Saber é poder. É também o saber que permite aprender com os erros e não mais repeti-los. No entanto, saber não é conhecer. Outrossim, é compreender as coisas e suas ideias. Saber é o que impede que as ações sejam feitas de forma randômica. Ao contrário, permite que as ações sejam conduzidas de maneira ordenada e assertiva. É o que lhe permite agir de forma consciente para obter um resultado desejado, e também consciente.
Não há consciência sem o saber
Na nossa jornada pelo raio da criação pelo Eneagrama, encontramos no Ponto 6 o “perigo”, o risco de existir. Também a percepção de que somos responsáveis pelas escolhas que fazemos em nosso processo de cocriação. Haverá sempre riscos, incertezas e medos em todas as escolhas que fazemos. No entanto, o domínio do saber oferece segurança. Logo, quem domina o saber também possui poder. Assim, conhecimento torna-se um valor no universo. Portanto, esse é o tema do Ponto 5 do Eneagrama.
O Ponto 5 do Eneagrama traz consigo a compreensão de que muitos de nossos medos e inseguranças são frutos da ignorância. Como se diz no ditado popular: “a iguinorança que atravanca o pogresso”. Em outras palavras, quando não temos a clareza mental do que estamos fazendo, somos guiados por forças inconscientes. Entre tais forças estão o medo e a raiva, como emoções básicas e instintivas. Porém, também somos conduzidos por forças automáticas presentes no raio da criação. Entre tais forças está a dualidade e o medo da transformação. Ou seja, o receio de deixar de existir em um universo dinâmico, em constante transformação. Por isso se diz no Eneagrama da personalidade que a virtude do Ponto 5 é o não apego.
Agir com o saber é estar consciente
A clareza mental do Ponto 5 elimina qualquer dúvida em relação ao plano da existência. Tal clareza permite perceber toda a relação cósmica entre as forças que afirmam e que negam. Mais do que isso, o saber do Ponto 5 do Eneagrama compreende o entendimento do que funciona e o que não funciona. Portanto, compreende o que é apropriado para cada situação. Por quantas vezes cometemos os mesmos erros esperando resultados diferentes? Então, para ser assertivos é necessário entender o cenário e dominar o conhecimento da matéria que se pretende manipular.
Contudo, há diferentes tipos de saber. O primeiro tipo de saber é o saber concreto, tácito e instintivo. Tal saber não necessita de conhecer teórico mental e abstrato. Somente necessita de um conhecer prático que simplesmente apresenta os resultados. Porém, esse conhecer não nos explica a verdadeira relação causal presente em um evento. Assim, alguém pode dizer que o Sol nasce porque um deus puxa sua carruagem todos os dias. Apesar de tal explicação parecer absurda nos dias de hoje, é suficiente para compreender que o Sol nasce todos os dias seguindo um ciclo astronômico. Se agora dizemos que o Sol nasce porque a Terra gira, não altera o fato de que o Sol nascerá dentro de um ciclo de 24 horas. Portanto, qualquer explicação cientificamente correta não altera o resultado final, concreto e observado sobre isso.
Assim, o primeiro domínio científico do ser humano vem desse saber instintivo. Porém, é fácil notar que, apesar de ser útil, é um saber limitado. No entanto, muitas vezes é mais do que suficiente. E é também necessário como forma de comprovação prática de uma teoria. Afinal, esse saber está vinculado ao concreto e diretamente observável. Por outro lado, basear-se somente no saber tácito pode facilmente gerar dogmas e tabus por não se conhecer as verdadeiras relações causais.
Um animal sabe que pode comer uma planta e outra não. Isso porque o animal aprendeu por diversas gerações o que é bom e o que não é bom para ele e seu grupo. Assim, o animal transmite esse conhecimento instintivo ao grupo que o recebe como um dogma de difícil questionamento. Afinal, questionar se tal planta venenosa pode mesmo ser comida é colocar a própria existência em risco. Então o saber torna-se uma proteção psíquica, pois, dentro desse saber é seguro. Ao mesmo tempo, questionar esse saber é inseguro.
O saber abstrato e criativo
O outro tipo de saber se desenvolve com a evolução humana e do próprio raio da criação. É o saber ligado ao conhecer teórico e abstrato. Este conhecer não está no óbvio aparente das coisas materiais. Está na capacidade de ver mentalmente o que não se vê. Tal capacidade permitiu o desenvolvimento da matemática, química e física. Porém, o saber abstrato está ainda mais sujeito as ilusões e fantasias da mente. Afinal, basta notar a quantidade de teorias malucas que foram derrubadas ao longo da história da ciência. Portanto, ciência não é absoluta e infalível. É somente um método que permite conhecer e teorizar a melhor explicação e que mais se aproxima da verdade até que uma teoria melhor surja.
