Somente podemos nos desenvolver quando enxergamos em nós a existência das duas naturezas. Uma primeira natureza que nos liga as forças da vida. Forças que partem de um todo rumo a uma diversidade por um caminho de uma espiral involutiva. A segunda natureza se apresenta como força contrária da primeira. É uma força que nos impulsiona rumo a integração. Também é nessa segunda natureza que habita o corpo moral.
Nascemos e crescemos sob o domínio da força da natureza. Antes de tudo somos animais que obedecem seus instintos de autopreservação. Outra grande força da natureza está no instituto sexual e reprodutivo. Afinal é necessário “crescer e multiplicar” para que a vida se mantenha. Assim, obedecemos o ciclo da vida.
Todavia, somos postos em contato com nossa segunda natureza por mais que esta esteja enterrada em nossa consciência. Recebemos “choques” aleatórios da vida. São choques acidentais como uma bola de bilhar que é impulsionada por outra e se colide com tantas outras em seu caminho. São esses choques que trazem o questionar sobre nossa própria identidade e natureza.
Nesses momentos excepcionais surge a questão se somos somente frutos dessa entrega completa a acontecimentos que de forma alguma não podemos controlar. Talvez que não há nessa evolução algo que dependa de nós e possa ser influenciado por nós. Somos somente máquinas? Será que somos somente mais um capricho da natureza?
São esse momentos que provocam o impulso pelo desejo de ser algo além dos fatos óbvios. É o impulso de compreender a existência possível fora desse mundo mecânico. Assim, o desejo de ser totalmente “si mesmo” não deixa essa pessoa completamente indiferente.
A busca de uma saída nasce do fruto do desejo de ser algo além do simples acaso de choques e eventos dos acidentes. Para alguns, a busca por essa resposta torna-se sua primeira necessidade. Torna-se tão urgente quanto a necessidade orgânica de comer. Então essa pessoa deve descobrir se algo nesta direção é efetivamente possível de acontecer.
Se nos questionarmos profundamente sobre nós mesmos e nossa possível evolução, veremos que é dentro de nós e através de nós que, em última análise, teremos que encontrar a resposta. E será nessa resposta que podemos ter fé. Além disso, desde o início dos tempos, o autoconhecimento tem sido fundamental em muitas doutrinas e escolas.
O autoconhecimento não é um conhecimento analítico exterior, como a ciência ocidental moderna vem perseguindo há tanto tempo. Não é o conhecimento que evita as questões internas ou tenta reduzi-las a explicações puramente materialistas. Assim, a resposta virá por um autoconhecimento interior que evite distorções.
Para tanto, cada elemento, cada estrutura, cada função não podem ser vistas apenas de fora, bem como suas relações e as leis que as regem. Tudo isso deve ser vivenciado em todo o contexto a que pertencemos e só podem ser verdadeiramente conhecidas “no trabalho” pela totalidade.
Gradualmente fica claro que o estudo do homem não tem sentido a menos que seja colocado no contexto da vida como um todo e de todo o mundo em que ele vive.
O maior erro do desenvolvimento pessoal é não enxergar esses dois mundos que habitamos. Com isso, perde-se muito tempo e energia tentando corrigir o mundo exterior, o mundo da vida. Porém, esse mundo é somente o meio ao qual estamos imersos. É desse meio que se faz emergir a consciência que caminha rumo a uma espiral evolutiva.
Mas como podemos enxergar a nossa segunda natureza? Isso acontece quando dispomos de atenção livre, atenção não identificada com a primeira natureza. Uma pessoa está 100% identificada quando toda a sua atenção se volta aos eventos dos choques da vida. Não há diferença entre o momento e a pessoa. Tudo é uma mesma coisa que se move regido por leis mecânicas. No entanto, podemos dispor de uma pequena fração de atenção livre. Se isso for feito, algo em nós poderá “se ver” dentro desse momento.
Assim, essa capacidade de autoinformar é que chamamos de autoconhecimento. Portanto, só há autoconhecimento pela ação da auto-observação. Caso contrário, estaremos sempre dissosiandodissosiando o conhecimento do que verdadeiramente somos.
Portanto, a auto-observação ordinária que aprendemos a fazer é inútil. Afinal, é uma auto-observação identificada e dissociada. Além disso, essa auto-observação não tem um objetivo claro de se conhecer. Não tem o valor de quem se dispõe a tornar-se sua própria obra. Não possui o objetivo de quem paga seu conhecimento com esforço para receber como prêmio a verdadeira liberdade.
Assim, podemos perceber que existem dois métodos de auto-observação. O primeiro é a análise. O segundo um simples registro de impressões.
Uma pessoa que se observa pela maneira de uma análise irá buscar respostas para o que vê. Então, irá se interessar pelas respostas e suas consequências e logo perde de vista sua intenção original que era observar a si mesmo. Dessa forma sentirá tentado a fazer interpretações para as quais ele ainda não possui o material necessário. Assim, todo um processo intelectual se desenvolve em torno da observação, que passa a ter importância secundária, sendo até esquecida.
O fato observado é tomado como o centro de gravidade da investigação, e os outros fatores são agrupados em relação a este e não em relação a totalidade do observador. Por vezes esse ser humano como um todo não é totalmente desconsiderado. Todavia, é muito mais comum que seja relegado ao segundo lugar. Assim, a análise de um fenômeno isolado, separado de seu contexto e separado das leis gerais, não faz absolutamente nenhum sentido. Então, torna-se simplesmente uma perda de tempo.
Dessa forma, apenas o método de registro de impressões pode levar ao objetivo que temos em vista. Mas para chegar ao autoconhecimento a auto-observação não deve sob nenhum pretexto ser uma análise ou uma tentativa de analisar. A correta auto-observação irá permitir que ocorra uma evolução harmoniosa.
A análise será uma ferramenta útil para aquele que já obteve conhecimento suficiente sobre o que é o ser humano e como ele funciona em sua totalidade.
No entanto, estamos cheios de material reunido por idéias sobre si mesmo e sobre várias divisões de si mesmo. Idéias que são incompletas ou errôneas. Logo, não possuem utilidades para o trabalho que estamos empreendendo, pelo modo que se aprensentam na sua forma atual. O que quer que seja válido neste material ficará novamente disponível no momento adequado e será colocado em seu devido lugar.
“A auto-observação correta direcionada ao autoconhecimento só é possível se condições precisas forem preparadas primeiro.”
Jean Vaysse
Portanto, precisamos de uma quantidade de energia considerável para realizar essa tarefa. Logo aprendemos que precisamos de ajuda. Primeiro uma ajuda exterior que ensine como realizar esse trabalho. Também da ajuda interior que a própria observação pode trazer. Somente assim nos é permitido ver a maneira como somos feitos. Se realizar o trabalho correto, logo será mostrado que uma parte do todo está funcionando mal e está ocupando todo o espaço para si mesmo.
Uma ótima semana de estudos a todos vocês!
Lauro
Essa série de textos está baseada em notas, trechos e comentários da obra “Toward Awakening: An Approach to the Teaching Left By Gurdjieff” de Jean Vaysse, Lord John Pentland.