Finalmente chegamos no último dos cinco centros inferiores, o centro sexual. Deixei o melhor para o final? O centro sexual é responsável pela função sexual. De outra maneira, é o centro que devido à sua estrutura usa a energia mais fina. Dessa forma serve à função mais elevada do organismo, a saber, a participação no trabalho de criação no nível correspondente. Assim, o centro sexual é uma ponte entre os centros inferiores e os centros superiores emocional e intelectual. Pode-se dizer do centro sexual é o centro do dom de si.
Centro sexual, colorindo a vida
O centro sexual tem a capacidade de fornecer um colorido de sua própria polaridade. Seja essa polaridade masculina ou feminina. Dessa forma, reflete no plano humano as duas forças fundamentais, ativa e receptiva. A força vital é dada ou recebida dependendo da polaridade. No entanto, essa polaridade é apenas relativa. Dependerá do nível em relação ao qual está sendo considerado. É uma lei geral que qualquer força em um determinado nível é receptiva em relação ao nível acima e ativa em relação ao seu nível abaixo.
Algumas escolas modernas de psicologia, especialmente os ramos originais da psicanálise, buscaram explicar todo o desenvolvimento e comportamento do ser humano a partir da função sexual. Dessa forma fizeram dessa função o motor primordial, eixo evolutivo e principal motivação da vida de cada ser humano. Porém, esse ponto de vista é bastante estreito. Felizmente, a ideia de “libido” ampliou-se ao longo do tempo e foi estendida para representar o “desejo de ser” em geral.
Uma bomba de impressões
Assim que entra em ação o centro sexual traz muito mais sutileza, acuidade e velocidade às percepções sensoriais, impressões e funções. Isso ocorre graças à boa qualidade da energia que utiliza. Também é claro que a realização sexual que conduz à reprodução da vida é a realização culminante de toda a atividade orgânica do ser humano. Mas isso não exclui a possibilidade que essa mesma energia sexual, a mais fina e mais ativa das energias disponíveis a uma pessoa, somente sirva para a reprodução da vida orgânica. Do ponto de vista do desenvolvimento superior do ser humano, a energia sexual também serve para a realização de uma ordem de vida superior. Essa energia proporciona um novo nascimento, a abertura de um outro nível de vida. E isso só pode acontecer a partir de uma energia dessa qualidade. Contudo, do uso de tudo o que há de energia “criativa” em uma pessoa.
Nesse contexto, algumas escolas ou caminhos tradicionais exigem que seus discípulos se abstenham do uso da energia sexual no nível orgânico. No entanto, não é difícil perceber que tal atitude absoluta não pode ser a resposta. Afinal, tudo é relativo, depende de cada ser particular e ao mesmo tempo do estágio de sua evolução. Além disso, apenas uma certa quantidade de energia sexual pode ser transformada a qualquer momento para servir ao desenvolvimento de um nível superior de ser. Assim, pode haver sobras de parte dessa energia. Essa é uma questão que depende do funcionamento particular de cada indivíduo. Porém, esse excesso deve ser usado de maneira natural. Caso contrário, seu acúmulo resulta em usos anormais e intrusões irregulares dessa energia nas demais funções da máquina. Seu acúmulo ocasiona o mau trabalho dos centros até chegar ao ponto de perversão.
Você só pensa naquilo?
Por outro lado, esses usos irregulares da energia sexual podem se tornar predominantes se permitimos o estabelecimento de hábitos automáticos de nossa mecanicidade. Dessa forma, tais hábitos monopolizam tanto nossa energia que toda esperança de evolução para um nível superior se torna impossível. De fato, em uma pessoa comum, o centro sexual quase nunca funciona com energia própria. Ainda mais de forma autônoma. Quase sempre depende de um dos outros centros, o intelectual, o emocional, o motor ou o instintivo. O instinto, presente em todos os seres vivos, necessita dessa energia para cumprir sua função reprodutiva e realizar a troca de material genético necessário para criação de novos seres.
