Fé, esperança e amor: o triângulo necessário.

Fé, esperança e amor formam a base do desenvolvimento psicológico do ser humano. No entanto, muitas são as vezes que tomamos estas palavras de uma maneira incorreta. Assim, acabamos por utilizar estas forças de forma errada ou até de maneira prejudicial ao nosso desenvolvimento.

Gurdjieff sempre deu muita atenção à necessidade de ter o correto conceito das palavras que usamos. Isso foi sempre algo importante em seus ensinamentos. De certa forma, a filologia era parte de seus estudos. Para Gurdjieff, muitas das palavras que usamos perderam o valor e entendimento apropriados. Assim, fica comprometida a correta manifestação da ideia associada a palavra. A comunicação é algo complexo, tanto para quem manifesta quanto para quem recebe. Ao perder o conceito correto das palavras, recebemos impressões erradas. Enfim, podemos até ser movidos por boas intenções, porém, o entendimento incorreto leva a ação errada.

Começando pela palavra amor. Existe um imenso número de significados para essa palavra. Nosso idioma, assim como a maioria dos idiomas modernos ocidentais, são pobres em descrever os conteúdos psíquicos e emocionais. Como exemplo, existe amor entre irmãos de uma irmandade, amor por uma atividade, amor por uma pessoa. Também existe o amor de mãe e pai, que mais se aproxima de um amor divino. Por fim existe o amor Divino, ou o amor-Absoluto-infinito.

Se você meditar sobre essas formas de amor notará que não são iguais. No entanto, a nossa sociedade ocidental moderna e globalizada promove principalmente o amor por uma pessoa ou o amor como erotismo. O amor pelo criador está associado à religiosidade. Por consequência, muitos são os que não mais buscam entender seu significado. Afinal, religião tornou algo cheio de dogmas e contradições do qual as pessoas não mais sentem afinidade.

Deixei categoricamente claro para mim mesmo, que embora os dados para evocar em suas presenças o ser sagrado, os impulsos de ‘Fé’, ‘Esperança’ e ‘Amor’ já estejam bastante degenerados nos seres deste planeta, entretanto o fator de produção desse ser -impulso no qual toda a psique dos seres de um sistema de três cérebros é em geral baseada, e cujo impulso existe sob o nome de ‘Consciência-Objetivo’ ainda não está atrofiado neles, e permanece em sua presença quase em seu estado primordial.

Gurdjieff – Relatos de Belzebu para seu neto

Quando falamos da esperança, o erro mais comum é associar a palavra com espera. Esperança não é ficar parado esperando por algo. No ditado popular “Quem espera sempre alcança” não é sobre quem fica sentado aguardando um ônibus chegar. É sobre o sentimento de que é possível realizar o que deseja. Todavia, aprendemos pelo Quarto Caminho que não podemos fazer, ou seja, não podemos nos transformar.

Isso é realmente um fato até um certo ponto. Conforme a primeira postagem do ano, podemos e devemos sim fazer o que nos cabe fazer. Assim, o que nos cabe fazer deve ser feito com esse sentimento de esperança sempre. O sentimento de quem acredita que alcançará o que se pretende. Note que estamos perante algo complexo. Temos de acreditar ser possível alcançar algo que não podemos fazer. No entanto, podemos e devemos fazer o que nos cabe fazer e acreditar que o restante irá chegar. Assim, esperança e fé se conectam. Logo, a primeira fé deve ser a fé no processo escolhido.

A verdadeira fé vem de uma força interior. Uma força que traz a impressão de ser e não ser nossa ao mesmo tempo. Por isso é uma força que chega como um choque exterior. É uma força que traz certeza, confiança absoluta, sem manchas de dúvidas sobre a necessidade de realizar o trabalho interior. Mesmo que se tenha esperança (sentimento), pode não ter fé (entendimento). A fé é a síntese do conhecimento e experiência. É o entendimento direto que vem de dentro.

A fé imposta como dogma ou pela crença em um mestre possui sua importância. No entanto, funciona até o determinado ponto em que o buscador da verdade encontre em si a fé. Dessa forma, não precisa mais de um agente exterior para lhe garantir sua força. A confiança sobre sua missão e trabalho interior passa a vir de sua própria capacidade de compreender tal processo.

