Tudo tem um preço na vida. Não há almoço grátis. Tudo que existe está servindo a algum propósito maior ou menor. Por isso, evoluir exige um pagamento também. E este pagamento se faz com sacrifício. Este é um consenso bastante antigo e presente em praticamente todas as religiões. A questão é: sacrificar quem, ou melhor, o quê, e como? Então, se quer pagar pela sua existência, entenda este conceito.
Abraão, o pai das religiões judaica, cristã e muçulmana
Uma maneira de entender a história do sacrifício é pela leitura da Bíblia. Temos que a história de Abraão, o excelso pai, o grande fundador do patriarcado, passa por uma grande demonstração de fé e sacrifício. Fazendo essa longa história curta, Abraão ouviu Deus que lhe pediu para levar seu filho a uma montanha. Esse filho único foi um fruto de anos de espera e lhe era o bem mais precioso. Então, no caminho ele ouve que seu filho deve ser sacrificado. O que ele decide realizar apesar do grande conflito interior. Ele confia e entrega a Deus o que lhe é pedido. Isso é feito com sofrimento e dor, muita dor. O fim da história acabou bem, “graças a Deus”. No momento em que Deus tem a prova da lealdade de Abraão ele o instrui a sacrificar um cordeiro. Assim, acabou bem para seu filho, mas não para o pobre animalzinho.
Mas antes de discorrer sobre sacrifícios de animais, vamos entender a história de Abraão. Aqui não cabe a discussão se ele tinha tomado um chá de cogumelos (o que pode ter acontecido) ou se realmente Deus exigiu isso dele. Nem se sabe verdadeiramente se Abraão existiu. No entanto, a lenda e sua mensagem é que importa. E é uma mensagem tão forte que tornou-se raíz da religião judaica, cristã e muçulmana.
Essa história explica de forma dramática o que é sacrifício. Assim, podemos dizer que sacrifício é doar aquilo que mais ama, que mais gosta em honra a alguém. No caso, o sacrifício somente tem validade se há uma doação de algo verdadeiro e valioso. Se Abraão não gostasse de seu filho isso não seria um sacrifício. Para ele seria um prazer, uma solução, um motivo de orgulho e de agradecer Deus de lhe ter dado uma “saída” para aquele “problema”. A história somente é chocante e dramática porque em toda a sua preparação é contado o quanto Abraão teve de esperar pelo menino e o quanto ele o amava. Era algo de valor incalculável, inestimável a ele.
Cristo e o sacrifício do cordeiro
Gurdjieff explica em seu livro Relatos de Belzebu para seu neto que a vida orgânica tem como função a necessidade de emanar uma certa quantidade e qualidade de energia para a lua. Desta maneira, as energias do Criador podem percorrer toda a criação e manter o funcionamento do sistema solar. Assim, tal energia é liberada através do sofrimento. Com o passar do tempo , as pessoas pararam de executar o sacrifício de si. Assim, a vida passa a exigir que isso seja resolvido, pois, a nossa existência ainda que mecânica deve cumprir seu papel. A energia deve fluir para a lua.
Dessa forma, distorções e erros de julgamentos sobre um entendimento verdadeiro levou alguns a acreditar que deveriam sacrificar animais. Mas esse não é o sacrifício que nos é exigido como pagamento por nossa existência. Porém, a morte desses inocentes causam a liberação necessária da energia para a lua. Assim como as guerras e destruições por causar sofrimento. No fim das contas, o ser inconsciente não tem responsabilidade sobre o quê faz. Ele age para cumprir seu papel cósmico.
O personagem do livro, Belzebu, teria agido pessoalmente para ensinar que o sacrifício de animais não era necessário e criava mais obstáculos ao desenvolvimento do indivíduo.
“Enfatizei particularmente em minha pregação que não apenas não devemos destruir a existência dos seres de outras formas em honra do ‘Senhor Deus’, mas que, ao contrário, devemos tentar ganhar o favor deles e implorar a eles para não relatar ao ‘Senhor Deus’ nossos atos mesquinhos e malignos que cometemos involuntariamente.
“E esse meu acréscimo comecei a espalhar por todos os meios possíveis, é claro, com muito cuidado.
