Conhecer a estrutura do ser humano é fundamental para o Trabalho

Precisamos entender o Ser Humano como um todo. Somos um conjunto de funções que atuam  em diferentes formas. Somos uma máquina de transformação de energia. Porém, nossa máquina opera de forma automática até um determinado nível. Além disso, essa máquina a muito perdeu sua regulagem e seus balanços pelo incorreto uso e falta de manutenção. No entanto, precisamos conhecer como funcionamos antes de realizar qualquer manutenção. Precisamos compreender funções, níveis e estados que tornam o ser humano único em nosso universo.

Os centros

Gurdjieff considera que somos formados por cinco grandes funções. Cada uma dessas funções possui sua própria inteligência e sua própria energia. Quatro desses centros podem ser considerados relativamente independentes e suficientes para que possamos realizar nossas rotinas da vida. Esses centros são 

  • Centro intelectual – memórias, comparação, racionalidade, julgamentos, classificação, coordenação e predições
  • Centro emocional – emoções e sentimentos, apreciação, valores em relação a outros e a si (relação entre o que se vê e se sabe sobre si)
  • Centro motor – todo o organismo que suporta o movimento, incluindo os sentidos das sensações, permite que qualquer tarefa demandada seja executadas e concluída
  • Centro instintivo – todas as funções que regulam e mantêm a vida física. Percepção instintiva das necessidades da vida

A distinção entre o centro motor e instintivo requer um refinamento de percepção. No entanto, isso não é essencial para a compreensão dos principais centros. Assim, podemos simplificar os centros instintivo e motor considerando-os como uma única função “instintiva”. Todavia, os três primeiros centros (mental, emocional e instintivo) atuam com uma grande independência entre si. Logo, uma pessoa pode planejar algo sobre o futuro, enquanto executa uma atividade com o corpo e, ao mesmo tempo, relembra emoções do passado. O último dos cinco centros é o centro sexual

  • Centro sexual – requer suporte e participação dos demais centros utilizando suas emanações. No entanto, é suporte para os aspectos criativos do ser humano em todos aspectos. Devemos perceber o centro sexual além dos aspectos orgânicos. Assim, não deve ser estudado de forma separada. Por isso, o estudo do centro sexual é mais complexo e requer compreensão anterior sobre os demais três principais centros. Dessa forma, deve ser considerado um estudo avançado. 

Vale ressaltar que o centro sexual vai muito além das explicações triviais sobre subtipos da escola do eneagrama da personalidade.

Possuímos ainda outros dois centros de inteligência superiores além dos centros até aqui citados. São eles

  • Centro emocional superior – onde habita somente os verdadeiros sentimentos
  • Centro intelectual superior – a casa da verdadeira razão objetiva

Estados de presença

Todavia, nossa conexão com os centros superiores é totalmente fragmentada, incompleta, torpe, cheia de fantasias e incompreensões. Tais encontros acontecem de forma ocasional e sem a correta distinção entre a presença dos centros superiores em relação aos seus pares inferiores. Isso se dá devido à falta de percepção sobre os estados de presença do ser humano. 

São três os níveis ordinários de presença. 

  • Estado de presença de “sono” ou “sonambulismo” – O primeiro estado de sono é facilmente percebido, pois, todo mundo dorme e já viu outras pessoas dormindo. Você simplemente não está ali naquele corpo. 
  • Estado de presença de “sonho” – é o que passamos mais tempo de nossas vidas. Afinal, não é necessário estar dormindo para sonhar. Quantas vezes você já se pegou sonhando acordado?
  • Estado de presença de “vigilia” – é um estado de concentração onde a atenção está direcionada em executar uma tarefa. Normalmente regride para o estado de “sonho” quando a concentração não mais é exigida ou por esgotamento de sua energia

Ainda há um quarto estado que é chamado de “autoconsciência”. No entanto, esse quarto estado de presença é normalmente ignorado, mesmo que sua presença apareça como lampejos. Porém, o estado de “autoconsciência” é que realiza o contato com os centros superiores de forma correta.  

A pergunta é: por que as pessoas ignoram a presença ou necessidade do contato com a autoconsciência? Porque  as pessoas simplesmente acreditam que já são totalmente autoconscientes. Além disso, acreditam que gozam da mais plena capacidade no estado de vigília. Então, não percebem que podem desenvolver um estado de presença superior. Os poucos que percebem a existência de um estado superior não conhecem como alcançá-lo. Ainda por cima não são capazes de compreendê-lo, pois, tais contatos foram como fagulhas momentâneas.  Também, ainda há aqueles que acreditam já ter o estado de autoconsciência a todo e qualquer momento que desejarem. Assim, tal ideia fantasiosa já é suficiente para satisfazê-las.

Contudo, um estado de presença não substitui o outro. Outrossim, um estado de presença superior transcende o inferior integrando-o em uma figura maior. No entanto, existe uma percepção de mudança de estados de presença. É como uma mudança abrupta, uma transformação, uma passagem entre dimensões. Da mesma forma, os estados de presença atuam de maneira diferente nos centros de inteligência. Por consequência, há toda uma alteração de ritmos, amplitudes e harmonias. Portanto, a alteração do estado de presença dos centros de inteligência criam transformações nos mesmos.

