O centro mental e a função pensamento

Precisamos observar os três centros. No entanto, inicialmente não sabemos o que exatamente devemos observar e esperar de cada uma de suas funções. Assim, os próximos textos trazem um resumo do que esperar ao observar cada um dos centros. Dificilmente um centro estará atuando independente de outro. Portanto, é mais fácil começar a observar individualmente cada função dos centros. Vamos começar com o Centro Intelectual e suas funções. 

Centro e suas velocidades

Começando pela velocidade de cada centro, podemos observar que o centro mais lento é de fato o centro intelectual. Em seguida, e muito mais rápido, vem o centro motor. O centro instintivo é ainda mais rápido, embora funcione em estreita relação com o centro motor. Contudo, o mais rápido de todos é o centro emocional. Quando funciona normalmente, suas impressões parecem ser instantâneas. No entanto, em nosso estado normal e na maioria das vezes funciona em velocidades mais baixas do que as velocidades dos centros instintivos e motor. 

Podemos comparar os respectivos tempos de cada centro usando uma referência . Essa comparação qualitativa mostra que a relação aparente do tempo entre os centros é da ordem de 1 a 30.000 entre cada função. Em outras palavras, o centro motor  funciona 30.000 vezes mais rápido que o centro intelectual. Portanto, a observação do centro intelectual é mais simples de ser realizada e portanto é sugerido começar por ele.

Pensamento, função do centro intelectual

O pensamento é a função do centro intelectual. Todos os processos mentais tais como a recepção de dados intelectuais, análise, comparação, a formação de idéias, de raciocínio,  imaginação e o registro na memória intelectual. Entretanto, o Centro Mental possui três níveis de pensamento. O que entramos em contato constantemente pode ser chamado de aparelho ou mente “formatória”. Assim, é com essa mente que habitualmente respondemos a quase todas as situações da vida. Mesmo o que chamamos de “reflexão” é ainda uma função inferior na maioria das vezes. A mente formatória não passa de uma máquina de respostas pré programadas a cada entrada recebida. 

Dessa forma, o pensamento segue uma programação adquirida em anos de vida. A neurociência, assim como modelos de computação baseados em mimetizar o comportamento do cérebro (inteligência artificial), mostram uma incrível capacidade de resolver problemas quando permitimos que novas conexões sejam realizadas. Então, pensamentos independentes são possíveis com um certo desenvolvimento. Portanto, novos pensamentos surgem com a verdadeira “reflexão” e o conhecimento antecipado que se conforma com nosso senso geral de individualidade. Enfim, essa é a forma que caracteriza o verdadeiro pensamento “subjetivo”. Assim, o pensamento subjetivo é o segundo possível nível de pensamento.

O pensamento objetivo e o terceiro nível de pensamento

Entretanto, há ainda uma possibilidade de um terceiro nível de pensamento. Este é o pensamento “objetivo” real. Uma pessoa comum não tem conhecimento deste nível. Afinal, esses pensamentos estão em um nível ainda mais alto e pertencem ao centro intelectual superior. Todavia, não importa o nível, a função do intelecto é afirmação e negação. É uma função binária de sim ou não. O intelecto recebe os dados, compara-os com o que conhece, coordena, conceitua e olha para a frente. Quando atuando em seu nível mais inferior será tomado pelo julgamento crítico e a imaginação automática. Estando em um nível superior, realiza um confronto lógico e o conhecimento antecipado. 

Não podemos saber nada sobre o pensamento objetivo. Porém, podemos supor que está em conformidade com o Grande Conhecimento. Assim como que seu poder de presciência está em conformidade com as leis universais que governam o mundo e tudo nele. Bem como estar em conformidade com a causa original dessas leis. Dessa forma, podemos evocar uma analogia com o Logos, ou a Palavra do Gênesis. Contudo, devemos certamente reconhecer que com nosso pensamento comum não somos realmente capazes de compreender tais idéias.

A função formatória do centro intelectual

“No nível inferior do centro intelectual é seguir uma rotina que constata, analisa, compara, associa e coordena por meio dos dados registrados na memória. Essa é a atividade da mente que resulta em um julgamento afirmativo ou negativo, em sim ou não. Normalmente, um ou outro predomina, e esse julgamento é a base de nossas ações. Achamos que estamos escolhendo e decidindo. No entanto, não há nada lá, exceto uma percepção mecânica baseada em dados externos presentes ou lembrados. Não existe livre escolha, não existe decisão que realmente venha de nós e seja tomada em nome de uma presença individual superior, isto é, de um eu autônomo e permanente com uma compreensão e objetivos próprios na vida. No máximo, há poucos objetivos transitórios pertencentes ao personagem do momento, condicionados pelas associações mentais disponíveis em suas memórias.” 

