Nos últimos artigos venho falando sobre a Lei de Sete, transformação, tempo e movimento. Descrevi vários usos do Eneagrama nos diversos processos e desdobramentos do tempo. Também discutimos onde o risco da transformação se apresenta (no ponto 6). A Gisele escreveu sobre a música, os modais, escalas e desdobramento das frequências. O que pretendo fazer agora é trazer estes dois temas para um fechamento destes ensaios sobre a Lei de Sete.
Música, modos e tempo
Somos uma máquina de Transformação de energia. Nosso corpo necessita de receber alimentos para sustentar-se, manter-se. Para Gurdjieff isto chama lei da manutenção. Se paramos de dar manutenção contínua logo a nossa máquina degrada. É igual a um piano ou um violão que com o uso torna-se desgastado e desafinado. As cordas podem estar corroídas e até rompidas. Assim, com o passar do tempo não é mais possível realizar um som harmonioso nesta máquina.
Tudo está sujeito ao desgaste em função do tempo. O tempo, o grande deus Cronos, tudo consome. Consome seus próprios filhos, pois, nascemos no tempo e morrermos em nosso tempo. Enquanto existirmos teremos de seguir mantendo nossa máquina em bom funcionamento. Se paramos de realizar esta manutenção, vamos sentir no físico e por consequência em nossas mentes e emoções.
Boa parte da jornada espiritual consiste em duas grandes ações: aprender a manter a máquina e depois aprender a operar esta máquina.
Instrumento, música e composição
Temos um instrumento, uma máquina que precisa ser mantida fisicamente. Existe também uma composição que devemos executar. E para tanto precisamos aprender técnicas que nos ensinam a ler a partitura e como executar a mesma. As técnicas não são a composição. São meios de aprender a realizar a execução da composição.
No entanto, muita gente se perde nas técnicas porque não acham professores adequados ou métodos condizentes com a maneira de cada um. Da mesma maneira, o caminho do crescimento pessoal possui muitas técnicas. Hoje em dia sobram caminhos e possibilidades. Mas não importa o caminho, você terá de dedicar a tornar-se mestre de algumas técnicas. Terá de ler aqueles rabiscos e sinais da partitura que escondem uma melodia, uma música.
Está tudo ali a sua frente: O instrumento, a partitura, o potencial existe para que a música aconteça. No entanto, nada vai acontecer se não sabemos ler a composição e não temos a técnica para executar a obra.
Então devemos desenvolver uma parte intelectual e também uma parte mecânica motora. Com isso vamos notando que nossos movimentos estão associados ao pensamento. Assim, nossa vontade deve atuar como um primeiro choque consciente neste processo de harmonia, entre a mente que compreende o que fazer, enquanto o corpo aprende a realizar a ação desejada.
O que queremos obter com nossos movimentos é o encontro perfeito da vontade com o entendimento e a coordenação da memória muscular. Porém, não é assim que normalmente agimos na vida. Quando movemos sem presença, o corpo move pela memória, e, não necessariamente faz o que era esperado. Quem já não se pegou fazendo algo enquanto pensava em outra coisa? E, quando notou nem sabia o que estava fazendo, ou, estava fazendo algo que não era o desejado?
Transformação, tempo e música
Saímos do ponto onde agora temos um instrumento afinado, que temos a técnica, que sabemos ler a composição e que praticamos o suficiente para tocar algo. Agora, entra a emoção. Tocar uma composição não é simplesmente técnica. É entender o que aquela música quer dizer, quer transmitir em sentimentos. Então vamos executando e sentindo aquela mensagem não verbal que somente a música pode transmitir.
Desta forma, entra a importância do tempo, da percepção do tempo e das pausas. Perceber o ritmo, a força ou suavidade que se executa uma nota. São tons sutis que vão sendo criados que dão a cor, a textura a solidez para a música.
Técnica nunca será tudo
Neste momento, a técnica ajuda e é importante, no entanto, não é o que realiza a música. Uma pessoa de grande técnica pode ser um grande professor, mas, não necessariamente um grande executor. Um músico que toca a alma de sua plateia ao executar a composição. A participação da emoção, neste momento, é algo superior, transcendente. Faz sentir o contato com algo sagrado, místico, misterioso. Não são os simples estados emocionais inferiores do dia a dia.
Aqui, compartilho uma experiência que tive ao participar como plateia de um concurso de violão clássico. Todos os dez músicos tocavam a mesma composição. No entanto, cada um fez uma música diferente. Foi uma excelente experiência porque não se tem muito esta oportunidade de colocar a mesma música sendo executada por vários músicos.
Talvez você possa notar esta diferença ouvindo estas 3 execuções diferentes da sonata a luz da Lua de Beethoven.
A música tocada torna-se algo vivo, porém, é ao mesmo tempo algo imaterial. Os sentimentos e sensações que temos são trazidos por esta linguagem como se fosse mágica. As ondas mecânicas do som são reais, porém, a mensagem codificada é velada. Toca em nossa alma. O artista e quem ouve é tocado pela música. E por isso a música nos serve para este paralelo de exploração de nossa alma.
A alma não tem forma ou aparência física. Porém, se paramos e sentimos, se praticamos algumas técnicas e afinamos nosso instrumento, começamos a ouvir a nossa própria composição. A composição de nossa própria alma.
Eneagrama, transformação, música
Na figura acima podemos ver a sequência temporal ( de 1 a 9 ) do processo de aprender e executar uma composição. Este ciclo, aprender-executar a composição, vai ficando cada vez mais complexo a medida que evoluímos em nossas realizações. É uma subida na escala das oitavas. No entanto, acho importante explorar outras relações.
Relação afinação-técnica-execução (1-4-7): interessante notar que o triângulo 1-4-7 conecta a afinação com a técnica e execução. Um instrumento pode ter várias afinações de acordo com a técnica do músico. Por consequência, isto afeta diretamente a execução da composição.
Relação leitura-sentimentos-percepção (2-5-8): aqui podemos observar que a leitura já vai trazer a mente e, ao corpo, a necessidade de quais sentimentos devem ser imprimidos durante a execução. Desta forma, este triângulo (2-5-8) exprime o resultado que se almeja obter com a obra.
Alma, música, composição
Espero que tenhamos conseguido levar alguns novos entendimentos a vocês neste processo de descobrir como funciona a Lei de Sete, a lei da transformação. Também espero que tenhamos trazido mais dúvidas e questões, para que você possa explorar em sua jornada. A jornada de crescimento pessoal é um processo mágico,de buscar o que não podemos ver ou tocar, mas, podemos sentir e experimentar.
Desta forma, vamos criando nossa própria composição, afinando nosso instrumento e aprendendo como realizar nossas melodias. Inovar, libertar-se de padrões e condicionamentos permite que criemos novas músicas em nossas vidas, novos atritos, choques e resoluções harmônicas.
Lembre que seu corpo planetário é o seu instrumento. A sua música é sua presença.
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