As faculdades do Ser

Devemos ainda adicionar o entendimento sobre as três faculdades do ser. Essas faculdades quando combinadas permitem a criação de uma individualidade autônoma. Assim como a qualidade dessas faculdades são excelentes indicadores de seu nível de vida, estado de presença e o nível do Ser. Essas faculdades são “atenção”, “consciência” e “vontade”. 

O problema mais uma vez recai sobre a ilusão de acreditar já ter tais faculdades plenamente desenvolvidas em alto grau e forma. Na verdade, em grande parte usamos somente as formas inferiores na vida. Contato com as formas mais desenvolvidas ocorrem por puro acidente. 

Essência e personalidade

Por último, devemos compreender a nossa psicologia como um indivíduo e também inserida em um contexto social. O senso de “eu” é dividido em duas partes. A primeira é chamada de essência e a segunda de personalidade. 

No contexto de Gurdjieff, a essência está longe de ser algo totalmente desenvolvido, puro e completo. É sim o que recebemos como herança em nosso nascimento. São toda a nossa forma física, tendências e características fundamentais. De outra forma, são as nossas próprias propriedades, o que carregamos como qualidade única e da qual iremos transformar em algo maior. Uma pessoa somente cresce verdadeiramente com o crescimento de sua essência. 

A personalidade de uma pessoa corresponde a tudo aquilo que ela aprendeu exteriormente. Tudo que foi absorvido por seu destino, acasos, educação, ambiente social, religião e família. São elementos que não nascem do ser. Ao contrário, foram impostos de fora para dentro. Porém, devemos notar que tais eventos caem sobre a essência já presente desde sempre. Assim, permanece o que é nosso a maneira como a essência absorve e reage a tais eventos. Tais primeiras impressões é que ao final formaram a personalidade. 

Então, os primeiros elementos da personalidade são praticamente indistinguíveis da própria essência. Dessa forma, é primordial que as primeiras impressões recebidas pela essência criem uma simbiose harmônica entre essência e a personalidade. Caso contrário, uma desarmonia irá acontecer, requerendo um grande esforço para corrigir o problema. Se esse for o caso, é necessário primeiro realizar correções para que seja possível um progresso mais profundo.

Impressões e associações

Devemos agora adicionar o fator memória. A repetição dos mesmos comportamentos criam hábitos. Tais hábitos criam associações entre todas as diferentes funções, centros, estados de presença e faculdades. Ao fim, somos uma grande rede de inter relações que expressam a manifestação da vida. Porém, é fato que tal desenvolvimento ocorre automático e inconsciente na pessoa. Com isso, nos tornamos um conjunto de pequenos “eus” que por muitas vezes também são contraditórios entre eles. 

A personalidade é esse conjunto amorfo de pequenos “eus” adquiridos por associações exteriores. O mais comum é chegar à vida adulta com uma personalidade estranha à essência. Porém, não conseguimos observar tal fenômeno pelo simples fato de estarmos identificados com o mesmo. Somente a correta auto-observação é capaz de elucidar essa realidade por não estar ligada ao objeto. Não é fácil perceber que a imensa maioria de nosso tempo estamos condicionados em comportamentos mecânicos como uma máquina. Enfim, não adianta dizer isso a ninguém. Essa realidade só é compreendida quando observada por si.

No entanto, não devemos destruir nossos comportamentos condicionados, pois, esses são de grande uso em nossas vidas. Assim como também não basta desejar a transformação. É necessário primeiro entender o que somos. Como nossa máquina funciona, o que está desregulado em seu funcionamento. Somente depois de aprender como podemos transformar é que devemos realizar algo mais profundo. Se você quer atuar como médico primeiramente, você estuda ou sai realizando cirurgias por aí?

Apesar de soar complexo, devemos acreditar que já temos em nós todas as faculdades e pré programações que nos permitem realizar essa tarefa. A capacidade de aprender sobre si é tão orgânica e instintiva quanto respirar. Isso não significa que é fácil. Sim, exige sacrifícios, dedicação, tempo e esforço. Porém, é inata, possível a qualquer um que dela queira fazer uso. 

O trabalho

Tudo começa em observar os três centros (mental, emocional e instintivo) atuando em nossa vida. Após algum tempo podemos observar os diferentes estados de presença que apresentamos na vida. Principalmente as várias transições entre o estado de “sonho” e “vigília”. Por último, aprenda a observar a relação entre a qualidade das nossas faculdades (atenção, consciência e vontade) e como isso afeta os estados de presença. 

Quanto mais conseguimos observar toda essa teoria acontecendo em nós mesmos, mais se adquire uma verdadeira compreensão.

Uma ótima semana de estudos a todos vocês!

Lauro

Essa série de textos está baseada em notas, trechos e comentários da obra  “Toward Awakening: An Approach to the Teaching Left By Gurdjieff” de Jean Vaysse, Lord John Pentland.

2 comentários em “Conhecer a estrutura do ser humano é fundamental para o Trabalho”

  1. Nós somos muito complexos. Noto também que a mente humana por aprender por observação e repetição se não for treinada para ser forte pode interferir de forma a trazer dor na vida da gente. De certa forma temos literalmente muitas programações. As vezes penso que o despertar da consciência é como uma mutação…precisa de muita persistência e energia. Talvez a atenção seja o estado de realmente SER humano.

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