Ajudar é a mais nobre ação humana. Também é um grande diferencial evolucionário. Não foram os animais mais fortes que sobreviveram. Entretanto os mais adaptados. Assim, a capacidade de colaboração, aliada a compaixão, faz com que o ser humano se disponha para ajudar, mesmo perante aquele que ele não conhece. Esse é o tema do Ponto 2 do Eneagrama.
Estamos em constante busca de sentido para nossas vidas. Isso acontece desde que partimos do início de nossa jornada cósmica pelo raio da criação. Todavia, o estudo cosmológico pelo Eneagrama nos ensina que o maior sentido de nossas vidas é cocriar no universo. Assim, ao cocriar estamos também realizando a grande obra Divina. Nos tornamos semideuses dentro de nossos próprios templos. Em outras palavras, assim como em cima é também em baixo. Ou seja, os mesmos processos que ocorrem no grande cosmos também ocorrem dentro de cada ser humano. Todo o universo é guiado por leis universais.
Ajudar a criar
Dessa forma, nada pode ser mais importante do que cocriar. Afinal, O Grande Absoluto criou o universo por sua vontade e amor. Assim, ao cocriar, adicionamos o nosso suor e esforços ao de nosso Grande Criador Absoluto. Deixamos de ser simples máquinas na grande engrenagem cósmica e nos tornamos cumpridores de nossos grandes deveres morais. Gurdjieff estabelece em seu livro Relatos de Belzebu para o seu neto cinco obrigações estabelecidas pelo muito santo mestre Ashiata Shiemash:
Todos os seres deste planeta, então, começaram a trabalhar para ter em sua consciência essa função divina de consciência genuína, e para isso como em todo o Universo, eles transubstanciaram em si mesmos o que se chama de ‘obligolnian striving‘ (esforços de obrigação) e que consistem nos cinco seguintes a saber:
O primeiro esforço – ter em sua existência ordinária tudo aquilo que satisfaça seu corpo planetário.
O segundo esforço – ter uma necessidade instintiva constante e incansável de auto-aperfeiçoamento no sentido do Ser.
O terceiro – o esforço consciente para saber cada vez mais sobre as leis da Criação do Mundo e da Manutenção do Mundo.
O quarto – o esforço para quitar a dívida de seu surgimento e sua individualidade de existência o mais cedo e possível para tornar-se livre e assim, aliviar tanto quanto possível, a Dor de NOSSO PAI COMUM.
E o quinto – o esforço sempre para auxiliar o aperfeiçoamento mais rápido de outros seres, tanto os semelhantes a si mesmo quanto os de outras formas, até o grau do sagrado ‘Mart-fotai’, isto é, até o grau de autoindividualidade.
G.I.Gurdjieff – Relatos de Belzebu ao seu neto
Antes de ajudar é preciso Ser
Portanto, note que para se atingir o nível de ajudar ao Criador Absoluto (quarto esforço) é necessário ter exercido em si um longo trabalho de autoaperfeiçoamento. Assim, os três primeiros esforços estão contidos na longa jornada entre o Ponto 9 e o Ponto 3 do Eneagrama. Todavia, esse autoaperfeiçoamento acontece em um processo de muitas interações. Iremos nos lapidar à medida que se vai dando várias e várias voltas na mandala do Eneagrama. Contudo, é um longo processo de elaboração e refinamento. Entretanto, uma pessoa que não tenha se individualizado suficientemente, não possui a capacidade crítica de separar sua falsa personalidade de sua verdadeira essência. Assim, por mais que pense estar agindo por bons princípios estará por muitas vezes simplesmente buscando satisfação de seu próprio egoísmo.
Dentre todas essas satisfações, como visto no lado emocional do Eneagrama, encontra se a necessidade de sentir reconhecido. O que em um nível saudável tem muita importância. Porém, todos carregamos uma grande ânsia humana de ser reconhecido pelo próprio Absoluto. Enfim, existe uma necessidade orgânica de conhecer, reconhecer e ser reconhecido pelo Grande Criador Absoluto. Seja lá o que o Grande Criador represente para cada um.
