O inconsciente não pode ser acessado diretamente. No entanto, isso não significa que não podemos ver suas projeções. Estar inconsciente é não ter o conhecimento, ou seja, é o oposto de ter conhecimento sobre algo. Logo, o inconsciente é algo que não existe somente para quem não o vê. Em outras palavras, é como as cores da luz. Não a vemos senão quando projetada em determinados objetos. O arco íris mostra as cores da luz. Então, quando damos conta da existência do inconsciente também notamos que é tão vasto e infinito quanto o saber consciente.
Trabalhar o inconsciente exige uma preparação. Afinal, podemos facilmente mergulhar em um mundo de fantasias onde nada mais faz sentido. Ao mesmo tempo, ir ao inconsciente e não saber o que fazer com isso é o mesmo que cursar uma faculdade por anos e não saber o que fazer com o conhecimento obtido. Portanto, não há necessidade de viver de inconsciente. Contudo, Gurdjieff dizia que uma pessoa mecânica vive conduzida pelo seu inconsciente. O que uma pessoa mecânica chama de consciente é na verdade o seu inconsciente e vice-versa. Isso significa que muitos de nossos padrões e hábitos são forças do inconsciente. Todavia, se perguntar a consciência sobre tais padrões, esta responderá.
O fato é que precisamos estabelecer uma comunicação harmônica entre essas forças. Jung compreendeu muito bem essa questão. A meu ver, Gurdjieff estabelece a visão clássica e oriental do desenvolvimento da psique. Com o tempo e com suas buscas ele reconhece a complementariedade dos métodos psicológicos ocidentais. Jung faz justamente o caminho inverso. Sai de uma visão eurocêntrica e ocidental para encontrar o que tanto buscava no oriente: a espiritualidade e o acesso ao inconsciente.
Na semana passada eu estive com um pequeno e formidável grupo de amigos e amigas. Realizamos um trabalho de quatro dias envolvendo justamente essa conexão entre o consciente e o inconsciente. É normal que após alguns dias ainda sinta uma presença maior do inconsciente. Por vezes vem sonhos coloridos, histórias e imagens oníricas. Por vezes eu sinto vontade de escrever textos e alguns poemas. Então, achei por bem dar essa pequena introdução aos poemas que publico abaixo.
Esses poemas são frutos de trabalhos assistidos ou onde pude auxiliar a pessoa nessa condução ao inconsciente. Escrevê-los me traz uma mistura de sentimentos. Por parte é uma diversão. Também é uma maneira de incorporar a vivência dos outros em minha própria história. Afinal, fazemos parte da mesma humanidade. Escrevi sete poemas. Alguns deles são facilmente identificados pela história por quem esteve presente. Outros eu não sei dizer exatamente de onde vieram. Melhor, dizer: “o sonho é o do sonhador”. A arte, poesia, dança e todas essas manifestações espontâneas possuem a capacidade de furar os bloqueios racionais da mente. Não espero grandes críticas literárias. Estou longe de me considerar um poeta. Entretanto, compartilho essas histórias de coração.
Capela dos ossos
Andando sobre os ossos
O novo e o velho
A experiência e sabedoria antiga
Também os erros do passado
Andam lado a lado
O velho que cansado já estava
Sentindo saudades de suas forças
Seus ossos em desejo de repousar
Junto ao pó que pisava
Suas forças tornaram-se lembranças
Lhe restou somente a possibilidade
De que sua vontade ainda viva
Fosse assim transmitida ao novo que vida tinha
Os ossos ainda falam
Pela força dos antepassados
Que com garra aqui chegaram
Permitindo assim sua vida
Experimentar sua existência
O novo pouco sabe
Do sofrimento sob seus pés
Para ele há toda a perspectiva
Que o futuro lhe aponta
Não há novo sem o velho
E nem há velho se há o novo
Tudo em um círculo interligado
Em um desenho infinito
Repetição do passado são tão necessárias
Quanto recriar o seu futuro
Entre o velho e o novo surge um sábio
Que o erro ele purga
Buraco
Lhe falta uma carta
Para deitar sua canastra
Vai ao lixo
Buscar tua batida
Uma tensão lhe guia por tua própria ação
Devo buscar tanto lixo para sair desse buraco?
Devo simplesmente seguir minha sorte sem bater minha canastra?