Dessa forma, a energia sexual é extremamente potente e impulsiva por ter essa função orgânica e instintiva de reprodução. Quanto mais evoluímos como espécie, mais racionalmente percebemos o quanto é sofrido a vida. Além disso, gerar e criar filhos requer o dispêndio de uma imensa energia física, mental e principalmente emocional. Dessa forma, uma análise puramente sóbria e racional leva a nunca usar a energia sexual para seu fim reprodutivo. Porém, seu impulso de realização e, sua associação a um prazer que dificilmente se iguala a outras experiências, faz com que sua função orgânica aconteça. Para Gurdjieff, quanto mais evoluído uma sociedade, menor é sua taxa de reprodução. Enquanto menor o nível de consciência global, maior a taxa de reprodução. Vemos isso sendo comprovado em várias teses de estudos sociais. Principalmente em relação a emancipação feminina. Sociedades onde mulheres são mais livres possuem taxas de fertilidade menores.
Talvez a potência da energia sexual seja o que tanto influenciou certos aspectos da teoria psicanalítica. Aliás, muito da teoria foi elaborada primeiramente a partir de observações derivadas do estudo de estados hipnóticos ou de transe a partir de casos patológicos. Essa dependência habitual da função sexual pode ser explicada principalmente pelo fato de que a função sexual no ser humano só se desenvolve mais tarde na vida. Embora presente desde o nascimento, a função sexual somente aflora depois que as outras quatro funções já estão mais ou menos bem desenvolvidas. O centro sexual certamente existe desde o nascimento, manifestando-se intermitente e inconscientemente no automatismo. Mas seu real desenvolvimento e função só aparecem após a evolução quase completa das outras partes e, portanto, são amplamente condicionadas por elas.
Centro sexual, passaporte para a liberdade?
O resultado desse condicionamento é que nenhum estudo real do centro sexual pode ser realizado com proveito até que as outras funções em todas as suas manifestações sejam completamente conhecidas. Outra diferença entre o centro sexual e os outros centros inferiores é que ele não se limita apenas ao seu nível. Porém, dá uma cor a todo o Indivíduo humano, qualquer que seja o grau de evolução alcançado. Mas o ser humano comum vive apenas no nível orgânico inferior de seu centro sexual. Nesse nível, os centros instintivo, motor e sexual formam uma unidade equilibrada, trabalhando no mesmo plano e capaz de receber os impulsos correspondentes das três forças fundamentais. Assim, a vida orgânica da máquina pode continuar indefinidamente por conta própria. O centro sexual desempenha aqui o papel neutralizador em relação aos centros motor e instintivo.
Todavia, não há qualquer negatividade no centro sexual. Dessa forma tem constituição análoga aos dois centros superiores com os quais suas partes superiores trabalham. As impressões sexuais, no sentido próprio do termo, assim como os sentimentos verdadeiros, são positivas em maior ou menor grau ou indiferentes. Principalmente no caso de alguém que desenvolveu seus níveis superiores e possui um verdadeiro eu. No centro sexual, haverá atração acompanhada de uma impressão agradável ou então não há nada além de uma indiferença neutra.
O que há de errado na função sexual normalmente está fora dela
Tal constatação pode parecer diferente à primeira vista. No entanto, a observação mostra que isso se deve a interferências de outros centros que ocorrem constantemente no nível inferior do centro sexual. Assim, em nenhum outro lugar o mau trabalho dos centros é tão habitual quanto no centro sexual.
A negatividade atribuída às impressões sexuais deriva inteiramente das impressões negativas pertencentes aos outros centros. Todavia, essas são transferidas para o centro sexual. Essas interferências são produzidas especialmente pelas partes negativas do centro emocional e do centro instintivo. Certos estímulos sexuais (ideias, lembranças, ações) podem provocar emoções ou sensações desagradáveis. Além disso, as repressões e recusas que se seguem são muitas vezes consideradas como provas de “coragem” ou “virtude”, ao passo que são meros condicionamentos de uma “boa” educação.
Energia sexual, liberdade ou obstáculo?
