Possuímos duas naturezas. Isso é uma verdade que pode ser facilmente observada. Além que não exige muito esforço e nem entendimento para poder enxergar essa realidade. A primeira natureza é pessoal, uma natureza individual. Podemos acessar essa natureza individual por nossos órgãos de percepção. Ao mesmo tempo, é uma realidade orgânica e psíquica. A segunda realidade é o que experimentamos por participar em algo muiito maior do que a nossa percepção de indivíduo ou mesmo de simples coletivo de indivíduos. É uma realida espiritual, universal e transcendental.
A primeira realidade individual é parte de um desdobrar de uma cadeia de eventos da criação. É originária de um nível mais alto e deságua em diversas formas de manifestação. Dessa maneira, podemos chamar de um movimento involucionário. O outro fluxo existente pode ser chamada de espiritualidade. Nasce de formas manifestas que buscam retornar à fonte (a “Deus”). Portanto, é um fluxo evolutivo, oposto ao fluxo involutivo.
Temos necessidades de trabalhar em ambos aspectos de nossa alma. Se somos um espírito que evolui, esse precisa de evoluir a partir de um ponto menos involuido. Caso contrário não há possibilidade de evolução. Precisamos “não ser” para poder ser e então tornar ser. Você não pode se transformar naquilo que você já é. Então, estar aqui nesse mundo material faz parte de um processo que permite gerar esse potencial de desenvolvimento.
Porém, pode ser que essa segunda realidade espiritual nem venha a existir além de uma camada psicológica humana. No entanto, ainda assim possui grande valor como potencial de trazer progresso ao ser humano. Perceba que a natureza cuida a sua maneira dos animais que estão presos a primeira realidade individual. Todavia, esses seres são escravos passivos dos caprichos da natureza. Pouco podem fazer quanto a doenças, pragas, fome ou disputas territoriais.
Já o ser humano não pode mais viver como um animal tutoriado pela natureza. Contudo, a sua segunda realidade é também a realidade que lhe nutre de moral e ética. E é esse corpo moral que precisa evoluir para que tenhamos cada vez mais condições de lidar com as evoluções tecnológicas e desafios de uma super população. Caso contrário, não vamos passar de animais superdotados de poder que colocam todo o jogo evoluitivo humano em risco. Pior ainda, todo um eco sistema de seres ainda menos consciêntes.
Por isso precisamos aprender como desenvolver a segunda realidade humana. Essa realidade não se desenvolve da mesma forma que a primeira realidade. Não basta ir a escola e fazer cursos. É necessário uma segunda educação. Precisamos aprender sobre métodos que permitem criar compreensão. Métodos que permitem realizar o trabalho em nossa segunda realidade.
Dessa forma, a evolução interior só pode acontecer quando o trabalho interior é posto em movimento por uma consciência genuína de nossas inadequações e falhas. Gurdjieff costumava dizer da necessidade de tocar o nosso nada. Porém, junto com isso vem o desconforto inerente do contato de nossa segunda natureza.
Soma-se ao desconforto pela nossa negligencia e esquecimento de nossa segunda natureza provocada principalmente pela nossa primeira educação. Também pelas contradições e conflitos internos que esse ressurgimento traz a luz. Nada é dado de graça. Então, aceitar esse desconforto inevitável é o primeiro pagamento que a pessoa deve fazer quando sai em busca de si.
Nessa busca, também existe o risco de oscilar entre uma “bem-aventurança apatetada” que ignora deliberadamente o desconforto e uma espécie de masoquismo que dá excessiva importância indevida a mesma. Tal excessiva importância também é chamada de angústia metafísica. No entanto, a única atitude certa é estar em algum lugar entre esses dois sentimentos. Para reconhecer a segunda natureza é necessário a inquietação e de nossos conflitos internos como se apresentaram. Somente assim podemos nutrir esperanças de resolvê-los.
Devemos aprender a se por entre esses dois mundos sem cair rapidamente no ato mecânico pela busca da auto calma. Aos poucos devemos remover o efeito dos amortecedores piscologicos que nos impedem de perceber a nossa realidade interior.
“O homem participa da totalidade da vida terrestre: é um de seus elementos, talvez o principal, e o estudo do seu significado é indissociável do estudo de si mesmo.”
Toward Awakening, Jean Vaysse
Assim, uma pessoa vê esses vários estados indo e vindo em si mesmo de uma maneira aleatória. Muitas vezes a percepção desses estados escapam de nossa atenção completamente. Porém, certas coisas se desenvolvem em nós ainda que no meio de tudo isso.
Então, por onde podemos começar? Simplesmente de um profundo questionamento. Da necessidade de uma resposta.Da intuição de que essa resposta realmente existe e da evidência de que se quisermos ir nessa direção, devemos extrair de nossa vida cotidiana as energias e o tempo necessários para executar esse trabalho.
Devemos empreitar uma pesquisa inteiror que identifique nossas partes que estão conectadas com os modelos de simples imitação e as partes que são conectadas a nossa verdadeira essência.
Deixo uma alusão que pode auxiliar o entendimento do trabalho em termos práticos. Reconhecer o trabalho interior é como retornar a sua casa após uma longa jornada de ausência. No entanto, essa casa ficou abandonada a mercê da ação de intempéries e de vândalos. Ao chegar em sua casa você percebe que a mesma está em ruínas. Você terá de decidir o que fazer. Fingir que nada aconteceu, habitar essa casa como um mendingo ou simplesmente reconhecer os fatos e se por a trabalhar. Se trabalhar for sua decisão, você terá que ver o que lhe restou de útil, separar o que pode ser reusado, jogar fora o que não serve e trazer novos materiais.
De qualquer forma, a esperança somente surge quando abandonado o desespero.
Uma ótima semana de estudos para você
Lauro
PS: essa série de textos está baseada em notas, trechos e comentários da obra “Toward Awakening: An Approach to the Teaching Left By Gurdjieff” de Jean Vaysse, Lord John Pentland.
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