Conforme exposto no artigo da semana passada, não há como provar a existência de uma vida eterna, recompensa ou possibilidades de evolução a quem se dispõe a trabalhar sobre si. Muitas vezes se tem o sentimento de que está enxugando gelo. Um serviço sem fim e sem propósito claro, além do que “outros mestres” disseram sobre isso. Esse sentimento honesto e verdadeiro de descrença tem sua função. É o famoso ponto em que o buscador precisa fazer seu salto de fé. Ninguém pode realizar isso pelo outro. Entretanto, se você não realizar seu próprio salto terá o seu desenvolvimento cristalizado em um ponto intermediário.

Neste mármore foi esculpido o seguinte: ‘Fé’, ‘Amor’ e ‘Esperança’ Fé da consciência é liberdade, Fé do sentimento é fraqueza, Fé do corpo é estupidez. O amor da consciência evoca o mesmo em resposta, Amor da  o sentimento evoca o oposto, O amor ao corpo depende do tipo e da polaridade Esperança da consciência é força, Esperança do sentimento é escravidão, Esperança do corpo é doença.

Gurdjieff – Relatos de Belzebu para seu neto

Devemos lembrar que não podemos fazer, ou seja, não podemos nos transformar. Também devemos lembrar que a verdade está oculta aos olhos dos que ainda não podem ver. Assim, se dispor a desenvolver seu mundo interior é antes de tudo uma dedicação de amor incondicional. Enfim, somente o amor incondicional pode sobreviver ao desespero e a descrença que sempre há de acometer a quem se põe a trabalhar.

Por vezes esse amor nos chega nas palavras de carinho de um amigo, família ou até de desconhecidos. Os grandes mestres deixaram rastros desse amor do qual podemos ainda ser nutridos. Para tanto, eu vejo que é sempre bom lembrar de duas coisas.

  • Deus é amor incondicional
  • Podemos trabalhar em nós mesmos

Trabalhar em si implica em buscar evoluir. Logo, não há evolução maior que a bondade Divina. Então, todo buscador pretende alcançar a meta de tornar-se o mesmo amor incondicional emanado pelo Criador. Contudo, não há outro caminho que não seja pelo trabalho interior.

Sim você pode fazer: trabalhe em si. Imagine que não é possível trabalhar sobre si. Então não há chances de evoluir. De outra maneira, havendo evolução a mesma aconteceria sem nossa participação. Ou seja, sem nosso livre arbítrio. Isto nos torna algo totalmente sem propósito a não ser cumprir uma meta de existência material e ínfima.

Poder trabalhar em si é o que permite o amor incondicional crescer. Trabalhar em si faz com que a esperança seja mantida. Dessa forma, experiência e conhecimento vão sendo sedimentados para que ocorra o entendimento. Isso pode vir como algo extraordinário ou como um despertar comum em que simplesmente acordamos com um entendimento diferente sobre a realidade que nos cerca.

Por fim, deixo uma reflexão de Gurdjieff sobre o tema:

“Você tem uma religião, uma fé em algo !!!! É excelente ter fé em algo, não importa em quê; e mesmo se você não sabe exatamente em quem ou em quê, nem pode representar para si mesmo o significado e possibilidades daquilo em que você acredita, – ter uma fé, seja consciente ou mesmo inconscientemente, é muito necessário e desejável para todo ser. “E é desejável porque, devido à fé e somente à fé, aparece no ser, uma intensidade de autoconsciência do ser necessária a cada ser, e a valorização do ser pessoal, como partícula do Todo existente no Universo.

Gurdjieff – Relatos de Belzebu para seu neto

1 comentário em “Fé, esperança e amor: o triângulo necessário.”

  1. Como é bom sentir amor e estar perto de quem sente. E ler coisas escritas por quem sente. Assim ficamos mais fortes para espalhar esse amor pra quem ainda o tem como ilustre desconhecido. Gratidão que o amor incendeia seu coração e consciência.

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