O Centro emocional e a função sentimento

O centro emocional é o maior motivador de nossas ações. Basta notar o seu nível de energia ao realizar algo que goste e sinta motivado quando comparado com realizar algo que não gosta e está totalmente desmotivado. O corpo somente se mobiliza para satisfazer suas necessidades instintivas. Por outro lado, o centro mental se perde facilmente entre as infinitas possibilidades e conexões. Porém, o centro emocional é o único capaz de te conectar e desbloquear as forças necessárias para realizar superesforços. No artigo da semana passada aprofundamos sobre o centro intelectual e você pode ler aqui. Agora vamos aprofundar no estudo do centro emocional.

Sentimentos e o centro emocional

O sentimento é a função do centro emocional. Todos os processos emocionais incluem alegria, tristeza, raiva e medo como emoções básicas. No entanto, nossa tentativa de observar esse centro logo nos mostra o quão é difícil reconhecer nossos sentimentos. Confundimos constantemente sentimentos com o funcionamento de outros centros. Em particular, uma dificuldade importante surge do fato de que os choques instintivos serem sentidos de uma maneira muito semelhante aos choques emocionais. Portanto, os choques instintivos são muitas vezes confundidos com emoções. 

O centro emocional “experimenta”

cada vez que uma impressão atinge o centro emocional, este gosta ou não gosta e experimenta uma aprovação ou desaprovação pessoal da impressão que se manifesta na forma de uma emoção. Por isso, a cada vez que algo toca a pessoa e seu funcionamento emocional esse é automaticamente aceito ou rejeitado. Ao mesmo tempo uma emoção positiva ou negativa é expressa. Esse “algo” é sentido como desejável ou indesejável. Mas essas operações do centro emocional dependem inteiramente do nível de presença. Porém, no estado comum de nossas vidas, apenas um de nossos personagens está lá. Assim, tudo passa apenas de uma questão de sentimentos parciais inerentes a um único aspecto de si mesmo. Dessa forma, nunca de um sentimento real, de um sentimento todo e inclusivo inerente à presença total de um eu realmente interno estabelecido. 

“Acredite ou não, as pessoas em seu estado normal não têm sentimentos verdadeiros. Elas têm apenas emoções automáticas, as emoções de reação, dependendo inteiramente de qual personagem está presente. O personagem muda de acordo com as circunstâncias. Da mesma forma o seu “sentimento” muda com ele. No entanto, as pessoas não veem essas mudanças. Principalmente em sua parte emocional mais do que em qualquer outra. “

Jean Vaysse

A impermanência do ser

Estamos sempre a acreditar que somos dotados de uma permanência e uma continuidade que não possuímos. O centro emocional somente torna-se capaz de sentir verdadeiramente quando uma presença estável é desenvolvida. Quando algo relativamente independente das circunstâncias ao redor for consolidado. Essa presença é construída em torno de um sentimento de identidade que te anima e dá à sua vida a cada momento a sensação de ser o que é. Esquematicamente, podemos dizer que as emoções pertencem à personalidade e os sentimentos ao ser real. O sentimento de self que acompanha o despertar para si mesmo é o primeiro sentimento real que uma pessoa pode ter. Portanto, a evolução posterior do centro emocional, indo de mãos dadas com a obtenção de um verdadeiro eu, aproxima-se progressivamente do nível de refinamento do centro emocional superior. Isso é que faz contato com você e finalmente se funde com você. 

Todavia, nada disso acontece até que um certo nível seja alcançado que te eleve até os grandes sentimentos “objetivos” de Fé, Esperança e Amor.  Até que tais sentimentos se tornem possíveis para você. 

A função do sentimento é a avaliação

Em todos os níveis, a função do sentimento é a avaliação e o relacionamento pessoal. Também em todos os níveis, as experiências do centro emocional avaliam valores e consentimentos. Os verdadeiros sentimentos não são negativos. Então, eles não têm aspectos negativos. Um verdadeiro sentimento pode ser mais ou menos intenso. Pode ser  maior ou menor. Caso não exista sentimentos, é apenas indiferença. Assim, o centro emocional superior não tem negatividade. Todavia, no nível ordinário, no plano das emoções, o centro emocional afirma ou nega. Assim, as emoções com que vivemos podem ser positivas, neutras ou negativas conforme atingem a emocionalidade. Em outras palavras, quando o ”amor-próprio” específico que anima cada um de nossos personagens é atingido.

