Viver é estar em constante perigo! Tudo que fazemos tem consequências. O mundo segue a lei da causa e consequências. Para cada ação haverá uma reação, de força igual e contrária. Mesmo quando trazemos a Força 3 para a equação, ou seja, quando buscamos a harmonia, ainda assim uma escolha foi feita. Da mesma forma, para cada escolha haverá uma renúncia de muitas outras escolhas. E como saber que fizemos as escolhas certas? Esse é o dilema do Ponto 6 do Eneagrama.
Percebendo o perigo na criação
O Ponto 6 do Eneagrama representa um intervalo na sequência das oitavas do raio de criação. Vimos até aqui que no Ponto 9 do Eneagrama, do nada, surge as três forças em harmonia. Uma força afirma, outra nega e uma terceira reconciliação. No Ponto 8 o universo se apresenta material e dual. Dessa maneira, as três forças que estavam em harmonia passam a atuar em polaridades. Isso causa tensões, já que as polaridades tendem a se sobrepor uma a outra. Contudo, o Ponto 7 traz consigo a força de reconciliação da criatividade. Assim, da polaridade (ou isso ou aquilo) surge novas possibilidades (com isso e aquilo, podemos fazer algo diferente que não é nem isso e nem aquilo).
Dessa forma, o Ponto 7 abre para que tudo possa coparticipar no processo criativo do universo. Porém, cocriar é também se tornar responsável pela sua criação. Ainda mais, é fazer escolhas em detrimento de outras diversas possibilidades. Contudo, o ato de criar não representa garantia de sucesso. Podemos criar cheios de boas intensões, mesmo agindo em total desacordo com a Vontade Divina. De outra maneira, podemos agir contra a nossa própria consciência. Dessa forma, é importante saber o que a nossa consciência diz sobre o que pretendemos criar.
Mesmo assim, o universo é dinâmico. Portanto, para cada resolução, haverá novos conflitos e tensões. Então, não há ação que seja 100% maléfica ou benéfica. Mais uma vez, viver é uma troca voluntária, um jogo de poderes e persuasão. Todavia, devemos pensar o tanto que nossas ações podem ser universalmente positivas.
O perigo de existir
O próprio ato de “Deus” em criar o universo é uma benção no sentido de permitir que possamos compartilhar dessa experiência de estar vivos. Ao mesmo tempo, viver é sofrer e dor. Não é só isso, mas, é inegável que há um preço por estar vivo. Portanto, o Ponto 6 do Eneagrama representa justamente o perigo de ser.
A definição de perigo no Ponto 6 deve ser entendida como risco, acaso, sorte, chances, probabilidade, fortuito, acidente, destino, fortuna, providência entre outros sentidos. Significa que tudo que decidimos fazer, criar, conceber, corre o risco entre três possibilidades a seguir:
- O risco de perecer – ou seja, o risco de não sobreviver ao fim do raio da criação
- O risco de desviar de seu propósito – ou seja, não servir para o propósito do qual foi criado, ou pior, ser usados para um propósito errado
- O risco de frutificar e cumprir seu propósito
Dessa forma, as pessoas que cristalizam a personalidade no Ponto 6 do Eneagrama, trazem essa percepção latente do risco de tudo que se decide fazer. Portanto, este é um ponto de intervalo por trazer a dúvida para o raio da criação.
A falsa personalidade, do perigo ao medo
No entanto, a falsa personalidade no Ponto 6 do Eneagrama associa a dúvida com a emoção básica do próprio medo. Devemos lembrar que medo é uma emoção básica instintiva. Assim como a emoção da raiva, o medo coloca o corpo em alerta para situações de perigo. Uma pessoa sem medo é inconsequente. Provavelmente não sobreviverá por muito tempo. O medo é tão biológico quanto a raiva para alertar ao corpo, colocando o mesmo em estado de prontidão. Também serve para buscar as alternativas diante o perigo reconhecido.
Há alguns medos que são praticamente universais. O medo de serpentes é uma função instintiva praticamente presente em todos os animais. Outros medos são percebidos ou concebidos por cada experiência individual. Alguém toma um susto com um cachorro e passa a ter medo de cães. Situações traumáticas ativam áreas de memória que disparam os circuitos do medo. Contudo, a pessoa que cristaliza sua personalidade no Ponto 6 do Eneagrama já possuiu uma propensão natural em perceber os riscos da vida.
Dessa forma, a falsa personalidade também possui uma propensão natural de vincular o medo a seus traumas. Logo, a falsa personalidade cria um hábito mecânico de atuar para se prevenir perante todas as situações da vida. Entretanto, isso é uma situação muito estressante que cria a famosa “mente barulhenta”. Em outras palavras, a mente precisa estar em alerta e se prevenir sempre de muitos perigos. Outrossim, muitos desses perigos não passam de memórias, projeções e fantasias.
