Obrigado, obrigado, obrigado…

Como um bom mineiro que sou, vou começar esse artigo com um “causo”. Uns quinze anos atrás estive na Inglaterra com minha esposa visitando minha cunhada. Fomos a um restaurante indiano (o que tem de monte por lá). Era um restaurante pequeno, bem família. Então chega o atendente que era um dos donos e depois um atendente que ficou nos servindo. Esse segundo atendente era um jovem que tinha imigrado a pouco da Índia. Para tudo que ele trazia à mesa dizia “thank you”. Ele trazia os pratos e dizia “thank you”, os garfos “thank you”, as bebidas “thank you”, a comida “thank you”. Também na hora de retirar dizia “thank you”.

Aquilo foi a noite toda. Nós achamos aquela situação engraçada e ao mesmo tempo um choque de culturas. O jovem estava visivelmente preocupado em fazer seu melhor. Pode-se dizer que ele estava “presente no momento” em querer provar seu valor como atendente. Mas aquela repetição do “obrigado, obrigado, obrigado..” virou como um mantra peculiar.

De vez em quando a gente brinca de “thank you” imitando o jovem. Porém, é só uma maneira de lembrar um momento agradável. Por vezes essa história retorna em minha mente, mas, com outro gosto. E para hoje não consegui escrever um longo texto mental sobre filosofias, práticas e psicologia. Resolvi simplesmente dizer “obrigado”. Dessa vez faço não com o intuito de imitar o jovem e relembrar boas memórias. Faço como uma oração, como um exercício de meditação. Assim, esse exercício também será o exercício sugerido para a quinzena no nosso grupo de estudos.

Eu digo esse obrigado em silêncio, na busca de fazer contato com o meu centro emocional mais elevado. A palavra obrigado não ajuda muito em português, pois, remete a uma obrigação. Todavia, eu a converto em devir e não em dever. Faço esse “obrigado” agradecer profundamente a minha existência. E isso me faz lembrar o quanto simplesmente fico preso a ilusão de minha grandeza. Assim como o tanto que ficamos preso em nosso “auto-amor”. Somos matéria antes de tudo. E antes de matéria somos energia. Não fui eu que criou essa energia e nem mesmo essa matéria. Então digo “obrigado” a isso, pois, somos poeira das estrelas. Digo também “obrigado” ao nosso sistema Solar e planeta Terra que permite a existência da vida consciente nesse plano material.

A vida não é “passeio no parque”. Isso é um fato independente da situação social de cada um. Todos temos igualmente dilemas, problemas, dificuldades, traumas, desejos e demandas não atendidas. Da mesma forma, todos terão de encontrar a morte cedo ou tarde. E digo “obrigado” a tudo isso também. Afinal, como minha consciência perceberia todas essas situações se a Terra não existisse e se os problemas humanos não existissem? Então “obrigado” pelos problemas. Se eu os enxergo e me incomodam já é algo de grande valor.

Obrigado pelas minhas dores, traumas e incômodos. Se eu não sinto nada, se não me incomoda, por quê eu iria dar atenção? Por um acaso alguém trataria do canal do dente se o mesmo não dói? Dai eu percebo o tanto de energia que se gasta brigando com a mensagem e com o mensageiro. Obrigado pela mensagem.

Também digo “obrigado” a minha indignação. Afinal, esse não é um exercício de passividade perante a vida. O Quarto Caminho não é um caminho da passividade exterior. É o caminho da ação verdadeira, de tornar-se o ator verdadeiro que interpreta e expressa a verdade do seu Ser. Digo obrigado a minha personalidade adquirida, pois, sem ela não teria material e entendimento suficiente para elaborar o que acontece ao meu redor.

Assim, agradeço minhas falhas. Mais uma vez, como é fácil atirar no mensageiro e como é difícil ficar super feliz em ter reconhecido o erro, sabendo que posso me esforçar para mudá-lo daqui para frente. Para isso, preciso de energia e atenção. Assim, não me sobra energia e nem atenção esses estão imersos em julgamento, culpa, medo e na falsidade de minhas ilusões.

Vou terminando esse texto da semana dizendo obrigado a um monte de gente, um monte de situações, boas e ruins. Enfim, não se faz possível expressar em palavras os sentimentos. Acima de tudo, esse é um exercício de silêncio interior. É um exercício de contato com o centro emocional superior. Esse centro não julga, não reclama, não gasta sua energia com emoções negativas. Ao mesmo tempo vejo em mim um “eu” que julga, um “eu” que reclama, um “eu” que prefere as emoções negativas. E digo obrigado a isso tudo com um esforço de estar nesse centro emocional superior. Pois, sou essa dualidade.

Ao fazer esse exercício preste muita atenção. Quando se diz obrigado da boca pra fora, se faz isso vindo do centro emocional inferior, o que se obtém são mais associações. Quando se faz o contato com o centro emocional superior não necessariamente os pensamentos se calam. No entanto, a mente se aquieta. Os pensamentos e associações tornam-se paisagens e não mais parte de mim.

Ótima semana de estudos para todos vocês. Pratiquem e comentem. E antes de eu terminar aqui, quero dizer “obrigado” por ler esse texto.

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