Mas afinal, o que é o saber? Saber é mais que conhecer algo, pois, implica compreender conscientemente o conhecimento. Em outras palavras, saber é o próprio conhecimento encarnado. Para Gurdjieff, conhecimento é uma “matéria” tão real quanto o ar da atmosfera. Em sua cosmologia, Gurdjieff diz que o conhecimento é distribuído no universo, de tempos em tempos. Assim, o conhecimento dado a Terra é uma matéria disponível a quem ousar buscar. Contudo, ele alerta que não há disponibilidade para todos. No entanto, ele também minimiza tal situação pelo fato de que a grande maioria das pessoas não estão interessadas em obter o conhecimento.
Saber não é conhecer
O que chamamos de conhecimento corriqueiramente é o saber encarnado e elaborado por poucos que ousaram realizar. Tal conhecimento foi então materializado em livros e explicações. Porém, o passar do tempo faz com que todo esse conhecimento se torne algo mecânico. Para mim, essa é uma forma de Gurdjieff dizer que as pessoas não se esforçam para compreender realmente as coisas. Tratam o conhecimento como algo “fora de si” e repetem como se fossem um computador programado.
O Ponto 5 do Eneagrama traz na essência o saber encarnado. É o saber de quem lutou internamente para responder à pergunta que faz surgir a própria filosofia: a pergunta do “o que é”. Se no Ponto 6 há a tensão da dúvida entre a escolha do “isso ou aquilo”, no Ponto 5 vem a pergunta: o que é isso, o que é aquilo. Ainda mais, o que está por trás da dúvida entre “isso ou aquilo”? No entanto, a capacidade de responder a essa questão exige uma certa separação emocional. Tal separação é obtida com a criação de um observador. É esse observador imparcial, fruto de uma mente clara, que é capaz de mostrar a verdade para a consciência. Além do mais, somente a consciência é capaz de receber a tensão do conflito dos opostos (da totalidade) sem sucumbir a um dos polos.
Assim, a essência do Ponto 5 do Eneagrama trás essa capacidade de “ver a verdade” que inclui o próprio sujeito que observa. Afinal, o observador não está identificado com o próprio sujeito. Porém, a falsa personalidade do Ponto 5 faz com que ele se torne identificado com o ponto imparcial do observador. Entretanto, não há mais o conhecimento encarnado. Tudo se torna conceitos mentais abstratos, totalmente separados do centro físico e emocional.
Na verdadeira personalidade do Ponto 5, há a compreensão da relação entre o que se observa e o que é observado. Contudo, entende-se que a observação tem como fim ser utilizada para o ato de autoatualização. Logo, se vejo eu o que sou e, vejo o que eu não sou, de forma imparcial, sou capaz de notar o que posso fazer em mim e o que posso fazer no mundo além de mim. Ou seja, é possível compreender e encarnar a ação mais assertiva.
O saber necessita do conhecimento encarnado
Porém, a falsa personalidade do Ponto 5, por estar totalmente desencarnada, fica numa eterna luta de busca teórica, por um conhecimento absoluto, que lhe traga segurança. Afinal de contas, a mente é ilimitada em sua capacidade imaginativa. Bem como provê o conforto da ausência do enfrentamento das próprias tensões físicas e emocionais, tão necessárias para atuar na vida. Portanto, o que se chama de avareza no Eneagrama da personalidade para o Ponto 5 é, na verdade, essa incapacidade do centro mental de se conectar com a vida. Essa separação artificial e imitativa da verdadeira capacidade de auto-observar e autoatualizar.
Assim como a falsa personalidade do Ponto 8 do Eneagrama se identifica excessivamente ao centro físico, a falsa personalidade do Ponto 5 se identifica excessivamente ao centro mental. Essa fuga as abstrações da mente não passam de uma busca por proteção. Assim como a falsa personalidade no Ponto 8 tende a usar o controle físico, o Ponto 5 tende a se proteger pelo controle mental. Dessa forma, tudo que lhe acontece já está devidamente “compreendido” e “planejado”. O que difere dos dois é que a falsa personalidade no Ponto 8 ainda lembra que o “poder de ser” reside em si. Enquanto isso, a falsa personalidade do Ponto 5, atribuirá o poder ao conhecimento, ao poder de saber.