Jean Vaysse

Todavia, quando tal  funcionamento da função mental resulta em um equilíbrio entre o saldo positivo e o negativo, permanecemos em um estado de indecisão. Isso ocorre porque na pessoa comum não há nada acima da função mental que pode se encarregar de seus julgamentos automáticos e colocá-los em seu próprio uso. Fazemos dessas próprias constatações o que passamos a chamar por escolha e decisão. Portanto, é assim que a mente usurpa um poder ao qual não tem direito de uso. Contudo, isso só pode ser combatido pelos desejos contrários do centro emocional ou pelo enfrentamento da preguiça do centro instintivo/motor. 

O que comumente chamamos de uma pessoa obstinada é aquele cuja mente forte, ativa e claramente estruturada aprendeu a obter o apoio de seus desejos e a colocar o centro móvel a seu serviço. Mas não há vontade própria, nada de livre escolha de uma individualidade real dotada de conhecimento e perseguindo objetivos de vida que são objetivamente seus. Não há nada além do efeito das circunstâncias sobre o funcionamento automático da mentalidade e de uma máquina humana bem estruturada. Tal pessoa, ao contrário do que geralmente pensa, é apenas o resultado de um joguete de influências independentes de si mesmo

Quando o centro intelectual substitui outras funções

Quando o centro intelectual trabalha para outro centro, ele produz discussão, equívoco e desaceleração. Também traz consigo o gosto pelo sonho e pela imaginação. Enfim, produz certa inflexibilidade. Afinal, por um lado, é o mais lento de todos os centros e, por outro, não é sutil o suficiente para perceber as particularidades e aspectos mais delicados de uma situação. Muito menos para “ver” como uma situação muda progressivamente. Assim, sua interferência acaba produzindo reações inadequadas, falhas e atitudes que são rígidas, muito generalizadas e muitas vezes completamente fixas. 

Na verdade, o centro intelectual é incapaz de compreender as nuances e sutilezas da maioria dos eventos. Situações que parecem completamente diferentes para o centro motor ou emocional parecem idênticas ao centro intelectual. Assim, suas decisões não são as mesmas que os outros centros tomam. O pensamento é incapaz de compreender as nuances do sentimento. Portanto, o cálculo frio toma o lugar da emoção viva. Assim, quando uma pessoa meramente raciocina sobre os sentimentos de outra pessoa, mesmo que tente imaginar quais são, ele mesmo não experimenta nada e o que o outro está experimentando é para ele inexistente. 

O mesmo é verdade no reino instintivo, a pessoa que já comeu até se fartar, não entende o outro que está com fome. No entanto, para o último não há dúvida sobre a realidade de sua fome e os argumentos ou decisões da outra pessoa. Ou seja, seu pensamento geralmente parece incompreensível. 

O centro intelectual não é capaz de substituir o centro motor nem de controlar os seus movimentos. A sensação não existe para esse centro. A sensação é uma coisa morta que substitui a visualização. É fácil encontrar exemplos: se uma pessoa tentar fazer seus gestos intencionalmente, pensando neles, dirigindo cada movimento com seu pensamento, verá imediatamente que o ritmo e a qualidade de seu trabalho muda. Podemos usar como exemplo prático quando se digita em um computador ou quando dirigindo seu carro. O centro intelectual começa como quando estava aprendendo. Começa a se mover devagar e a cometer erros após outro pensamento. Assim, não consegue acompanhar o ritmo normal do centro em movimento. 

Outro exemplo é o hábito de espectador esportivo em oposição à prática desportiva. Aqui também é um exemplo da substituição da função intelectual pela atividade dos centros instintivo e motor. Assim como da sua tendência para o sonho.

Na semana que vem continuaremos com os estudos dos demais centros. Uma ótima semana de estudos para todos vocês.

Lauro Borges

Esse é o quarto artigo de uma nova série sobre trechos, notas e comentários sobre o livro Toward Awakening: An Approach to the Teaching Left By Gurdjieff” de Jean Vaysse.

3 comentários em “O centro mental e a função pensamento”

Deixe uma resposta