As cinco obrigações espirituais e os cinco obstáculos

No artigo anterior falamos sobre os cinco obstáculos espirituais de acordo com os ensinamentos de Buda. Caso não tenha lido pode acessar por aqui. A presença dos cinco obstáculos é uma verdade observável que independe de sua crença, religião ou filosofia. Portanto, é um método muito útil que torna a auto-observação muito mais concreta, menos abstrata. No entanto, Gurdjieff se considerava muito mais um Iogue do que um monge. Assim, ele era avesso a necessidade de sacrifícios além do necessário para realizar o trabalho interior. Dessa forma, Gurdjieff pregava somente sacrificar o necessário e não perder tempo e esforços tentando sacrificar o que não é necessário. 

Psicologia oriental se difere da psicologia ocidental

Da mesma forma, Gurdjieff entendia que a psicologia ocidental é diferente da psicologia ocidental. Pode-se dizer que a espiritualidade do ocidente possui a imagem do herói que voluntariamente se sacrifica para o bem maior. Essa imagem está presente nos antigos ritos e cultos a Dionísio pelos gregos, ao culto de Adônis e Osíris pelos egípcios. Assim como na passagem do mestre Jesus como o último dos deuses sacrificiais.  

Por outro lado, o oriente possui a imagem do monge que se retira da vida em anulação de seu ego. É a imagem de quem se entrega voluntariamente ao próprio silêncio e vazio interior como em Buda ou pela disciplina e auto aperfeiçoamento como no caso de Confúcio. É o caminho da anulação do ego pelo “não-fazer”. 

No entanto, as duas abordagens exigem o mesmo tipo de sacrifício final. Exigem o sacrifício do que foi construído externamente para fazer crescer algo mais profundo internamente. Todavia, dependendo da cultura que nos permeia, uma abordagem pode ser mais fácil ou mais difícil de ser realizada. Assim, a cultura ocidental possui facilidade se damos ao ego uma tarefa a ser realizada do que se tentamos torná-lo um “ninguém”. Ao fim o ego saberá que é um “ninguém”. No entanto, isso ocorre dentro de um processo de entrega voluntária e autotransformação que vai se aprofundando à medida que subimos nas oitavas.

Seja comprometido com suas obrigações

Dessa forma, Gurdjieff descreve em “relatos” que devemos praticar os cinco esforços de obrigação (obligolnian strivings) como a seguir:

Todos os seres deste planeta então começaram a trabalhar para ter em sua consciência a função Divina da consciência genuína, e para este propósito, como em todo o Universo, eles transubstanciaram em si mesmos o que são chamados de ‘esforços-do-ser-obrigatório'(obligonian strivings).  que consistem nos cinco seguintes, a saber:

 “O primeiro esforço: ter em sua existência ordinária tudo o que é satisfatório e realmente necessário para seu corpo planetário.

 “O segundo esforço: ter uma necessidade instintiva constante e incansável de autoperfeição no sentido de ser.

 “O terceiro: o esforço consciente para saber cada vez mais sobre as leis da criação e manutenção do Mundo.

 “O quarto: empenhar-se desde o início de sua existência em pagar o mais rápido possível seu surgimento e sua individualidade, para depois sermos livres para iluminar o máximo possível a dor de nosso PAI COMUM.

 “E o quinto: empenhar-se sempre em auxiliar o mais rápido aperfeiçoamento de outros seres, tanto os semelhantes a si quanto os de outras formas, até o grau do sagrado ‘Martfotai’, ou seja, até o grau de individualidade.  

Gurdjieff – Relatos de Belzebu para seu neto

Obrigações podem lhe ajudar

Podemos ver que cada esforço funciona como um antídoto aos obstáculos de Buda. É como se Gurdjieff tivesse feito a sua própria fórmula de condução para enfrentar diariamente os obstáculos mentais que carregamos. Porém, Gurdjieff os expõe como obrigações a serem observadas. Uma obrigação é um “juramento do iniciado”. É algo para se comprometer com toda a determinação, fé e amor possível. No entanto, não é algo infalível. Ao contrário, iremos falhar miseravelmente muitas vezes em cumprir nossas obrigações. Entretanto, mesmo a falha ensina o que somos se estamos praticando a presença e auto-observação.