Deste ponto de vista, os centros inferiores podem ser considerados como divididos em duas partes, positiva e negativa. Porém, essa divisão parece um pouco diferente de acordo com o centro em questão. A distinção se apresenta mais clara para o centro móvel e o centro instintivo. Contudo, é muito menos claro para o centro emocional e o centro intelectual.

No nível do centro emocional, a divisão em duas partes positivas ou negativas pode parecer simples. No entanto, é muito mais complexa. Pode parecer à primeira vista que temos toda uma gama de “sentimentos positivos” de alegria, simpatia, afeto e “sentimentos negativos”: medo, ciúme, tédio e irritação. Na verdade, ao contrário do que acreditamos, nada temos que possa ser chamado de sentimento. Muito menos algo a dar uma qualidade imutável em sua vida individual. Estamos imersos em emoções ligadas à expressão e preservação de cada um de nossos personagens. Esses personagens que estão em constante mudança. Portanto, que não estão relacionados à sua verdadeira individualidade. 

Sentimentos reais existem

Em seu estado normal de vigília, todo sentimento real é desconectado do fluxo da vida. Assim como o eu superior que permanece em um estado de sono. No entanto, surge uma emoção agradável ou desagradável conforme a impressão de eventos internos ou externos é tida como favorável ou desfavorável, desejável ou indesejável em relação ao personagem presente. Mas, se em um momento depois houver mudança de personagem, a mesma impressão terá todas as chances de ser tomada de forma diferente. 

Assim, uma pessoa comum tem o seu “humor” alterado constantemente. Sempre de acordo com a personagem do momento. Da mesma maneira, os mesmos impulsos emocionais mudam de positivos para negativos ou vice-versa. Todas as nossas emoções agradáveis, como alegria, simpatia e confiança, podem degenerar a qualquer momento em tristeza, aversão, ciúme, dúvida e assim por diante. A expressão dessas emoções desagradáveis, que uma pessoa normalmente não consegue guardar para si, serve apenas para reforçá-las desnecessariamente e para espalhar sua negatividade ao seu redor. Essa é uma das razões pelas quais a luta contra a expressão externa dessas emoções negativas é um dos primeiros pontos em que o trabalho sobre si mesmo pode começar de forma útil. 

O difícil esforço de não expressar suas emoções negativas

A nossa própria situação começa a mudar a partir do momento em que se torna possível iniciar esse Trabalho. A pessoa que realizou um trabalho real sobre si mesmo começará em seus momentos de presença a se medir “objetivamente”. Dessa forma, começará a avaliar os acontecimentos em relação ao seu eu real e não mais em relação ao uso que seus personagens fazem deles. Por um lado, a natureza ilusória de suas emoções comuns, sejam positivas ou negativas, é gradualmente revelada a si. Enquanto ao mesmo tempo essa pessoa perceberá a qualidade condicional de suas personagens. Por outro lado, uma avaliação diferente de suas impressões torna-se possível para essa pessoa por meio de uma relação com o “eu” que está despertando. Assim, essa pessoa verá ao lado de suas emoções algo que se distingue de sofrimentos morais reais pertencentes ao centro emocional. Sofrimentos esses que fazem parte de qualquer vida, tanto quanto o sofrimento físico, como doença, dor e morte. 

Todos temos inúmeras tristezas, medos e ansiedades que não podem ser evitados. Dessa forma, à medida que se torna mais capaz de ver e registrar as insuficiências e os fracassos, esses já não suscitam remorsos, resoluções ou impulsos “para se corrigir”. ao contrário, há sim o verdadeiro sentimento “subjetivo” de remorso de consciência. Por todas estas razões, o despertar e a evolução do ser humano depende da capacidade de trazer graça ao despertar de um verdadeiro sentimento de si. Principalmente ao notar pela consciência interior de que impressões reais de alegria e satisfação estão igualmente e constantemente associados a impressões reais de tristeza e remorso na medida em que sua evolução não está completa. 

