O movimento é a função do centro Motor. Isso inclui todos os movimentos externos como andar, escrever, falar, comer e assim por diante. Portanto, a função do centro motor é movimento ou repouso, ação ou inação e um grau de relaxamento mais profundo ou mais superficial. Percebemos nossa forma e o grau de sua atividade por meio da sensação. A qualquer momento, a sensação física de “si mesmo” nos permite saber qual é sua atitude e qual é sua atividade. Eventualmente pode até ter controle sobre isso. É justamente por essa possibilidade que vem sua importância fundamental na jornada do autoconhecimento.
Centro motor, ativo, porém, passivo
A característica do centro motor é sua passividade. Contudo, não possui iniciativa própria. Assim, por natureza permanece inerte. Porém, obedece imediatamente a tudo o que existe para chamá-lo a servir. Dessa forma, isso explica por que muitas vezes é difícil distinguir entre o que pertence ao centro motor e o que vem da parte que lhe faz uso. Especialmente nos níveis mais baixos de atividade de nossa máquina. Logo, esse centro não se apoia em nenhum centro em particular. Também como os outros centros, o centro motor tem seu próprio pensamento. Podemos chamar de inteligência do movimento. Também tem seu próprio instinto, sua própria emocionalidade e a possibilidade de uma atividade própria que é apenas realizada em circunstâncias excepcionais. Isso acontece devido à sua extrema passividade.
Novamente, por causa de sua passividade, uma das principais características do centro motor é sua capacidade de imitação. O centro motor imita o que vê sem raciocinar. Assim é capaz de se conformar absolutamente a um modelo e reproduzir o comportamento do modelo exatamente sem mudar nada. Mesmo considerando um comportamento bastante complexo, a imitação ainda é obtida por meio do envolvimento apenas do centro motor. Todavia, quando vai além de um certo nível de complexidade passa também a envolver os outros centros.
Centro motor, mover-se é algo que se aprende
Outra característica do centro motor é que todo o seu comportamento deve ser aprendido. As funções motoras do ser humano, assim como as dos animais, devem ser aprendidas. É incrível o centro motor ser dotado de uma memória notável. Portanto, é isso que permite diferenciar as funções motoras das funções instintivas, já que a inteligência dessa última é inata. Ao contrário do centro instintivo, temos muito poucos movimentos externos que sejam inatos.
A observação da maneira como o centro motor funciona logo traz à tona uma ideia importante. Logo percebemos que o funcionamento normal do centro motor é um funcionamento relativamente independente. Isso é semelhante ao funcionamento do centro instintivo, porém, contrário ao dos centros emocionais e intelectuais que muito dependem do nível e grau de presença. O centro motor é capaz por si mesmo de realizar o trabalho que lhe é exigido, dentro dos limites que lhe são possíveis. Isso ocorre sem qualquer intervenção direta da parte que o requisitou, além de um simples treinamento preliminar. Também, não necessita de nenhum controle além de uma “supervisão” que faz o acompanhamento, adaptação do trabalho em realização e do resultado obtido.
Não perturbe, centro motor trabalhando
O centro motor normalmente funciona da mesma maneira, tanto na vida comum quanto nos níveis mais elevados da vida. Porém, na vida cotidiana, é o mau funcionamento dos demais centros, suas falhas, relações anormais, instruções contraditórias e interrupções inúteis que aliadas a preguiça natural do centro motor o desorganizam constantemente em seu trabalho e se põem falsamente em seu lugar. Portanto, sem uma presença estável e totalmente coerente estabelecida, o trabalho do centro motor falha em ser eficaz. Falha em participar de um “fazer” real, um ato autêntico. O centro motor atende a uma variedade de interesses, embora receba um bom treinamento para a vida diária. Sofre incessantes mudanças, rivalidades, intrusões e paralisações. Por ter suas ações baseadas em hábitos cegos essas acabam por não ter continuidade.
O pior de tudo é que mais tarde sofremos as consequências de nossos descuidos. Quando fazemos uma ação infeliz e inconsciente ainda podemos tentar esforçar mais tarde para reparar ao custo de um novo esforço consciente de trabalho. Contudo, sempre será muito mais difícil do que realizar, desde o início, a ação correta e necessária. Porém, toda ação produz consequências. Além disso, em nenhum caso os resultados de uma ação podem ser apagados. A lei que liga as causas aos efeitos é inevitável, particularmente perceptíveis no nível motor. Logo, carregamos inevitavelmente o fardo de nossas ações, conscientes ou não.
Preguiça, a alma do centro motor
Como já dito antes, o centro motor é um centro com tendência a ser passivo e raramente age por conta própria. Antes de mais nada, está disposto a obedecer a tudo o que lhe é pedido, seja qual for a origem da demanda. Por causa dessa disposição naturalmente passiva, esse centro, tende a ser preguiçoso ainda mais do que os outros. Temos que frequentemente “se forçar” a agir. Porém, quanto mais os nossos centros e personagens funcionem desconectados, maior será a demanda vinda de várias fontes sobre o centro motor. Às vezes, as demandas são concordantes, às vezes contraditórias. Assim, a ação do centro motor se torna caótica. Pior ainda, se houver muita desordem, o centro motor se refugia em sua preguiça natural.