Da mesma forma, isso se reflete de uma forma inferior na mesma necessidade orgânica de ser acolhido e reconhecido pela mãe e pelo pai. Então, a necessidade de cocriar vem da necessidade de participar desse todo cósmico. Entretanto, emocionalmente, queremos também ser reconhecido por tal participação. Todavia, tal reconhecimento vai além de um reconhecimento egóico de fama e glória. É um reconhecimento humilde de quem se esforçou para fazer o seu melhor e espera com isso aprender se assim o fez. Logo, saber que fez o certo é saber no seu coração o que sua alma lhe comunica com tua consciência. Afinal a consciência é indivisível com esse todo cósmico. E una com o próprio Criador.
Um longo processo onde precisamos de muitas ajudas
Portanto, a grande jornada espiritual somente começa quando somos capazes de realizar os esforços de obrigação 4 e 5. A partir desse momento é que o ser humano começa a jornada de beatificação de sua alma. Dessa maneira, podemos compreender que cocriar, ajudando o próprio Criador, é reduzir “o tanto quanto possível” o sofrimento de Deus. Além do mais, isso se realiza pelo ato de ajudar a todos os outros seres a evoluir até o mais elevado grau de autoaperfeiçoamento. Logo, o ato de ajudar pode ser considerado a grande apoteose de todos os atos criativos.
Dessa forma, a verdadeira personalidade que se cristaliza no Ponto 2 do Eneagrama, reconhece essa necessidade da alma em progredir ao ponto de ser útil aqui e agora. Em ser útil a todas as criaturas e em especial ao próprio Absoluto. Além do mais, isso deve sempre acontecer no atual momento presente. Algo encarnado, vivo e emocional. Diferente do ponto 9 e 8 onde não há muita distinção entre o eu individualizado e do todo. Também diferente do Pontos 7, 6 e 5 onde tempo e espaço são relativos. O Ponto 2 resolve a equação da negação apresentada pela reflexão moral do Ponto 4 e da afirmação heroica de enfrentar arduamente o seu próprio aperfeiçoamento apresentado no Ponto 3.
Em suma, a cosmologia do Eneagrama ensina que o sentido da vida é o de Cocriar, participar e colaborar, logo caberá a pergunta: mas o que estou fazendo é bom? Estou colaborando para o bem do universo? Portanto, também carregamos em nós o impulso orgânico de agir para o bem. Em outras palavras, de agir pelo impulso do amor Divino. Para tanto é necessário transpor o egoísmo.
Impulso orgânico de ajudar
Vimos também que o Ponto 3 possui uma certa qualidade de buscar ser reconhecido pelo que se faz bem. E que tal reconhecimento funciona como uma validação externa sobre as nossas próprias ilusões da imagem pessoal. No entanto, o Ponto 2 tal necessidade evolui para que seja reconhecido por ser bom, por se fazer o bem ao outro e a criação.
Assim, a personalidade que se cristaliza no Ponto 2 possui uma percepção afinada a essa própria demanda moral da alma. Tal demanda que vem da conexão com o centro emocional superior. Uma demanda orgânica e instintiva de realizar o bem, de colaborar e ajudar a todos os seres. No entanto, o indivíduo participa desse todo e compreende que é dando que se recebe. Que ajudar os outros é tão natural quanto também ser ajudado.
Afinal, sozinhos fazemos muito pouco. Estamos o tempo todo a receber ajudas em todos os tipos de enfrentamentos e provações da vida. Seja para concertar um pneu furado, construir uma casa ou compreender a si mesmo. Uma pessoa dificilmente consegue enxergar suas sombras sem receber a ajuda de um mestre, professor ou terapeuta. Todas as nossas contribuições ao mundo são somadas a uma imensa herança recebida. Portanto, o universo é antes de tudo uma grande troca e soma de esforços.
No entanto, o surgimento da falsa personalidade cristalizada no Ponto 2 do Eneagrama tende a se colocar em uma posição especial em relação a essa conexão universal. Como se sua percepção do mundo fosse mérito de suas próprias atitudes. Outrossim, isso será mérito de suas próprias atitudes a partir do momento que uma longa jornada de transformação for realizada. Tal lembrança é de fato uma memória de que o Absoluto é justo e pagará devidamente a quem contribuir para sua obra. Mas para tanto, o mérito somente vem após o longo exercício de tornar-se algo. Somente depois de vencer a longa batalha interior de construção de sua alma e de vencer seus impulsos egoístas.
