Quero começar o primeiro artigo desse ano de 2022 desejando a todos um excelente ano novo. Momentos de festas, celebrações e pausa de rotinas da vida ajudam a digerir e restaurar as nossas forças. A vida biológica é uma corrida sem pausas. No entanto, nossa vida psíquica necessita de referências externas ao longo da jornada. Por isso, todas as culturas possuem ritos de passagem que marcam abertura e fechamento de ciclos. Assim, muito mais importante que acreditar em uma determinada religião, gostar ou não de Natal ou de festas de virada de ano é entender a necessidade de criar o seu próprio ciclo e ritual. Então, aproveite essa época para rever suas realizações, observar o que necessita de atenção e atualizar seu plano para o ano que inicia.
Neste início de ano ainda vamos continuar a explorar as funções que compõem nossos 5 centros inferiores. Já exploramos três dos cinco centros: o centro intelectual, emocional e motor. Hoje vamos falar do centro instintivo. Por vezes, o centro instintivo é explicado como uma combinação do centro motor, sexual e instintivo. No entanto, é interessante distinguir as diferenças entre cada um desses três grupos. Uma maneira simples de observar o centro motor do centro instintivo é sua ação involuntária, que inclui uma ampla autonomia em agir.
Centro instintivo, manter a vida em harmonia
A função do centro instintivo é o controle da vida interior do organismo. Suas percepções são expressas por meio da satisfação ou necessidade. É o centro das atrações e repulsões “instintivas”. em outras palavras, é o centro das impressões orgânicas do “bom” ou do “mau”. Dessa forma, essas impressões regulam a vida da máquina e que, em conjunto, contribuem para o bem-estar ou desconforto orgânico, incluindo até mesmo a dor.
Essa função opera dentro de nós, no escuro, surgindo em nossa consciência ordinária em momentos de excesso. Por isso, costumamos chamar muitas coisas de instintivas que não são. A princípio, essa expressão só pode ser aplicada às funções internas do organismo: respiração, circulação, digestão, percepção neurossensorial, função do movimento involuntário. Some a isso todas as funções internas como produção de calor, assimilação, estimulação hormonal, crescimento e manutenção de formas, com toda a sua regulação interna, incluindo certos reflexos.
O Trabalho no centro instintivo
Nossas funções instintivas formam um completo mundo interno. O que é particular de sua característica, e os torna reconhecíveis, é que tais funções são inatas. Todavia, muitas outras ações não inatas, ou seja, adquiridas, também acontecem em nós no escuro. Portanto, não temos consciência de que todas as funções também são produtos de automatismos. No entanto, podem pertencer a qualquer um dos centros. Assim, há pensamento automático (nossas ideas) e sentimento automático (nossas emoções). Em um sentido mais geral, também há uma parte automática, isto é, totalmente inconsciente em cada centro.
Existe toda uma vida automática em nós que pode interferir em certos pontos de nossa vida instintiva. Contudo esse automatismo é completamente diferente. O conhecimento e o controle dessa vida instintiva são possíveis em certa medida. Isso como sempre vem junto com o autoconhecimento.
A melhor ação sobre o centro instintivo é deixá-lo trabalhar
O aprofundamento do conhecimento e o domínio do centro instintivo são possíveis por meio de exercícios especiais. Alguns podem ser difíceis e perigosos. Outros métodos são mais seguros. Seguidos em certas disciplinas, podem fazer parte de um caminho de evolução. Todavia, não é necessário tal conhecimento além de um certo nível indispensável para o funcionamento harmonioso do organismo. Precisamos interferir pouco no centro instintivo para realizar o desenvolvimento das partes superiores do ser humano.
Talvez a interferência sobre o controle da respiração e dos batimentos cardíacos são um exemplo mais claro de tais métodos e exercícios. Existem complexos exercícios de controle respiratórios. No entanto, o mais simples e seguro de todos é sempre observar a respiração. O que normalmente notamos é uma respiração curta demais ou uma hiperventilação causada por um estado de ansiedade, medo e preocupação. Ao fim, são os pensamentos e, principalmente os sentimentos que estão interferido na atuação livre do centro instintivo. Quando simplesmente observamos nosso estado da respiração e simplesmente ouvimos nossos batimentos cardíacos já conseguimos reequilibrar a atuação normal, autônoma e instintiva dessas funções.
O mesmo acontece com a alimentação. Quantas vezes comemos ou deixamos de comer por ansiedade? Da mesma forma deixamos de ingerir o que precisamos. O centro instintivo possui a mais antiga de todas as inteligências e a mais básica de todas: a de regular e manter a vida. Tal inteligência está contida em todos os seres vivos orgânicos que conhecemos e é fruto de milhares de anos de evolução. Um tempo de existência muito maior que as demais funções dos outros centros. Esse centro possui uma capacidade incrível de autocura, regulação e regeneração. Então, o melhor trabalho que podemos realizar no centro instintivo é deixá-lo trabalhar com o mínimo de interferências dos outros centros. Contudo, para isso precisamos ouvir o que o centro instintivo nos fala pelo corpo.
Polaridades do centro instintivo
A divisão entre positivo e negativo é muito clara no nível do centro instintivo. Para perceber isso basta estar atento à vida interior de nosso organismo. As percepções desse centro, positivas ou negativas, agradáveis ou desagradáveis, são todas necessárias para manter, guiar e direcionar nossa vida. Quando não sofrem interferência, as percepções positivas, agradáveis e aprazíveis como as percepções dos sentidos e percepções corporais do paladar, do olfato, do tato ou do ar puro, da qualidade da comida e da temperatura todas apontam para condições salutares de existência.
O oposto, as percepções negativas indicam todas as condições prejudiciais. Além disso, existem percepções instintivas conectadas com outras partes da máquina. Na maioria das vezes emocionais e às vezes intelectuais. Essas percepções podem pertencer às partes superiores de nosso centro instintivo, onde suspeitamos de sua existência sem conhecê-los muito bem. Também podem vir da parte instintiva do centro emocional ou intelectual.
Contudo, as condições anormais de vida moderna e a dita educação do humano hoje garantem que essas percepções sejam seriamente confusas. Em qualquer caso, a pessoa hoje não é mais capaz de explicar corretamente essas várias percepções. Felizmente, o centro instintivo, que funciona no nível do andar de baixo, nas profundezas sombrias da máquina, manteve uma relação estreita com as forças elementais da vida que o animam. Se as perturbações externas se tornam muito ameaçadoras, a função instintiva por si mesma restaura o equilíbrio. Assim, a pessoa adoece ou sua atividade é interrompida. Mas se o desequilíbrio for muito longe, pode levá-la à morte.
Na semana que vem continuaremos com os estudos dos demais centros. Uma ótima semana de estudos para todos vocês.
Lauro Borges
Esse artigo faz parte de uma série sobre trechos, notas e comentários sobre o livro Toward Awakening: An Approach to the Teaching Left By Gurdjieff” de Jean Vaysse.