Trabalhar com as emoções negativas é a parte mais difícil que se pode realizar dentro do trabalho. Mas há um “X” que pode lhe ajudar nisso. Afinal, esta é a parte que nos fornece o verdadeiro valor de qualquer trabalho de crescimento individual, seja este um trabalho psicológico ou espiritual. Uma das grandes dificuldades está em designar, compreender e diferenciar as emoções negativas de outras impressões. Reconhecer essa diferença permite diferenciar quando observamos informações sobre nós mesmos das quais não gostamos muito.
Assim faz muita diferença compreender o que são emoções negativas e o que são os diferentes “eus” ou “eu feridos” da psique.
Raízes das emoções negativas
É comum nos círculos de estudo do quarto caminho buscar um certo paralelo sobre as teorias de Jung e a cosmologia de Gurdjieff. Uma das questões que mais vem à tona é sobre o conceito de sombra e como pode ser interpretado dentro dos conceitos psicológicos de Gurdjieff. muitas vezes o conceito de sombra é associado ao conceito de emoções negativas. Todavia isso parece sempre incompleto.
Recentemente tomei conhecimento de um outro modelo que busca nomear a parte de nossa psique sempre negativa como “parte X”. É uma parte que não interessa o que fazemos, sempre estará tentando nos sabotar. Este modelo é proposto por Barry Michels e Dr. Phil Stutz. Provavelmente a função da “parte X” está ligada ao medo e o receio de tentar realizar algo diferente. É como um freio do impulso evolutivo que busca se desenvolver. Tal freio sempre acha meios de provar que qualquer tentativa de mudança não tem valor.
Em outras palavras, é uma emoção negativa que dispara um diálogo interno para tentar convencer que não vale a pena se esforçar em fazer algo para resolver suas dores e sofrimentos. É uma função de autosabotagem com propósitos a servir a conservação de um estado. Se a“parte X” por um lado freia a evolução, por outro limita os riscos que impomos em efetuar qualquer tentativa de evoluir.
Parte X e a sombra
Mas é interessante entender que para os criadores desse conceito, a parte X diferencia do próprio conceito de sombra. A sombra é algo que também lhe faz questionar suas ações . Todavia a sombra quer antes de mais nada atenção e integração. A sombra quer evoluir e ser integrada no self. Afinal, a sombra é uma parcela que foi renegada do inconsciente e por isso foi “atirada as sombras “ do inconsciente. Em outras palavras, A sombra age de uma maneira negativa muito mais para chamar atenção dos aspectos negativos e renegados que ela representa. Por outro lado, a parte x não quer integração e não possui capacidade de evolução. Essa parte simplesmente representa o medo, incertezas, receios, memórias de fracassos e falhas que não querem e não podem evoluir.
Portanto, a parte X é algo que não podemos dialogar, aprender, integrar e fazer crescer. Também não podemos nunca eliminar a parte X. Afinal essa é uma parte totalmente biológica e instintiva ligada aos nossos medos ancestrais. Dessa forma, a parte X não pode ser extirpada ou transformada. Portanto somente nos cabe conviver com sua presença. No entanto, podemos sempre aprender a usar sua presença como uma força do trabalho. Ainda mais quando aprendemos sobre o que ela é e aceitamos o motivo da existência de tal energia.
Evolução, parte X e Lei de Três
Uma maneira de enxergar a motivação da força oriunda da “parte X” pelo quarto caminho é entender que cada força sempre trará uma força igual e contrária. Logo, a existência de uma força evolutiva traz consigo a existência de uma força involutiva. Todavia , menos interessa provar a raiz da parte x do que observar sua manifestação. O que nós interessa é compreender que havendo uma força evolutiva, haverá uma força contrária que servirá como um atrito, uma resistência ao primeiro movimento.
Portanto, a parte x pode ser usada como uma lembrança de que se existe uma força contrária a evolução é porque há em nós uma outra parcela evolutiva presente de igual intensidade. Contudo, somente o uso da presença e ação consciênte tem o poder de usar a intensão e a força de vontade com um propósito evolutivo. Por outro lado, a ação inconsciente tende a levar o poder da vontade a sucumbir pela força dos impulsos mecânicos e negativos da parte x . Ou seja, a parte negativa de nossas emoções. Tal fato segue a própria equação e leis da conservação da energia
Ao distinguir a parte da emoção negativa primitiva da emoção negativa contida na sombra, podemos então traçar duas linhas de trabalho distintas. Conforme dito, a sombra pode e deve ser trabalhada, pois, é parte de nosso conteúdo psíquico negado pela consciência. Integrar a sombra é transformar medos e julgamentos interiores em forças e habilidades.
