.

Uma pergunta bastante comum é sobre como e onde encontrar um mestre ou maestra adequado(a) para o seu desenvolvimento pessoal? A resposta é sempre aquele velho clichê de que o professor aparece quando o aluno está preparado. Por vezes, o que mais atrasa o nosso desenvolvimento não é a falta de quem nos auxilie e sim a nossa incapacidade de enxergar o simples fato de que precisamos de ajuda. Não é raro uma pessoa receber vários sinais de que ela precisa desenvolver uma certa qualidade ou habilidade. De que deve realizar um tipo de exploração do inconsciente ou um determinado trabalho terapêutico e psicológico.

Porém o que mais acontece é a autossabotagem, a negação e/ou o medo impedir da pessoa tomar uma resolução sobre isso. Por outro lado, o universo é próspero e irá prover maneiras de alcançar esse objetivo, a partir do momento em que a pessoa toma essa resolução do fundo de sua alma. Contudo, é mais comum que as resoluções sejam parciais e com revezes. Enfim, o processo tem seu próprio tempo interior. Além disso, cada aluno tem seu próprio tempo interior.

Por outro lado, apesar do universo ser próspero, nem sempre se encontra as condições certas para realizar o trabalho interior. Seja por falta de preparo do aluno, por ausência de um mestre ou por falta de estabelecer uma relação de confiança entre essas partes. Como exemplo, as tradições orientais e as antigas ordens iniciáticas exigiam que a pessoa aceitasse se submeter com todas as suas forças a vontade de seu mestre. O aluno aprendia também a amar o seu mestre sobretudo. Se seu mestre mandar o aluno retirar a própria vida ele assim faria. Também o mestre ama seu discípulo como um filho(a). Fará de tudo para dar as máximas condições para que todos seus alunos alcancem o progresso. Talvez essa seja a maior qualidade comum de todos os mestres.

Porém, a nossa cultura ocidental se afastou excessivamente disso tudo. Professores não são mais respeitados nem nas salas de aula. As pessoas acham um absurdo crer que devem se submeter ao outro. Acham que já são livres e isso é um desrespeito a suas ideias de liberdade. O fato é que inicialmente o aluno não tem um centro. Ele(a) é uma multidão que busca na espiritualidade mais uma conquista para seu ego ou uma maneira de se livrar dos desconfortos da vida (como se isso fosse possível). Gurdjieff alerta que inicialmente o aluno(a) deve aprender a obedecer ao outro para assim aprender a ter disciplina.

É muito mais provável uma pessoa obedecer a pessoa que ele chamou de mestre que obedecer às suas próprias determinações. Assim, o processo começa com o depósito de sua fé em um mestre exterior, com o estabelecimento de um pacto de vida. Por isso não era raro haver pactos de sangue em antigas iniciações.

Entretanto, essa condição de obediência deve ser temporária. O mestre deve, com o tempo, ser substituído pela vontade interior do discípulo. Assim, o que todo bom mestre(a) deve fazer é ensinar ao seu aluno(a) que seu verdadeiro mestre perfeito está dentro de si. Interessante notar que Jung realiza esse mesmo entendimento de outra forma. Ele chamou de transferência e contratransferência.

Por fim, o mestre deve reconhecer o momento em que seu discípulo está preparado para outros tipos de desenvolvimento. Com isso, o aluno pode ter de buscar outro mestre ou assumir o papel de mestre. Ensinar os outros é uma fase de desenvolvimento importante para qualquer professor. Quem já teve essa experiência sabe que ensinar exige antes de tudo muito mais responsabilidade e preparação do que estudar sozinho. Assim, a relação aluno(a)/professor (a) é antes de tudo uma relação simbiótica.