Ao que tenta o peso do lixo em suas mãos
O azar pode lhe trazer a boa sorte
Como também a boa sorte o azar
Ninguém é dono de seu destino por sua vontade
Mas quem não tenta mais longe fica
Melhor arriscar que ficar preso em um buraco
Julgamento
A vitima e o sicário
Foram ao julgamento
Onde lhes mandaram
Despir suas vestes
Primeiro as roupas e depois a pele
Das roupas saíram toda a armadura
Para cumprir um confessionário
Um igual de muitos fatos
Mas nada alarmante que todos não soubessem
Porém a pele desnuda a todos revelava
A verdadeira história ali marcada
Cicatrizes tão profundas
Mais velhas que o fato acusado
Mostrava a pele a brutalidade da vítima
Mostrava a pele a fragilidade do sicário
O juiz não satisfeito ordenou mais um ato
Que se retire a pele e exponha as entranhas
Que se mostre os verdadeiros fatos
Dentro desses corpos nada foi encontrado
Ente tripas e sangue já nada se diferenciava
Aludido da perdição criada
Pelo seu desejo de chegar aos fatos
Ordenou então que os dois assim fossem desencarnados
Em um leve sofrimento
Duas almas levitavam
Anjos em alaridos
Diabos rebuscados
Ao fim coube ao juri
Por matéria aos fatos
Se perguntar minha idade direi
Se perguntar minha idade direi
Se perguntar minha idade direi
Esse é um fato raro em nossas vidas
Dizer algumas verdades
Sobre si e sobre o outro
Nem tão difícil é dizer as mentiras
Essas saem como o ar da respiração
Tão mecânica quanto a própria existência
Mas dizer o que queres ouvir
Depende se devo dizer o que queres ouvir
Ou a verdade
Vislumbre do divino
Estou assustado, vi um humano!
Estou com medo , vi um humano!!
Vi um humano!!!
Não irão acreditar em mim
Ninguém acredita em quem vê humanos
Ela era tão bela, tão provocante
Vi um humano
Tão forte seu corpo
Tão bela sua alma
Era jovem, velho e novo
Um assassino em compaixão
Uma vítima que atirava
Um cão que lhe guiava por tua cegueira
Não estou delirando!
Ou estarei enganado?
Juro que vi um humano
Carregava em si todas as luzes da criação
A pureza da criança
O amor de mãe
A sabedoria de um iluminado
Que medo me deu em ver tal figura assustadora
Com suas armas e desejos
Provocando destruição
Morte pela vingança
Poder para satisfazer seus vícios
Vi um humano…
Ainda pior !
Ele me apareceu em um espelho
Uma visão bizarra
Um deus ou um diabo que pouco dizia
Vi um humano andando em cacos de vidro
Sob o sol do meio dia
Rumo a lua
Rumo as estrelas
Não o vi mais
Adormeci
Varão
Viril aqui estou
Perante a natureza
Sou Marte, Apolo e Zeus
Domaste o cavalo
Fundiste o ferro
Ginete indolente
Que a tudo dobra
Minha potência é uma luz
Defende a minha liberdade
Que em meu ser brilha
Pela força da espada
Sangue que jorra de meus oponentes
Somente honram minha força
Até que o pior dos deuses
Venha buscar minha virilidade
Nada sobrepõe ao tempo
Cruel a todos os fortes
Faz dobrar o viril ao campo da libitina
O corpo estendido já não tem virilidade
Porém rijo está petrificado
Pelo doce beijo da morte
O decesso carrega um pesado fardo
Uma tristeza inigualável
De uma vida sem harmonia
Onde a virilidade não encontrou
Espaço para a passividade
Dói mais ainda
Descobrir em minha consciência
Que minha liberdade era ser escravo
Do próprio viço
Esquece que tudo a natureza pertence
Incluindo os ciclos
Hora em pujante alegria
Por vezes em pleno retiro
Lhe resta ainda a pobre alma
A amizade de seu corcel
Pois o animal não julga o cavaleiro
Pelos atos de uma vida
Regras do jogo
A dor da escravidão
Não é maior que errar
Pela luta inglória
Na busca de se libertar
Justiceiro injustiçado está
Mundo insano
Mata o coveiro
Mata o curandeiro
Elefante que representa sabedoria
Assola em seu caminho
O que com o pé pisa
A cura que pelo fogo destila
Cria vícios e virtudes
No laboratório alquímico
Exposto em cada vida
Não é fácil ser justo
Muito menos não errar
Pior do que ser julgado pela multidão
É a culpa que sempre carrega
Ainda pior o desejo de vingança
Fazer ebulir o sangue
Leve a vida como a criança
Faça o que o coração mandar
O erro faz parte do caminho
Que o Criador nos pôs a trilhar
Não foi você que inventou as regras desse jogo
A ti cabe aprender a ganhar de si mesmo
Inspirado e inspirador