Os cinco obstáculos e os cinco esforços espirituais – parte 1

É sabido que o Sr. Gurdjieff esteve por um grande pedaço do oriente, incluindo Tibet. Sua obra recebe influências dos clássicos gregos, psicologia moderna ocidental, sufismo e também do budismo. Buda é um dos mestres citados nos livros de Gurdjieff. O que demonstra que ele possuía contato com essa filosofia, tendo incorporado partes da mesma em seus trabalhos. Um paralelo recente que me veio à minha mente é ser o budismo a raiz dos Cinco Esforços de Obrigação de Gurdjieff. Na verdade, os cinco esforços de obrigação são uma resposta aos cinco obstáculos que nos impedem de progredir. Se de um lado há cinco obstáculos, então, precisamos de cinco esforços.

Os cinco obstáculos

Dizem que o próprio Buda teria explicado a seus alunos que é necessário vencer cinco obstáculos para atingir o caminho da iluminação. Na tradição budista, os cinco obstáculos são identificados como fatores mentais que impedem o progresso na meditação. Da mesma forma  afetam nosso cotidiano. Esses obstáculos podem ser compreendidos como obstáculos aos estágios de concentração ou obstáculos para a tranquilidade (mente serena). Podemos talvez dizer que esses cinco obstáculos são o que nos afastam da Consciência Objetiva pela linguagem de Gurdjieff.

Os cinco obstáculos são: 

  1. Desejo sensorial (kāmacchanda): busca do prazer por meio dos cinco sentidos da visão, audição, olfato, paladar e tato físico.

    Por desejo, devemos também entender a necessidade constante de obter prazer. Desejamos manter um sentimento constante de prazer e “conforto”. Mesmo que o nosso comportamento seja o oposto do que se esperaria para quem busca o prazer. Assim como ter dinheiro e gastar, bebidas, se empanturrar de comidas, viajar e se hospedar em confortáveis hotéis, tudo isso são prazeres que nos prendem e tornam-se obstáculos para uma verdadeira jornada de transformação. Se temos uma vida perfeita e confortável não há interesse em transformação.
  1. Vontade-doente (vyāpāda; também soletrado porāpāda): sentimentos de hostilidade, ressentimento, ódio e amargura.

    Esse obstáculo refere-se a tudo que rotulamos como “gosto” e “aprovo”. Assim como tudo aquilo que rotulamos como “não gosto” e automaticamente rejeitamos. Demonstra a incapacidade de ir além de si. De não conseguir enxergar tudo aquilo que lhe é distinto de sua imagem. Uma vontade doente leva  a necessidade de sempre auto-afirmar suas posições e receber confirmações externas. Assim, buscar ler ou ouvir somente aquilo que “me afirma” é uma das manifestações da vontade-doente.
  2. Preguiça e torpor (thīna-middha): ação indiferente com pouca ou nenhuma concentração.

    O terceiro obstáculo pode ser entendido como o intervalo dentro da filosofia do Quarto Caminho. É um momento em que sentimos fazer as coisas por mera necessidade automática da vida. Não há uma motivação interior. Muitas vezes nos colocamos a meditar ou a realizar uma tarefa de auto-observação e fazemos olhando para o relógio. Como se não houvesse motivação ou força interior suficiente para estar engajado no momento exigido.
  3. Inquietação e preocupação (uddhacca-kukkucca): a incapacidade de acalmar a mente.

    A incapacidade de acalmar a mente também é conhecido como a “mente macaco”. É uma mente que não para quieta, vive pulando de galho em galho. Ou seja, pulando de um pensamento para outro, de uma ideia para outra, de uma imaginação para outra. Não há um ponto fixo, um centro ou um eixo que possa dar direção a mente. A mente macaco pode ser associada aos vários “eus” que roubam nossa atenção a cada momento.
  4. Dúvida (vicikiccha): falta de convicção ou confiança.

    O quinto obstáculo é relativo à falta de fé no caminho. Também é a falta de fé em suas decisões. É não acreditar nem em algo superior e nem em si como um veículo que constrói algo superior. 

Use os obstáculos como lembrança para trabalhar

Buda diz para seus monges:

“Como um monge vive contemplando os objetos mentais dos cinco obstáculos? Quando o desejo dos sentidos está presente, um monge sabe, “Há desejo dos sentidos em mim”, ou quando o desejo dos sentidos não está presente, ele sabe, “Não há nenhum desejo dos sentidos em mim.”  Ele sabe como surge o desejo dos sentidos não-surgido;  ele sabe como ocorre o abandono do desejo sensual surgido;  e ele sabe como o não-surgimento no futuro do desejo dos sentidos abandonado vem a ser.”

Buda – Satipatthana Sutta

Os quatro obstáculos restantes são tratados de forma semelhante. Os cinco obstáculos são como “grilhões”: O desejo dos sentidos inclui qualquer apego à paixão. A vontade doentia inclui todos os estados prejudiciais de ódio. A preguiça e torpor, inquietação, preocupação e dúvida incluem todos os estados prejudiciais de paixão.  Esses estados podem ainda ser distintos entre  estados mentais ou estados físicos.

“Quando esses cinco obstáculos não são abandonados em si mesmo, o monge considera isso uma dívida, uma doença, uma prisão, uma escravidão, uma estrada através de uma região desolada. Mas quando esses cinco obstáculos são abandonados em si mesmo, ele considera isso como falta de dívida, boa saúde, libertação da prisão, liberdade, um lugar de segurança. “

Buda

Os obstáculos e o Quarto Caminho

A presença dos cinco obstáculos é uma verdade observável que independe de sua crença, religião ou filosofia. Não há progresso sem o sacrifício do conforto e sem esforço constante. Mesmo que alguém viva em um inferno, logo transforma uma vida miserável em um “confortável lar” que insiste em não abandonar. Acontece que é necessário passar por desconfortos, enfrentar suas verdades cristalizadas, motivar-se em realizar sua jornada e ter um objetivo. Além disso, precisamos ter fé de que essa jornada nos levará a um novo e verdadeiro lar.

Faça sua auto-observação e veja seus obstáculos

Sugiro que observe como os cinco obstáculos emergem em sua vida. Uma boa sugestão é começar a observar um por semana. Note em que momentos e períodos esses obstáculos são mais fortes ou mais fracos. Faça sua auto-observação. Não brigue com o que observa. Somente pegunte “o que estou observando?”. Por que esse obstáculo está presente nesse momento? O que esse obstáculo quer me mostrar e ensinar?

Esse texto continua na semana que vem. Uma ótima semana de estudos para vocês!

Lauro

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