O grupo

O grupo é inicialmente o coletivo formado por alunos e o próprio mestre.  Um grupo pode dividir tarefas e ganhar com isso sinergia. Podemos dividir o grupo em três grandes atividades. A primeira é sobre a divisão de tarefas sobre o plano físico. Realizar uma obra, construir e manter algo, plantar sua própria comida, são exemplos dessas atividades. Elas nos conectam com um estado de pertencimento, apoio e satisfação muito difícil de ser encontrado nos dias de hoje. A sociedade moderna valoriza excessivamente a independência dos indivíduos. Com isso as pessoas hoje não conhecem nem mesmo seus vizinhos de porta. Essa ilusão de que “ninguém enche meu saco” também traz uma solidão fruto da desconexão com o coletivo. Afinal, somos seres gregários. Isso está no nosso DNA e faz parte de nossos instintos. Milhares de pessoas sofrem hoje de depressão por solidão enquanto vivem cercadas por uma multidão.

O outro aspecto do grupo é o auxílio no desenvolvimento individual. Companheiros(as) de jornada podem ensinar e apoiar uns aos outros. Isso é uma das atividades mais importantes do grupo. Por último, existem práticas mais profundas que são diferentes quando realizadas em grupo. Isso acontece porque o grupo dispõe de muito mais energia do que um indivíduo trabalhando sozinho.

O trabalho do grupo deve ser conduzido com a observância dos objetivos que se pretendem alcançar. Um grupo que queria fazer de tudo e alcançar esse tudo dificilmente terá coesão por muito tempo. Outro ponto importante a observar é a constante atuação da lei de três. O fato é que todo relacionamento pessoal tende rapidamente a criar julgamentos e a avaliar os membros do grupo como “inimigos e aliados”.

A natureza de um grupo é sempre se dispersar, se dissolvendo em caos. O que impede que isso aconteça é a constante atuação da lei de três. Logo, o grupo deve lembrar sempre de seus propósitos e suas motivações. Enquanto houver sinergia entre os propósitos e motivações de cada aluno com os propósitos e motivações do grupo, haverá união.

O ambiente

O ambiente também afeta essa relação do grupo. Um grupo que se encontra virtualmente tem alguns limites pela ausência de contato físico. Os períodos de encontro também afetam de certa forma a dinâmica. Um grupo que resolver morar juntos terão muito mais “tropeços” uns com os outros que um grupo que se encontre semanalmente. Da mesma maneira que os desafios são maiores também são as oportunidades de crescimento. Nem todo mundo consegue ter essa compreensão e saberá aproveitar o melhor do momento.

As vezes o ideal não é possível de ser alçando. Contudo, é melhor um bom grupo virtual que nenhum ou um grupo ruim presencial. Mas se você participa de um grupo virtual, eu recomendo também encontrar um grupo presencial. Pode ser um grupo de uma prática específica ou até de caridade. Por vezes, se você tem um emprego, pode usar esse ambiente como o laboratório de um grupo presencial com os devidos cuidados. Afinal, tudo que se aprende deve ser testado na vida.

Por fim, o que faz uma escola ser melhor que outras? Será que é a qualidade de seus professores? Ou será que são seus métodos? Ainda mais, será que é a qualidade de seus alunos? Essa é uma equação de múltiplas variáveis. Um ótimo mestre pode favorecer o desenvolvimento de alunos medianos. Contudo, o contrário também é verdadeiro. Alunos dedicados e esforçados podem superar as deficiências de seus mestres. Assim, encerro lembrado que tentar o caminho do crescimento pessoal sozinho é ainda mais difícil, senão impossível. Então busque um grupo que lhe proporcione sinergia com seus objetivos.

4 comentários em “O aluno, o professor, o grupo e as escolas iniciáticas”

  1. Fiquei com dúvida da parte do trabalho grupo de caridade, pareceu estar incluído como escola mas a intenção era incluir como laboratório ne? Ou me enganei?

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  2. Nos dias de hoje pensando numa mulher discípula melhor não confiar obediência. Mais prudente. Em relação ao método uma pessoa que se esforça sempre supera método professor qualquer dificuldade. Isso não significa que não tente lutar pelo melhoramento do grupo. Acredito que o grupo é pra interagir com outras tipo um lugar de testes. Se o lugar se tornar uma fraternidade amorosa esse será um privilégio raro. Lutemos.

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    • Essa entrega não pode ser infantil e ingênua. Isso realmente é perigoso e daí que surge muitos abusos de todos os tipos. É um bom conselho independente do sexo

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