Ao observar a si, sem o compromisso de levar essas observações para ninguém, algo muito íntimo, se você pudesse perceber como funciona sua música interna sem censuras, sem medo de reprimendas e humilhações, você conseguiria observar, quais as tendências, qual direção a sua energia psíquica toma? Aqui falamos de energia psíquica de Jung. Esta é a terceira parte sobre músca, sentimento, sensação, transcendência. Você pode ver os artigos anteriores aqui.
Narciso, Caravaggio.
Sentimento e Música
Na antiguidade, falemos em especial do mundo grego, trabalhou-se justamente isso, o sentimento, o sentido de uma sonoridade, relacionado com uma expressão musical. Os gregos relacionavam um modo, uma espécie de escala musical embora não existisse esse nome ainda, com um tipo de Deus, de culto, de celebração, de forma.
Os modos são estruturas de música que são os esqueletos, os antecedentes do que hoje chamamos de escalas maiores e menores. Hoje, nosso sentido de sacralização da música permanece apenas como um respeito a músicas que sejam executadas num ambiente religioso onde a boa educação pede esse dito respeito. Na idade antiga, antes da sistematização da música pela igreja católica ocidental dentro das igrejas e universidades da Idade Média, mais de mil anos atrás, a música tinha um sentido devocional muito intenso para a época.
Modos dos sentimentos
A tabela abaixo ilustra como os músicos podem executar os modos, coloco a tabela apenas para ilustrar as estruturas das quais estamos falando, não é necessário se preocupar em entender as notas ou como se processam essas estruturas e sim o contexto histórico delas, e como são raízes do que hoje temos como música.
O sentido da festa, da celebração, da extrapolação da comida, bebida e prazer também estava conectada a tipos de sons, tipos de músicas que eram executadas para acompanhar essas atividades, esses pensamentos, essas atividades. Certamente que, toda essa herança está no nosso inconsciente coletivo e também presente como herança cultural, ainda que pareça distante.
Sentimento, sensação e música popular
O modo, o sistema antigo musical de mais de mil anos atrás, está presente na música nordestina até os dias de hoje. Falando dessa forma é provável que você não se recorde, mas seu eu cantar ‘eu vou contar pra você, como se dança o baião (…)…não sei conseguiu se recordar, caso não conheça veja abaixo e escute essa pérola da música brasileira.
Ao cantarolar essa música, que parece muito brasileira e certamente o é, porém ela carrega em si um sistema musical modal, claro que mesclado com o nosso sistema tonal atual, mas é um modo e faz parte do folclore nordestino.
Se você puder assistir filmes com a temática do nordeste, O Alto da Compadecida por exemplo e puder prestar mais atenção a trilha sonora, você vai perceber que ela tem um quê diferente da música popular do resto do Brasil, é algo étnico, visceral, quase um folclore vivo, aliás, eles mantém as tradições dessas músicas modais até hoje em festas antigas, onde se mistura a fé católica, da colonização portuguesa, a influência holandesa, os negros, os índios, de forma muito peculiar.
Segue o link para você curtir essa música do nosso cancioneiro, fique atento as melodias. Aproveitando a oportunidade, escutar com atenção, observando cada instrumento, cada fraseado do cantor, a entonação, a conversa entre os instrumentos, essa é uma forma interessante e cultural de praticar a Presença.
Baião de Luiz Gonzaga.
Agora proponho um segundo exercício, escutar o Baião, para praticar a Presença, observando apenas o instrumental. Tente não imaginar um cenário do nordeste e sim anotar as sensações, tanto físicas, emocionais, pensamentos, agora que não há a letra da canção para sugestionar a sua imaginação.
Aqui vai o instrumental.
Música e auto-observação
Dentro dessa ideia de utilizar a música para praticar a Presença, usando como ferramenta a associação com idéias, abstratas ou concretas, sensações e outros, podemos exercitar essa mesma observação com os modos gregos, ou escolhendo apenas um deles.
No site Guitar Battle temos uma associação que achei interessante como ponto de observação, com uma tabela de modos e pecados e outras associações. É algo para se observar.