Mais uma vez é bom frisar que em nenhum lugar o trabalho errado dos centros é tão habitual e um obstáculo tão sério quanto no nível do centro sexual. O centro sexual funciona com a energia mais fina produzida pelo organismo humano. Portanto, é a mais refinada e tem a maior intensidade e velocidade. Em condições normais, estabelece uma relação harmoniosa com todos os outros centros e os faz participar de sua atividade criadora, a atividade mais elevada que normalmente é a sorte de toda a individualidade criada em qualquer nível ou níveis em que vive.
A energia criativa do centro sexual está no mesmo nível da energia do centro emocional superior. Criatividade é a energia mais livre e a maior expressão da individualidade. É justamente o oposto de toda imposição da mecanicidade que leva a constante repetição robótica de padrões, comportamentos e ações.
Consequentemente, o centro sexual refletirá todas as qualidades de um ser e, também, todas as suas deficiências. Mas, nas condições usuais da vida do ser humano, isso é bem diferente. A relação do centro sexual com os outros centros se estabelece mal ou não se estabelece. Isso se deve ao trabalho errôneo dos centros. Principalmente quanto ao centro emocional inferior que funciona de forma mecânica e com velocidade e qualidade bastante inferior ao seu funcionamento normal. Por isso, o centro emocional inferior consome a energia sexual de forma inapropriada.
Somente em momentos excepcionais o centro sexual funciona de maneira autodirigida. Isso ocorre quando às vezes consegue restabelecer temporariamente um ritmo e um relacionamento quase normal entre os demais centros. Na melhor das hipóteses, consegue estabelecer um vínculo com um ou outro dos centros. Então, se expressa por meio de sua função. Na maioria das vezes, permanece completamente passivo, e os outros centros utilizam sua energia em seu benefício.
Centro sexual, escravo de paixões ou porta para virtudes?
Esse fato confere ao funcionamento do centro sexual uma intensidade e um exagero bastante inusitados. Estando coloridos pela polaridade própria do indivíduo causam a impressão resultante de uma vida intensa. Com isso, obtém-se muitas vezes a necessidade de perseguir uma constante satisfação de um erotismo, romantismo, sadomasoquismo entre uma gama de desvios menores. Como regra geral, o centro sexual funciona apenas em seu nível mecânico inferior, intimamente ligado aos três níveis dos centros instintivo e motor. Assim, juntos eles formam um todo onde o centro sexual é o elemento neutralizante.
Em uma pessoa sadia será suficientemente equilibrado para os propósitos da vida cotidiana. Todavia, quase sempre é necessário recolocar a função sexual em seu devido lugar. Fundamentalmente, quando uma pessoa se compromete a trabalhar em si mesmo com o objetivo de desenvolver suas partes superiores. A energia sexual, que é a mais refinada, e o correto funcionamento do centro sexual são indispensáveis ao trabalho de individuação. Porém, se for impossível recolocar a função sexual no seu devido lugar, há então um obstáculo intransponível a todo progresso.
O uso da energia sexual como potência criativa e conexão ao mundo espiritual não exige esforços ou práticas complexas. Assim como no caso do centro instintivo, o melhor que podemos fazer para o correto uso do centro sexual é reduzir a má influência dos demais centros sobre ele. Dessa forma, haverá energia disponível para ser usada pelo centro emocional superior. Quando percebemos essa ponte entre a energia sexual e os centros superiores, compreendemos o significado do sagrado em uma relação sexual. Também se compreende o significado do casamento alquímico que transforma duas polaridades em um uno. Tal processo não ocorre pela dissolução das polaridades e sim pela lei de Três onde uma força de harmonia se apresenta como neutralizante entre as polaridades.
Na semana que vem continuaremos com os estudos dos centros superiores. Uma ótima semana de estudos para todos vocês.
Lauro Borges
Esse artigo faz parte de uma série sobre trechos, notas e comentários sobre o livro Toward Awakening: An Approach to the Teaching Left By Gurdjieff” de Jean Vaysse.