Relatos de Belzebu para seu neto
Logo, o sacrifício que devemos fazer está relacionado ao esforço dos grandes Santos. Cristo tornou-se o cordeiro de Deus. Ele sacrificou a si em honra ao pai. Enquanto Cristo estava no deserto recebeu a visita do demônio que lhe ofertou reinos, poderes, luxúrias. O mesmo aconteceu a Buda sob a grande árvore. Ambos entenderam o que deveriam sacrificar. Tal sacrifício estava dentro deles o tempo todo.
Mas o quê eu devo sacrificar?
O que devemos aprender a sacrificar é o que mais amamos. Logo, para isso você antes precisa conhecer a si próprio. Pergunte a si: Você sabe o que mais ama? Você pode dizer seu filho ou esposa, talvez seu cachorro. No entanto, o que mais amamos é a nós mesmos. Amamos de uma maneira egoísta. Idolatramos a nossa identificação com o amor próprio e a necessidade de auto-coitadismo e gratificação.
O auto conceito é tão forte no ser humano que fazemos dessa imagem um membro de nosso corpo. Pedir para alguém “deixar para lá ” algo que ele está identificado é igual a pedir para alguém deixar um braço ou uma perna para trás. Isso é impossível. Então, se você não te conhece de verdade irá querer sacrificar coisas erradas. Por isso pessoas fazem doações substanciais em dinheiro para instituições de caridade ou religiosas. Sente-se em débito e acham que aquelas ações externas materiais pagarão por suas existências.
Pague adiantado, mas pague certo
O sacrifício do bem errado não só deixa de lhe pagar pela sua existência como também torna-se uma ofensa a Deus. Se não é uma ofensa a Deus, é uma ofensa a sua própria existência e consciência. No entanto, ofender sua consciência é igual a ofender a Deus. Assim, ao invés de lhe ajudar, você está a atrapalhar seu desenvolvimento.
O que nos é exigido a sacrificar, o nosso bem mais querido, na verdade é um fardo. Mais que isso, é um fardo inútil, um nada. Devemos sacrificar o que é falso e negativo em nós. Devemos sacrificar o que não nos pertence verdadeiramente. a
Aprendendo a dispor do que não é nosso, e sim que foi em nós colocado. São os preconceitos da sociedade, os extremismos que dividem as pessoas em “eu gosto” /”eu não gosto”. É o nosso julgamento sem fatos, o ódio herdado, a falta de atenção ao próximo. A necessidade de sentir justiçado, de receber indulgências.
No entanto, para realizar esse sacrifício você precisa ver isso em você. Ver isso acontecendo em você. Além disso , você precisa se desencantar disso. Deve não mais querer sofrer como escravo na mão de algo que reconhece não ser parte de você. Somente a partir desse momento uma pessoa pode ser capaz de realizar um verdadeiro sacrifício valoroso. Suficiente para começar a pagar pela sua existência.
O primeiro grande sacrifício é aceitar a verdade: não podemos fazer
Há um relato em que Ouspensky ensinava sobre sacrifício aos seus alunos. Uma aluna pediu exemplos mais concretos. Ele perguntou qual objeto ela dispunha de maior valor sentimental. Ela respondeu que se orgulhava de um conjunto completo de cha muito antigo que estava a tempos em sua família. O conjunto era ainda perfeito, sem nenhuma peça faltando ou com defeito. Ele então disse para ela pegar uma xícara e deixar cair no chão. No encontro posterior do grupo a aluna caiu em prantos relatando que não conseguiu fazer o que lhe foi pedido. Ela segurou a xícara mas não podia deixar a mesma ir.
Ouspensky não desejava que ela realizasse o ato. Ele queria mostrar a ela exatamente o que é apego e identificação. Assim como não é quebrando xícaras ou doando bens que iremos evoluir. Isso pode até acontecer, mas, só é verdade a poucos que entenderam e aceitaram o grande sacrifício. Uma das regras do sacrifício é que ninguém deve tentar fazer algo que se arrependa profundamente depois. O sacrifício é voluntário, uma necessidade interior que nasce do entendimento. Ninguém é obrigado a se sacrificar. Porém, aquele com entendimento sabe que precisa fazer.
Sacrifique suas ideias primeiro
O primeiro grande sacrifício é justamente aceitar o que se é. Além disso, entender que não se muda da noite para o dia. Se tivéssemos o poder da transformação bastava assim desejar para realizar. Então, o primeiro grande sacrifício está em abandonar os conceitos que temos das coisas e sobre nós. Somente assim, um novo conceito pode iluminar o verdadeiro caminho.