O autor da tabela é um músico profissional e fez sua pesquisa sobre os modos e chegou a esse tipo de associação.
Sugiro que você escute esse modo e anote suas sensações, imagens e percepções no corpo.
Gurdjieff, deHartmann e o som do Oriente
Essa obra é do querido mestre G. e Hartmann. É possível perceber que se trata de algo em tom menor. E da forma como foi construída, embora ela esteja inserida no nosso sistema musical atual, podemos sentir algo de antigo, talvez um sentido modal, algo espiral, algo circular, como se fosse uma grande pergunta ao ouvinte. Depois, ao final, essa pergunta recebe uma conciliação e se estabelece uma cadência, uma finalização com uma sensação de encontro com a paz interior. Essa é a minha percepção, como você percebeu essa música?
Saiba que não é certo nem errado, apenas perceba, anote, ouça de novo e perceba se algo mudou, ou até mesmo se talvez você mudou…porque quando se trata de uma música como essa, que traz um inconsciente coletivo ancestral, antigo, que remete a templos antigos, onde se passava a sabedoria milenar de lábios a ouvido, algo nos toca mesmo que numa rápida audição, algo de antigo, belo e sábio, dentro de nós, me parece que é despertado, ainda que brevemente.
Depois dessa passada no Nordeste, dessa tabela até um pouco divertida que de forma alguma tira o valor dela e da obra de sabor oriental de G., é interessante sempre observar e observar mais ainda, voltemos aos modos. Os modos não são posse dos gregos apenas, os modos foram uma das formas de organizar a música da antiguidade e ainda hoje nas culturas do oriente os modos são largamente utilizados.
Sensação, sentimento, música e ragas
A índia é um país que mantém sua cultura de música clássica indiana, utilizando os modos da cultura deles, que eles chamam de ragas, conectadas até com horários do dia. Os estudiosos das ragas nem chamam de modos e sim de sequências musicais. As ragas não trabalham no nosso sistema de afinação tradicional.
Olha que interessante, essa Raga é para o horário das 19h às 22h, sim eles associam as escalas deles com horários.
Fica a dica de ouvir no horário correto e fora dos horários, observando se há alguma percepção diferente.
Gandharva Veda 19h-22h.
Como pudemos observar, no sentido de criar sistemas com sentidos musicais, o oriente mantém até os dias de hoje suas tradições musicais que remontam mais de mil anos, enquanto nós do ocidente tivemos uma caminhada dos modos para as escalas, das escalas e com as escalas para músicas complexas em grandes orquestras, num sistema que chamamos de tonal.
E paralelo a isso temos uma música que chamamos de popular, que nos dias de hoje tem influência da mídia, o qual chamamos de mercado fonográfico ocidental. Ainda assim, a origem de nossa música é de grande influência da cultura oriental, com seus sistemas musicais não temperados (de outra afinação, com mais notas e micronotas), com seus sentidos musicais intensos, que para nós é algo um pouco distante culturalmente, mas que estão arraigados e, nossos sistemas musicais muito mais do que imaginamos ou possamos perceber.
Atenção, presença e música
Espero que você consiga praticar a Presença, observando, ouvindo, degustando a música com mais Atenção consciente e que isso traga muitos insights cheios de beleza e sabedoria á sua vida. E ainda, se você o desejar, que a música do mestre G. possa envolver nos mistérios da sabedoria do oriente, trazendo a paz e tranquilidade da essência no teu cotidiano.
Dervixe dançante a girar.
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- Formação do Ego e a Alma Primitiva
- A Primitividade da Alma
- Parte 2: A Digestão das Impressões e a Terapia de Vidas Passadas
- Os Mistérios de Nossa Alma
Textos utilizados:
2. História dos modos gregos, Lucas F. de Paula, dissertação de mestrado.
3. O conceito de ethos na música da antiguidade clássica grega.
4. Ditirambo, culto e louvor a Dioniso
5. Gurdjieff International Review :Gurdjieff and Music by Laurence Rosenthal
6. Ragas
7. Um pouco de Keith Jarret.
9. O som de Gurdieff por Laurence Rosenthal
10. Energia Psíquica