Imagine que você está caminhando e um amigo seu te vê, distante ainda, mas você não o vê; então ele grita o seu nome alto ‘fulano!’ e você sente sabor de menta na boca. Achou loucura? Pois existe pessoas que tem a capacidade de perceber o gosto do som, a cor do gosto de maçã, a música de um sanduíche…sei que parece bizarro e engraçado, mas isso é sinestesia, uma condição cerebral onde a pessoa vê a cor de um cheiro, o gosto de uma nota musical, dentre outras combinações interessantes.
Música, perceber e transcender
Talvez, como eu, você não sofra desse distúrbio neurológico, sim, para a ciência isso é uma perturbação neurológica, mas bem que seria legal poder conectar as coisas, as sensações. Seria ótimo se pudéssemos de forma simples, unir o pensamento, o sentimento e a vontade em uma sensação unificada, carregada de essência, a nossa essência.
Embora unificar as sensações físicas seja algo restrito aos portadores da condição da sinestesia, sabemos que algumas personalidades famosas tinham essa condição, como Jean Sibelius, Kandinsky e até aquele que cortou as orelhas, van Gogh o pintor. Sibelius foi um compositor de um país onde é seis meses escuro e seis meses claro, a Finlândia. Sugiro que veja esse vídeo com a música Finlândia com imagens da Finlândia, é uma experiência interessante.
Finlândia.
Mas, se você talvez não queira num primeiro momento experimentar música erudita, saiba que o Pharrell Williams, aquele da música Happy, dizia que uma música do Earth, Wind and Fire tinham cor azul Borgonha. Se você quiser conferir se é dessa cor mesmo fica a sugestão da música desse grupo e também a música Happy do próprio Pharrell.
The world is a masquerade. (Earth, Wind and Fire).
Happy, Pharrell Williams.
Também houveram artistas plásticos como van Gogh e Kandinsky que se dizia que eram sinestetas.
‘Degustemos’ (quem consegue degustar, eu vou observar) uma pequena amostra de van Gogh e Kandinsky.
(“Campo de trigo com ceifeiro e Sol”, de 1889. Pintado quando van Gogh estava internado no sanatório de Saint-Rémy)
(Amarelo, vermelho e azul de Kandinsky)
O que será que esses artistas citados tem em comum, além do fato de terem sinestesia?
A questão é que, como artistas, desejam que sua arte transcendesse algo. Não por terem essa condição neurológica, outros artistas sem sinestesia também tiveram o desejo de transcender algo em suas vidas, bem como pessoas que não trabalham diretamente com arte. A arte, no caso dessas pessoas famosas, era a forma pela qual expressam a sua vida, mas não simplesmente a sua vida, e sim a Vida com letra maiúscula, o sopro vital, o prana, oque podemos dizer de Essência. E para manifestar essa essência, eles buscavam transcender, ou seja, ultrapassar, ir além, dar passos além do que se sabe, além do que está estabelecido.
Intervalos e música
Como você se sente quando chega num ponto onde nada vai pra frente? Não seria uma sensação de não vai para frente e não vai para trás…como se estivesse paralisado em algo, estagnado. Por outro lado, em alguns momentos da sua vida, já percebeu que diante de algo extraordinário, geralmente algo ruim infelizmente, algo que te incomodou, você reuniu forças não se sabe da onde e conseguiu respirar fundo e sair de algo que estava de travando, até mesmo te destruindo ; como isso se processou? E por que diante de algo ruim, até mesmo, talvez e infelizmente, algo chocante que tenha acontecido te levou a fazer um super esforço e sair da situação de dor.
Um choque.
Talvez você tenha tido um choque em sua vida, observou e sentiu esse choque profundamente e tomou uma decisão, permanecer e aprender com o mesmo com um outro olhar, ou mudar e criar uma nova situação com a experiência anterior como bagagem. Perceba que, não há julgamento se houve uma mudança radical aparente ou se você permaneceu no mesmo aprendizado, só que de forma mais profunda, com outro olhar. A questão a ser observada é, houve algo que impactou e assim a mudança veio. Uma força extraordinária foi importante para que se conseguisse a mudança definitiva. Uma força mediana foi necessária para um novo olhar, permanecendo na mesma situação. Como numa escada, você subir todos os degraus, ou parar no andar intermediário, está subindo de qualquer forma.
Sabe que na música, trabalhamos com escada também? Temos a primeira parte da escadaria, as notas do, re, mi. É simples, você coloca seus dedos 1, 2 e 3 no teclado do piano e toca a vontade do, re, mi, por quanto tempo quiser, e desenvolve sim, melodias e possibilidades com essas três notinhas. Mas se você quiser ir mais acima, vai ter que fazer um esforço, um pequeno esforço, uma passagem de dedos, vai torcer a sua mão e passar o dedão no fa. Então vai tocar do, re, mi e fa, aliás conhece aquela música do nosso folclore O Pastorzinho, onde ele canta assim do re mi fa, fa fa/ do re do re, re re/ do sol fa mi, mi mi/ do re mi fa, fa fa.
Até agora, subimos da nota do até a nota fa…mas e se quisermos mais? E se quisermos fazer a escala inteira? É errado fazer apenas as três primeiras? Não, fizemos muito, mas agora temos VONTADE, temos um SENTIMENTO e PENSAMENTOS que nos impulsionam a ir até o final da escala, porque afinal de contas, a primeira dificuldade, passar do mi pro fa, já conseguimos. Agora vamos até o fim. Então vamos lá, do, re, mi, fa, sol, la, si….e do!