Suas emoções negativas são os melhores gatilhos para lembrar do Trabalho
Todavia, a emoção negativa que compõe a parte X, a parte que se contrapõe a evolução, não pode ser transformada. Só cabe ser usada como um lembrete do próprio trabalho. Podemos e devemos aprender a parar de ouvir o desespero, julgamento, medos, desmotivação, preguiça e todo seu arsenal de sabotagem. Porém, devemos também entender que tal força é como um vizinho incômodo do qual não podemos despejar. Devemos criar uma relação mais harmônica possível. Mas antes de nada, devemos aceitar sua presença. No entanto, aceitar tal presença não significa sucumbir a vontade dessa força. É um grande exercício de tolerância e verdadeiro amor próprio. Muito diferente do “autoamor” provocado pelo “coitadismos” de nosso ego.
Assim, parar de ouvir a “parte X “ é sempre mais difícil. Não obstante, podemos aprender a parar de dar importância aos seus lamentos. Uma maneira de fazer isso é aprender a nomear tais emoções e simplesmente agir. Se você fica preso a essas vozes de sabotagem não há disposição para fazer nada. Agir significa fazer o primeiro movimento e depois o próximo. Pequenas coisas e estar no presente são muito mais valiosas no longo prazo. Afinal, isso cria um novo hábito, uma nova perspectiva em relação a essas vozes.
O trabalho de sombra por sua vez requer perceber tudo aquilo que negamos e reagimos. É sempre mais fácil notar a sombra atuando pelas nossas críticas externas, julgamentos que fazemos dos outros. São vozes como “eu não suporto tal atitude de fulano “. A sombra estará por muitas vezes acompanhada de projeção. Ou seja, são os nossos próprios conteúdos que jogamos nos outros. A sombra tem uma causa, uma raiz , um trauma que pode e deve ser explorado. Entre os conteúdos mais comuns das sombras estão sombras de poder, masculino/feminino, pai/mãe. Portanto, uma boa terapia pode ajudar muito a elucidar suas sombras. Ainda mais que apesar da sombra poder ser considerada uma parte distinta da “parte X”, essa poderá por muitas vezes usar da mesma energia negativa para se manifestar. Logo, trabalhar suas sombras também lhe ajuda a diminuir a expressão de suas emoções negativas.
Entender sua emoção negativa é ganhar maturidade
Particularmente gostei desse modelo de distinção entre a sombra e a “parte X” como fontes de emoções negativas. Vejo com bons olhos essa distinção por dois motivos. Primeiro que por muitas vezes já pude observar tanto em mim quanto em outras pessoas a presença de manifestações negativas sem haver uma clara relação com traumas ou sombras. São simplesmente parte do indivíduo, como as estruturas neurológicas e ciclos hormonais presentes em todos nós. A segunda questão é que por vezes pessoas criam dependência com seus terapeutas muito além do necessário tentando buscar entendimento “psíquico” ou até espiritual a tudo que lhes ocorrem.
O simples fato de considerar a “parte X” como algo da natureza de todos os humanos já provê um grande atalho. Afinal, podemos simplesmente usar da presença e auto-observação para não sucumbir a essa força de sabotagem como um tremendo exercício de verdadeiro auto amor, humildade e aceitação do que é viver como um ser humano neste momento tempo/espaço. Claro que nada disso substitui um trabalho de integração de sombras.
Para saber mais sobre a “parte X” eu recomendo o documentário chamado O método de Stutz. Esse documentário que está no catálogo da Netflix narra o relacionamento de um paciente (o diretor do documentário) e seu psiquiatra, dr. Stutz. Dr Stutz não só explica sobre a parte X e a diferença da sombra como também apresenta o conceito de ferramentas práticas para lidar com nossas emoções no dia a dia. São boas dicas para colocar na caixa de ferramenta de qualquer buscador.
Uma ótima semana de estudos para todos vocês e um excelente 2023 a todos.
Lauro Borges