O Ponto 5 do eneagrama está muito afastado do ponto inicial do raio da criação. Ainda mais, é o ponto que apresenta a transição entre o lado direito e esquerdo do próprio Eneagrama. Tal divisão é separada por um abismo. Tal abismo representa o abismo do inconsciente. É nele a residência de todas as sombras e conteúdos rejeitados da psique. É verdadeiramente um “poço sem fundo” do qual não é possível travessia sem a introdução de auxílio exterior. Ainda mais, não há conhecimento exterior no universo que resolva essa questão. Essa é uma travessia que exige sacrifício pessoal e a coragem de conhecer a si. E tal sacrifício só é possível estando presente em si, encarnado de fato, pagando pelo preço da própria existência.
Quando você não encontrar mais nenhuma resposta para o que procura, nenhum conhecimento mais poderá te saciar. Porém, restará uma emoção. Uma emoção superior de que há algo maior que sua própria existência. Que há um propósito para a vida e suas transformações. Essa emoção é a transição do ponto 5 para o Ponto 4. É a travessia do buraco e dos hemisférios direito e esquerdo do Eneagrama. É uma conexão ao centro emocional superior. Não será mais a mente que te conduzirá além da falsa personalidade. Isso só é possível abraçando as emoções. O centro emocional superior sabe o que é bom para você e para os outros. É essa balança em seu coração que sabe pesar seus atos e separar o joio do trigo.
Desenvolva corretamente seu observador
O verdadeiro observador no Ponto 5 do Eneagrama tem a capacidade de aprender sem se identificar. Ou seja, não se apega aos próprios erros e falhas. Porém, a falsa personalidade falha em torna-se separada do mundo. Como se o distanciamento do observador fosse o próprio indivíduo. Essa perspectiva que lhe permite uma imparcialidade e, a conhecer o universo, também o torna um poço de ilusões por se desconectar da realidade como ela é. O total distanciamento não só provoca um distanciamento emocional. Também torna um distanciamento do próprio corpo, de sua corporalidade , de seu aterramento. Em outras palavras, da sua própria capacidade de experimentar e existir. Tudo isso ainda está ligado ao medo do erro, da escolha, do julgamento. O medo da capacidade de criar a si, de cocriar no universo.
Por fim deixo esse trecho do livro Realidade do Ser de Mme De Salzmann
O homem permanece um mistério para si mesmo. Ele tem uma nostalgia por SER, um anseio por duração, por permanência, por absoluto – um anseio de SER.
No entanto, tudo o que constitui a sua vida é temporário, efêmero, limitado. Ele aspira a uma outra ordem, uma outra vida, um mundo que está além dele.
Ele sente que está destinado a participar nele.
Ele procura uma ideia, uma inspiração, que poderia movê-lo nesta direção.
Surge como uma questão: “ quem sou eu- quem sou eu nesse mundo?”. Se essa questão se torna suficientemente viva, ela poderia direcionar o curso de sua vida.
Ele não pode responder. Ele não tem nada com que responder – nenhum conhecimento de si mesmo para ficar diante dessa questão, nenhum conhecimento seu próprio.
Mas ele sente que deve acolhê-la. Ele pergunta a si mesmo o que ele é.
Esse é o primeiro passo do caminho. Ele quer abrir seus olhos. Ele quer despertar, acordar.”
Mme De Salzmann
Para entender mais:
Sidarta Gautama (Buda) >> talvez o mais icônico mestre do Ponto 5 do Eneagrama. Toda a filosofia budista de não apego reflete justamente os ensinamentos da virtude do Ponto 5 do Eneagrama.
Friedrich Wilhelm Nietzsche >> um dos pensadores mais influentes da modernidade. No entanto, seu trabalho e sua vida refletem justamente um excesso de idealização de quem deu mais atenção a mente e negligenciou todo o resto. Não deixa de ter boas reflexões em seus pensamentos. Entre estes está o conceito do “super homem”, do eterno retorno e da vontade de poder. Muito similar aos próprios ensinamentos de Gurdjieff e da filosofia do Quarto Caminho.
René Descartes >> O “pai” do cartesianismo que permitiu modernizar a forma do pensar ciêntífico. Hoje muitos atribuem as mazelas da modernidade ao pensamento cartesiano que separou corpo e espírito. Mas será que o problema está em Descartes ou em quem o copiou?
Sherlock >> Uma nova versão de Sherlock Homes onde é possível se divertir com a tremenda capacidade analítica do Ponto 5. Vale a pena ver a ótima atuação de Benedict Cumberbatch. Por vezes soa incrivelmente fantasioso e impossível tanta percepção sobre a realidade. Porém, nada é impossível para uma mente clara, de um observador imparcial e atento.