A esperança de uma mudança genuína só pode vir com a realização de um verdadeiro eu. Assim como de uma Presença unificada e estável. Presença na qual o centro de gravidade de sua vida tenha sido estabelecido de forma permanente. Os choques e os verdadeiros sentimentos positivos ou negativos da vida cotidiana não são suprimidos como tais. No entanto, para quem percebeu essa permanência, isso não lhe afeta mais sua presença ao mesmo nível. Na verdade, essa mudança ocorre na região do centro emocional superior. Assim como, é acompanhada pelo verdadeiro sentimento de que não há negatividade neste centro. Os sentimentos constantemente induzidos pela vida, que se tornariam emoções subjetivas, são corretamente colocados dentro de uma estrutura objetiva. Não há sentimento negativo no nível do centro emocional superior. Tanto quanto qualquer negatividade nesse centro. Da mesma forma que não existe no centro intelectual superior.

A atuação do centro emocional no lugar errado

Quando o centro emocional trabalha para outro centro, esse traz consigo sua sensibilidade, sua velocidade, sua intensidade. Acima de tudo, uma qualidade egocêntrica que o denuncia mais do que qualquer outro signo. Quando atua no lugar do centro intelectual, produz nervosismo, pressa febril e desnecessária. Exatamente onde se exige um julgamento sereno e deliberação. Quando atua em vez do centro móvel, produz impulsividade e tendência a se deixar levar, em vez de fazer o movimento certo. No lugar do centro instintivo, produz efeitos exagerados de muita ou pouca atividade.

Todavia, o centro emocional pode encontrar seu nível normal de funcionamento novamente se por seu trabalho pessoal e pelos esforços apropriados você comece a desenvolver seus centros inferiores e a equilibrá-los. Assim, à medida que esse centro se torna mais purificado e mais desenvolvido, cria-se a possibilidade de contato com o centro emocional superior. Mais tarde, por meio disso, um novo contato pode vir a ser estabelecido com o centro intelectual superior. Ao contrário do que muitos acreditam, nenhum contato direto é possível entre o centro intelectual inferior e o centro intelectual superior. O eixo de desenvolvimento do ser humano é fundado em um desenvolvimento emocional, uma evolução do sentimento de si mesmo, seu despertar, seu desenvolvimento e transcendência.

Na semana que vem continuaremos com os estudos dos demais centros. Uma ótima semana de estudos para todos vocês.

Lauro Borges

Esse é o quarto artigo de uma nova série sobre trechos, notas e comentários sobre o livro Toward Awakening: An Approach to the Teaching Left By Gurdjieff” de Jean Vaysse.

4 comentários em “O Centro emocional e a função sentimento”

  1. Eu acho muito perigoso essa técnica de não expressar os sentimentos negativos. Porque se não é explicado exatamente como fazer isso de forma segura, sabemos oque isso gera. Gera o reforço do superego. Daquele que só corrige e julga. Outra questão é que isso gera doenças psicossomáticas. É raro uma pessoa que expresse todas as suas emoções negativas. É normal reprimir um pouco. Mas reprimir deliberadamente gera também um entorpecimento e uma sensação de que a pessoa é evoluída. Isso é terrível. Em geral pessoas com ar fleumatico que passam anos pagando de controladas são as que geram doenças psicossomáticas em forma de explosão ou acúmulo. Assim o corpo obriga a expulsar a dor que a pessoa por ignorância e vaidade não quer demonstrar. Talvez por medo tb.mas de qualquer forma vai dar problema.

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    • Fazer o esforço consciente não signifca que você é capaz de fazer. Muito menos de que está fazendo realmente. Não expressar e parar por ai é não entender como o Trabalho acontece. Quando não expressa, uma nova oitava se abre e pode exigir novos esforços. Isso permite que você até perceba sua falha em não conseguir expressar, ou quando não consegue e quando consegue. Além disso, se não expressa e te gera problemas é porque não está se observando de forma honesta. Para esse caso não há o que fazer a não ser ter a honestidade consigo mesmo sempre. Não há perigo nenhum na técnica se a pessoa sabe ou está orientada sobre o que fazer. Se não sabe não faça. Isso vale para tudo. Até mesmo para uma meditação simples.

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      • Não Não mas para aprender precisa tentar. Se eu demonstro não saber ajuda-me então. Obrigada sempre profe Lauro ?

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