O risco da incerteza é o tempero da vida
A distorção que acontece da verdadeira personalidade para a falsa personalidade é a capacidade de enxergar o perigo como parte das próprias leis Divinas da criação. A verdadeira personalidade entende que até “Deus” está em perigo por Suas escolhas. Contudo, há um ato de fé em sua própria ação. Afinal, “Deus” acredita em Si mesmo. Outra maneira de entender é que a verdadeira personalidade no Ponto 6 do Eneagrama está conectada com sua própria consciência. Portanto, é capaz de tomar o risco de existir pela fé de seu ato. Dessa maneira, o perigo também se torna oportunidade. Isso é a essência do Ponto 6.
A verdadeira personalidade no Ponto 6 do Eneagrama sabe da necessidade de conhecer para agir. Portanto, não dispensará o saber intelectual para ponderar sobre suas decisões. Não obstante, sabe também reconhecer as emoções e a necessidade de agir. Não há preparação que resolva o risco de fazer. Todo plano é útil, mas, não suficiente para evitar erros. Mesmo assim, melhor ter um plano que não ter nenhum. Simplesmente fazer e refazer sem pensar é ignorar a própria capacidade mental. Portanto, o que é necessário para vencer o intervalo do Ponto 6 do Eneagrama é um “salto de fé”.
Tal “ato de fé” pode ser entendido como aceitar o que não se sabe, acreditar em algo maior que as próprias forças, dar um voto de confiança e reconhecer seus próprios limites. É entender que viveremos sempre imersos na dúvida. Quando eu escrevo sobre o raio da criação e uso o termo “Deus” é porque também tenho dúvidas sobre quem é esse “Deus”. Não há como limitar o conceito do Absoluto. Porém, isso não impede de perceber uma Vontade Superior atuando na própria condição limitante da personalidade. Entretanto, a falsa personalidade cristalizada no Ponto 6 quer saber, saber e saber. Como se tal conhecimento fosse resolver as suas dúvidas e medos. Porém, para cada tese na filosofia sempre aparece uma antítese tão convincente quanto a original.
Assuma seus riscos e encontre sua força
Portanto, viver é assumir o próprio risco de existir. Ainda mais, o nível de individuação pessoal reflete justamente o tanto que se assume deste risco e responsabilidade sobre o ato de criar a si mesmo. Em outras palavras, quanto mais um indivíduo necessitar de instruções exteriores para direcionar sua vida, menor o seu grau de individuação. Contudo, não digo que sistemas religiosos e políticos são desnecessários. Ao contrário, são necessários justamente porque viver sem tais referências só é possível para aquele que trabalhou arduamente sobre si e tem sua personalidade conectada a sua própria essência. Viver sem tal idolatria é para aquele que entendeu e assumiu o risco de se fazer.
O ato de viver exige vontade, criatividade e desejo. É preciso se libertar de conceitos para compreender. Todavia, não é fácil ter de usar a própria liberdade para escolher. Isso implica em consequências. Saber escolher suas próprias escolhas é uma tortura quando se entende do risco inerente de ser o autor de seus próprios atos.
Contudo, liberdade é uma maldição que muitos acreditam ter e poucos fazem uso dela. O ser humano acha que é livre . Mas na verdade é um animal condicionado. A verdadeira liberdade é algo que se constrói ao longo do tempo. E somente está presente quando livre de suas condições limitantes. Ainda mais, o verdadeiro trabalho é sobre a transformação da falsa personalidade. Então, sempre haverá dúvidas sobre o que se deve aceitar e o que se deve transformar.
Enfrentar os perigos de criar é superar a mecânica da vida
Uma pessoa deve entender o que ela é para compreender o que ela não é. Somente assim saberá o que necessita de transformação interior. Por fim, escolher é ser responsável pelo que escolhe. E tua criação é um risco que vale a pena lutar. Um mundo sem risco e sem dúvidas nos transforma em robôs. Não há desafio a si mesmo. Nada que lhe tira de suas próprias condições mecânicas.
Porém, enfrentar suas dúvidas, medos, questões e dilemas exige coragem, determinação, vontade, persistência e abertura para aprender com o que se acerta e com o que se erra. Então, é necessário um choque para vencer este intervalo. Um choque que lhe coloca em contato com sua força interior. A mesma força locomotora de todo o raio da criação. Tal força que tem origem no próprio Absoluto.
Para entender mais:
O espetacular Homem Aranha >> O seu famoso “sentido de aranha “que detecta o perigo é um ótimo exemplo da capacidade de leitura de risco de uma personalidade no Ponto 6 do Eneagrama.
Moisés (Os 10 Mandamentos) >> talvez um dos mais icônicos símbolos da ação pela fé. Atravessar uma nação por um deserto e abrir um mar ao meio são pelo menos leituras simbólicas de que as ações de completam por auxílio de forças além das forças da personalidade.
Kimetsu no Yaiba (Demon Slayer) >> Zenitsu Agatsuma é um personagem que descreve a falsa personalidade do Ponto 6. Sempre tomado pelo medo, somente atinge controle sobre si quando dorme. Neste estado de consciência, ele possui uma presença e percepção radiante. Sua falsa personalidade lhe deixa imerso em um estado alarmante de medo. Um estado totalmente oposto à sua presença radiante quando os verdadeiros perigos estão presentes.
Uma ótima semana de estudos para vocês.
Lauro Borges