Assim, obtemos uma afirmação propositiva para o ego ao invés de “negar o ego” pelo caminho da psicologia ocidental. O ego passa a fazer um papel definido e limitado. Tem uma função e prazo com validade contada. Dessa forma, não precisamos abster totalmente dos prazeres da vida. Ao contrário, devemos aprender a usar e desfrutar o que temos de forma consciente e harmoniosa. Gurdjieff não usa o termo ego em seus textos. Ele usa personalidade, falsa personalidade e essência. Para ele o que mais importa é saber fazer todas as partes funcionarem harmoniosamente. 

Vejamos como fica a contraposição dos cinco obstáculos aos cinco esforços de obrigação.

Obstáculo 1 – desejo sensorial x Esforço 1 – satisfazer o que é realmente necessário

Note que Gurdjieff não define o que é satisfação necessária. Ao mesmo tempo, é fácil concluir que não adianta buscar nenhuma satisfação além da necessária. Dessa forma, não há uma negação aos prazeres da sensação. Porém, há um uso consciente do mesmo uma vez que não há um fim às demandas de satisfação. Porém, o prazer como a recompensa do esforço justo funciona como uma forma de motivação e realização.

Obstáculo 2 – vontade-doente x Esforço 2 – autoperfeição do Ser

Se nos comprometemos com o caminho de auto aperfeiçoar teremos de imediatamente saber lidar com críticas e divergências. Afinal, já se parte do princípio que se buscamos a perfeição é porque somos imperfeitos. Logo, se somos imperfeitos precisamos aprender sobre nossas imperfeições primeiro. Além disso, precisamos aprender como transformar nossas imperfeições em algo melhor. Então, não há espaço para defender o que “gostamos” e rejeitar o que “não gostamos” se tais coisas nos afastam da busca constante pela autoperfeição.

Obstáculo 3 – Preguiça e torpor x Esforço 3 – Saber cada vez mais sobre as leis

Só é possível fazer crescer a vontade de “sempre querer saber cada vez mais” se temos curiosidade. A curiosidade traz com ela a jovialidade, o espírito curioso da criança. Esse conhecer não é o mesmo conhecer intelectualizado da nossa sociedade mental. É o conhecer pela experiência e vivência. É um conhecer de fato. A curiosidade em querer experimentar, descobrir e revelar cada canto de seu verdadeiro Ser é o melhor remédio para a ausência de motivação.

Obstáculo 4 – Inquietação e preocupação x Esforço 4 – Pagar pela sua existência

Nada melhor do que dar um objetivo a mente para que a mesma consiga focar no que é necessário. O compromisso com o esforço de pagar pela sua existência é um direcionador poderoso. Veja que sacrificamos diariamente a nossa mente ao colocá-la para trabalhar, objetivando ganhar dinheiro e pagar pelos nossos boletos. Porém, estamos sempre trabalhando para “alguém” que não é o nosso Ser. O Trabalho ganha total valor e importância a partir do momento que entendemos sobre a importância em trabalhar para o seu Ser.

Obstáculo 5 – Dúvida x Esforço 5 – Empenhar-se em ajudar os outros

Transforme o obstáculo da dúvida sobre a existência de um caminho em ajudar os outros. Nada é mais prazeroso do que receber um agradecimento sincero de alguém que conseguimos ajudar. Você pode estar se sentindo um lixo. Você pode não acreditar em nenhuma força superior, em uma nova existência ou transformação. No entanto, quando nos dedicamos de coração em ajudar alguém, sem a menor pretensão de receber nada em troca, automaticamente recebemos um pagamento por isso. Vale também ressaltar a importância em trabalhar em um grupo onde podemos tanto ser ajudado quanto ajudar.

Na semana passada sugeri que fosse observado como os cinco obstáculos aparecem em sua vida. Agora você pode buscar aplicar as “Obrigações” de Gurdjieff, caso tenha realizado pelo menos parte da tarefa anterior. Se você escolheu observar um dos obstáculos, tente usar o seu compromisso com a obrigação correspondente. Depois compartilhe com seus colegas de jornada. 

Um ótimo fim de semana de estudos para todos!

Lauro

Deixe uma resposta