Associações e pensamentos, você vive a vida ou ela que vive você

O trabalho de observação de si é a única ferramenta que pode unir os dois mundos que temos em nossa alma. Temos um ser que faz, toma suas decisões e reage de forma automática. O que acontece externamente afeta automaticamente o mundo interno. Com isso, surgem as mais diversas reações. Isso não é difícil de entender e nem difícil de perceber. O que é difícil de perceber é ver isso acontecendo “em tempo real”, dentro de si. 

Outra grande dificuldade que temos é enxergar que esse “eu que reage” não é o mesmo que reagiu a um dia atrás. Talvez nem mesmo o que reagiu a 30 minutos atrás. Isso torna a auto-observação ainda mais difícil. Afinal, o fenômeno da constante troca de “eus”, que assume o posto de “rei do comando”, cria uma falsa impressão de que somos livres em tomar as nossas decisões. Há uma falsa imagem de que podemos fazer, escolher como e quando reagir a uma determinada condição. No entanto, a observação de quando reagimos de forma diferente precisa estar totalmente ancorada com o momento interior. Caso contrário, não se nota que a reação diferente foi mero acaso das trocas de  “eus”  que assumem o comando.

Vamos dar um exemplo aqui. Você acorda numa segunda-feira e sai de casa dirigindo o seu carro. O trânsito está ruim e você logo perde a sua tranquilidade. Está preocupado com vários afazeres da semana e enxerga todas aquelas pessoas no trânsito como obstáculos. Agora você sai de casa e pega o mesmo trânsito para conseguir chegar a um estádio onde assistirá um jogo ou show. No trânsito você vê as pessoas com camisas e bandeiras. As sensações são de euforia, entusiasmo e participação.

Assim, o mesmo evento externo “trânsito” é associado com momentos diferentes. No entanto, quando perguntado se você gosta de trânsito imediatamente responde que odeia. Mas raramente pensamos o que é o “trânsito intenso”. O trânsito é somente o fenômeno materializado de muitas pessoas indo para o mesmo local simultaneamente. Você pode tentar evitá-lo, se possível, mudando seus horários ou até o local onde mora. Também pode simplesmente aceitar o fato, relaxar, ouvir um podcast, uma boa música ou aproveitar para bater um papo com quem está no carro. 

No entanto, o que mais fazemos é simplesmente ser vítima inconsciente das impressões causadas pelo fenômeno externo. Ainda por cima, não temos o hábito de digerir tais impressões com o intuito de separar o que é fenômeno externo e o que é o meu mundo interior. Logo, vamos acumulando impressões e associações com as mais diversas reações mecânicas.

Logo, o exercício do observador vai revelando essas sutilezas de nosso caráter. Com o tempo também começa a revelar algo que não reage para a vida. Algo que realmente vive a vida em seu momento e deixa que as coisas aconteçam. Esse algo nem mesmo se importa se exteriormente a outra parte ainda quer ser o centro das atenções. Seu foco não é ser o centro das atenções e sim estar no centro de si. Essa conexão com esse centro é que promove a conexão com a Razão Objetiva, a mais alta energia que somos capazes de produzir.

viver por associações automáticas é deixar que “as forças da vida externa” vivam a nossa vida. Enquanto viver por força de seu centro interior é aprender a se elaborar pela digestão das impressões. Portanto, somente é possível digerir as impressões se estamos presentes no momento. Caso contrário, as impressões caem automaticamente dentro das associações pré definidas e nos tornamos fruto do acaso. Se estamos no momento presente, ancorados em nossas sensações e corpo, podemos perceber como essas impressões disparam uma sequência de reações automáticas. Podemos então com o tempo perceber quais dessas associações são úteis, quais são verdadeiras, quais devem ser trabalhadas e quais devem ser destruídas. 

Portanto, é criando novas associações que tornamos melhor. Nunca podemos viver livres de associações, muito menos de impressões. As impressões ao cair sobre as associações provocam uma força. É a força da ação, do agir, de participar da vida. Alguém pode refrear tais impulsos e achar que assim está livre das impressões. No entanto, essa pessoa somente criou uma nova associação automática. Nesse caso, não agir é também uma reação.

As associações não são criadas de forma totalmente livre. Temos em nós instintos enraizados. Não é nem saudável querer modificar a grande parte desses instintos. É até mesmo perigoso. Um exemplo é o instinto de sobrevivência. O que normalmente ocorre é a dissociação do instinto de sobrevivência com o momento presente. Uma pessoa já pode ter recursos satisfatórios para viver e continuar sentindo-se pressionada por ter mais. Todavia, não é modificando o instinto de sobrevivência que se corrige isso. É modificando as associações existentes.

Como seres sociais, somos frutos da cultura familiar e de nossa comunidade. Precisamos ser aceitos e pertencer a um grupo. Muitas vezes simplesmente tomamos para nós certas associações desses grupos por querer manter ou criar vínculos. Mesmo que tais associações sejam contrárias à consciência.

Por outro lado, nosso cérebro recebe e processa uma infinidade de informações a cada momento. Gerenciar e tomar decisões não pode ser algo que leve minutos, horas ou dias. O cérebro é o órgão que mais consome energia. Criar rotinas automáticas de decisão é uma maneira necessária para agilizar a tomada de decisão e economizar energia. Da mesma maneira, não faz sentido querer alterar as associações se estas não existem. É necessário criar uma matéria prima para que algo possa ser elaborado.

Continuarei com o tema na semana que vem. Enquanto isso, fica a sugestão de observar como as associações operam em sua vida. Note as associações mais intensas. As que provocam sensações físicas e emocionais em conjunto com o disparo de pensamentos. Pode ser que seja mais fácil começar com pequenas trivialidades como o exemplo do trânsito ou outros fenômenos exteriores recorrentes. Note como tais fenômenos geram impressões e se associam com memórias do passado, sentimentos e pensamentos.

Um grande abraço e uma ótima semana de estudos para todos.

Lauro

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