Um bom exemplo com o qual podemos medir essa desordem da atividade motora é fornecido pela linguagem da fala. A fala pertence ao centro motor e é por ela posta à disposição dos outros centros. Sobretudo ao centro intelectual, em associação com o qual foi desenvolvido progressivamente. Quando deixado em paz, o centro motor está de fato disponível, mas, não apenas inativo. Está em um estado de disponibilidade em que a parte superior do centro está ansiosa para servir, permanecendo altamente receptiva e pronta para responder. Contudo, em seu estado normal, não possuímos esse grau de disponibilidade. Mesmo estando à parte de qualquer atividade real, o centro motor é constantemente importunado pela “personagem do momento”. consequentemente, o centro motor assume uma atitude correspondente a esse personagem.
O assalto ao centro motor, seus personagens!
Enfim, cada um de nós possuímos todo um repertório de atitudes. Todavia, sempre as mesmas que indicam a personagem que está presente. Portanto, essa observação pode trazer à luz a personagem. Assim, devido à existência de associações recíprocas e automáticas, a reprodução artificial de qualquer atitude tende a trazer à tona o personagem correspondente. Essa “sinalização” automática ocorre em duas direções: entre os estados internos e as atitudes externas. Isso ocorre incessantemente no comportamento social sem que tenhamos consciência disso. Em suma, é parte da máquina humana e de seu condicionamento.
A genuinidade do centro motor
O lado genuíno do centro motor, sua inatividade genuína, é o desapego ou relaxamento. Ao contrário da passividade do lado negativo do centro motor, isso não acontece por si só. Todavia, requer uma renúncia ativa e voluntária de qualquer demanda sobre o centro móvel pelos outros centros. Existem vários graus de relaxamento conforme haja um maior ou menor grau de desconexão das demandas ao centro motor. O primeiro desses aspectos é simplesmente a completa tranquilidade do corpo em uma postura natural e estável sem o menor esforço. É pela sensação que somos informados sobre todos esses estados de nosso centro móvel. De todas as formas de impressões que podemos obter da nossa vida interior, a sensação física é sem dúvida a mais imediatamente acessível a nós. É a mais concreta e a menos dada à imaginação falaciosa. Seu reconhecimento é fácil. A sensação de nós próprios “está aí” ou não existe. Isso vai depender se estamos voltados para nós mesmos ou atraídos para fora. Portanto, pode ser considerado um dos melhores testes para verificar a realidade dos esforços de autoconsciência.
No nosso cotidiano da vida, levamos de forma inconsciente todas as sensações que nos informam sobre nossas posturas, gestos e movimentos. Somente trazemos ao nível consciente quando algo inesperado e perturbador acontece. Esquecemos constantemente de nós mesmos. Acima de tudo, perdemos ao mesmo tempo a sensação de nós mesmos. Reconstituir essa sensação deve fazer parte de qualquer esforço para despertar para si mesmo.
Trocando os pés pela cabeça
Quando tenta assumir o trabalho de outro centro, o centro motor produz sua regularidade, seu poder, sua submissão, seu talento para a imitação, mas também traz consigo sua preguiça, sua inércia e sua inclinação para o que é habitual e automático.
De forma frequente, esse centro faz o trabalho do centro intelectual. Ainda mais frequente é sua atitude de continuar por inércia o trabalho que o centro intelectual havia iniciado. De fato, o centro intelectual muitas vezes se deixa distrair por algo que chama sua atenção. Às vezes por algum outro trabalho útil. No entanto, mais frequente por sonhos ou imaginação. Então, o centro móvel assume o trabalho, ou, continua sozinho com o trabalho que os dois centros iniciaram juntos. Isso resulta, por exemplo, em leitura mecânica ou escuta mecânica. De outra forma, onde lemos palavras (às vezes em voz alta) ou ouvimos frases sem compreender o seu significado. Assim, permanecemos inconscientes delas e nem mesmo nos lembramos delas.
Outro ponto importante está nas tentativas do centro móvel de sentir. Essas tentativas são talvez menos óbvias. Contudo, desempenham um papel muito importante. Afinal, esse comportamento introduz a mecanicidade e os hábitos nas relações humanas. Além de tudo o que isso acarreta.
Na semana que vem continuaremos com os estudos dos demais centros. Uma ótima semana de estudos para todos vocês.
Lauro Borges
Esse artigo faz parte de uma série sobre trechos, notas e comentários sobre o livro Toward Awakening: An Approach to the Teaching Left By Gurdjieff” de Jean Vaysse.
Não seria a emoção que tem preguiça?
Emoção é o centro mais reativo de todos. Nunca tem preguiça de se manifestar