Ajudar requer antes de tudo humildade
Em nada adianta o disfarce em agir corretamente guiado pelo impulso errado. Agir pelo impulso egoísta de uma simples satisfação pessoal é fruto da falsa personalidade. Afinal, essa acredita já ter uma alma. Então, acredita já estar pronta para receber seu prêmio. Em outras palavras, a falsa personalidade no Ponto 2 do Eneagrama cria uma cópia do centro emocional superior dentro de seu centro emocional inferior. Assim como ocorre com o Ponto 5 do Eneagrama para o centro mental.
Ao fim, a pessoa que possui a personalidade cristalizada no Ponto 2 do Eneagrama precisa compreender o seu verdadeiro estado de ser. Compreender que possui um centro emocional inferior e uma falsa personalidade, igual a todos os demais seres humanos aqui encarnados. Acima de tudo, que dificilmente alguém atinge essa compreensão por si só. Assim como a personalidade cristalizada no Ponto 9 do Eneagrama, terá uma longa jornada para concluir o que já se sabia. Que o universo é amor e colaboração. No entanto, sem realizar tal jornada dificilmente encontrará o verdadeiro centro emocional superior. Portanto, não terá a sua verdadeira conexão com sua alma. Enquanto a falsa personalidade reinar, tal pessoa sempre estará a mercê da sua ilusão em acreditar que sempre está atuando pela ação de seu centro emocional superior. Por isso se diz que humildade é a grande virtude do Ponto 2 no Eneagrama,
Contudo, humildade é a grande virtude válida a todas as personalidades cristalizadas em todos os pontos do Eneagrama. O Ponto 9 precisa ter a humildade de compreender que ele não é o todo e sim uma representação desse todo. O Ponto 8 precisa ter a humildade de que não é o único possuidor de poder. O Ponto 7 deve ter a humildade de que não cabe a ele resolver todo o processo criativo do mundo. O Ponto 6 será humilde em aceitar as incertezas do universo. O Ponto 5 ganha humildade em perceber que não pode responder a todas as questões. O Ponto 4 não deve se orgulhar por compreender o que é ser humilde. Por fim, o Ponto 3 compreender que ser humilde em seu ato heroico é, inicialmente, uma grande doação.
Para explorar mais
Homem Aranha e o aranhaverso – sobre a importância de se esforçar, ajudar os outros e, também, ser ajudado.
Aquele que ajuda os outros simplesmente porque deveria ajudar e porque é a coisa certa a se fazer, é, sem dúvida, um super-herói
Stan Lee –
Madre Teresa de Calcutá – “Não usemos bombas nem armas para conquistar o mundo. Usemos o amor e a compaixão. A paz começa com um sorriso”. Exemplo de quem não ficou simplesmente no sentimentalismo. É uma figura interessante de estudar, pois, não escondia suas sombras. Ao contrário, soube enfrenta-las com persistência e determinação.
Superman – O cara poderia estar curtindo uma praia, mas, sempre está disposto a salvar uma terra que nem é o planeta dele. Deu ruim? Chama o Superman que ele resolve pra você. O verdadeiro ubermensch de Nietzsche.
Jesus Cristo – O grande mestre do Ponto 2 no Eneagrama. Em uma de suas passagens diz que “dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. E que é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos céus”. “Sendo assim, quem pode ser salvo?” (Mateus 19). Aqueles que entenderem onde estão depositando a sua riqueza. Aquele que é rico em sua falsa personalidade nunca entrará no reino do céu.
Por fim, lembro de uma parábola que um grande mestre uma vez sonhou estar as portas do céu. Nisso viu imensas filas. Percebeu assim o tão longo demoraria para que cada alma pudesse entrar neste lugar sagrado. Porém, observou uma porta da qual não havia fila. Assim, perguntou a um anjo por que da ausência de filas naquela porta. Será que estava quebrada? O anjo prontamente respondeu que não. No entanto, aquela era a porta da humildade e que poucos conseguiram passar por ela.
Uma ótima semana de estudos a todos vocês
Lauro Borges