Pensamento, música, sentimento, vontade, transcender
Digamos que num primeiro momento, tivemos pensamento, sentimento e vontade, uma tríade, que nos impulsionou a conhecer a escada, a subir apenas um pouco.
Ainda assim, esse impulso desse três, essa lei do três digamos assim, precisa ser atualizada, revitalizada, fortificada, para que ao passar de novo pela dificuldade da subida, ou seja de uma forma metafórica, ao passar ás vezes pela mesma dificuldade na vida, só que agora, fortalecido e com mais conhecimento, possuo uma vontade muito mais consciente e uma capacidade muito maior de não somente ir do re mi , mas ir até o final da escala, ou seja, resolver a questão que se apresenta para mim de forma profunda e definitiva, de forma que, quando a espiral da vida girar novamente e eu sinta vontade de subir ainda mais, a escala de do maior não seja mais suficiente, e eu queira agora aprender re maior. A dificuldade será a mesma, porém estarei um tom acima.
Você está conseguindo visualizar as notinhas? Observe nessa figura para facilitar se você não está familiarizado com a linguagem da música…, mas com a linguagem dos problemas que demoram pra se resolver você com certeza já passou por isso, não é mesmo? Então você sabe de que ‘música’ estou falando.
Num primeiro momento, você experimenta o do, re, mi, três notas. Com o desenvolvimento da vontade interior, que cresce na forma de desejo de se conhecer, de evoluir, você passa a almejar e criar formas de chegar até as sete notas, do, re, mi, fa, sol, la, si, de certa forma, a lei do sete.
Quando me refiro aos ‘choques’, estou falando das dificuldades, da disciplina e força interior que precisam ser aplicadas para que se chegue no final da escala, da resolução de uma questão. Na música, isso é muito claro na escala, os dedos que antes estavam confortáveis, vão se movimentar e realizar uma passagem, uma mudança de posição, para que alcancem a oitava superior com o mínimo de energia gasta possível. Esta é uma metáfora funcional para nós, como podemos chegar ao final da escala, exercendo choques voluntários e conscientes em nosso sistema interior, para chegarmos a uma oitava superior de consciência? Da mesma forma que, ao piano, foi necessária uma estratégia de pouco gasto de energia e ousadia de mudar de posição, também assim é com a nossa consciência. Como posso ativar o três e o sete em minha consciência? Como posso mudar de posição em relação ao que me acontece e conseguir a resolução profunda de algo? Ainda, como posso saber que já posso mudar de escala, de tonalidade, de questão em minha vida?
Escalas e evolução
O querido mestre Gurdjieff, utilizou em suas obras musicais com de Hartmann, escalas exóticas, de origem modal. As escalas modais são sistemas de escalas às vezes de cinco sons, seis sons, ou sete sons, porém com um ‘sabor’ mais oriental, que nos remete ao mistério, aos ritos sagrados ancestrais do passado. Mas isso é assunto para uma próxima conversa, onde podemos pensar sobre escalas, modos orientais, sentimentos relacionados com as escalas na Grécia e outras coisas interessantes.
Possamos então, nesse momento, refletir sobre nossa capacidade de mudanças profundas e como podemos criar essas mudanças de forma leve e bonita, com a ajuda da arte, do refinamento do espírito.
Se o três e o sete foram vivenciados com profundidade, não há gasto de energia e pode-se tocar a escala com fluidez, até com prazer, pra lá e pra cá e você sente como se nunca tivesse feito esforço nenhum. Surge então a necessidade natural de saber mais, ou…ou a própria vida te empurrará para uma questão mais intricada, para que você aprenda todas as ‘escalas’ como um pianista virtuoso.
Continua em outra parte
Leia também:
- Mecanismos de Defesa do Ego: Navegando entre a Proteção e a Ilusão
- Formação do Ego e a Alma Primitiva
- A Primitividade da Alma
- Parte 2: A Digestão das Impressões e a Terapia de Vidas Passadas
- Os Mistérios de Nossa Alma
continue a explorar
Textos utilizados como referência:
2. O que seria um bom artista na opinião de Kandinsky, do blog Loja virtual ateliê Sidoti.
3. Teoria das cores de Goethe completa 200 anos, Deutsch Welle.
4. Alexander Scriabin: o compositor que escutava cores.
5. Ponto Linha Plano, de Wassily Kandinsky
6. Suzana Herculano a neurocientista de plantão.
8. A artista que ouve cores e pinta sons: como é e o que faz a sinestesia?
9. PINTURAS NA COR AMARELA, OS AMARELOS DE VAN GOGH, E OS SÓIS AMARELOS DO SURREALISTA MAX ERNST
Adorei o post, acredito que eu me divertiria muito com um dom desses. Mas senti um gostinho, uma gotinha no oceano, em um exercício de meditação, ao recitar meu mantra, me senti como que rodeada por eles, que “dançavam” ao meu redor. foram alguns segundos de uma sensação muito única. Gratidão
mantras que brincam ao redor!
Excelente obra, Parabéns !!!!
?
Obrigada! Não sei pq saiu uma interrogação no outro box